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1º "carrasco" do Corinthians renasce para o futebol. Agora, com time misto

Faixa União Lapa - Reprodução - Reprodução
Faixa do novo União Lapa mostra ideologias da equipe que luta pela igualdade
Imagem: Reprodução

Luis Augusto Simon

Colaboração para o UOL, em São Paulo

28/04/2017 04h00

- Luana?

- Sim?

- Prazer, Ana Lúcia. Você joga do quê?

- Sou goleira e lateral, mas não vou jogar não. Estou com dores na perna e vim só observar. Minha estreia fica para outra vez.

- E você, quem é?

- Fagner.

- Ah, nosso goleiro para hoje. Prazer, você vai ajudar bastante, o nosso não pôde vir.

Depois dos novos contratados, Ana Lúcia conversa com os veteranos: "Todo mundo chegou? Quem veio?".

Já passa cinco minutos das 13 horas, quando o time deveria entrar em campo e saber quem veio é importante: no União da Lapa, todos jogam.

Mas, você substitui mesmo quando o time está ganhando? Não tem medo de perder?, pergunto.

"Olha, nosso intuito é vencer, mas também é jogar bem, é ter amizade e lutar pela inclusão. Todo mundo joga", diz Ana Lúcia Almgren, a treinadora.

Em seguida, escreve a escalação na prancheta. Três zagueiros. Fagner, Aline, Pedrinho e Rodrigo; Alan, Mandioca, Rafa e Reynaldo; Ruth, Renan e Bahia. Logo, uma mudança. Giba entra na ala esquerda. Reynaldo não apareceu.

União Lapa time posado - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

O União Lapa está pronto. São três meninas - Bahia é a publicitária Ana Lígia - e oito homens em campo, jogando bola, se divertindo e recuperando a história.

Uma história que começou, há quase 107 anos. No dia 1 de setembro de 1910, alguns jovens se juntaram na venda do Francisquim para fundar o União Lapa, com o intuito de "praticar o esporte bretão". No mesmo dia, foi fundado o Corinthians. No dia 10 de setembro, os dois times se encontraram, na Lapa. O União Lapa venceu por 1 a 0. O gol, de quem foi? A história não registra. O que está nos livros é que o alviceleste da Lapa foi o primeiro carrasco do alvinegro Corinthians.

A refundação foi no ano passado. Danilo Cajazeira, 34 anos, professor de Geografia, pesquisou muito sobre o time que tinha seu estádio onde hoje é o Mercado da Lapa. Conheceu histórias como a transferência de Carabina, que pertencia ao Lapeaninhos. "Os jornais criticaram muito a saída dele e de outros jogadores para o União. Depois, quando voltaram para o Lapeaninhos, mais críticas. Ninguém entendia como o clube podia aceitar de volta quem o havia traído. É a prova de que o profissionalismo já existia na década de 20 e 30".

Danilo, muito magro, é o Mandioca da escalação. E agora, está ganhando o apelido de Valdivia, pela semelhança física com o meia do Internacional.

O ressurgimento do União Lapa vem na esteira de um processo de valorização da várzea. O time tem laços de amizade com o Autônomos e Rosa Negra, ligados ao movimento punk. Eles batalham também pela preservação dos Centros Desportivos Municipais. O time paga R$ 300 reais por mês para a Prefeitura. "Se for para frente o projeto de campos sintéticos, vai passar para R$ 800 mensais. Vai ficar muito caro".

União Lapa campo - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

O União também é um espaço de resistência. "Resistência é a palavra chave para nós", diz Adriana Albuquerque, meia que está se adaptando na ponta. Está fora do jogo por conta de um problema no joelho. "Quando uma mulher não se profissionaliza, fica difícil jogar. Na várzea só tem time masculino. Quando se forma um time feminino, é difícil arrumar adversário, além de serem times muito fortes. Então, o União, com o time misto, ajuda a mudar isso tudo. É uma forma de resistência nossa, contra o machismo. Aqui, na Lapa tinha o 15% Lapa, que era um time feminino e outro masculino. Mas o horário era só dos homens e o time feminino demorava para entrar. Durou pouco. Eu sou contra avisar que nosso time é misto. Se avisa, o outro time muitas vezes se recusa a jogar".

Quem tem muita resistência é Ana Lígia, a centroavante. Tem o apelido de Bahia. Corre muito, de um lado para o outro, acossa os zagueiros, não desiste nunca. "O fato de o time ser misto não prejudica em nada. Muitas vezes, quem se atrapalha é o adversário. Entra jogando mole, sem dividir e quando vê que o jogo é de igual para igual, já perdeu tempo. Ou até o jogo".

Ana Lígia faz parte da comissão de divulgação, responsável pela página no Facebook. Também há a comissão político-cultural, a comissão técnica, que pesquisa táticas, a comissão de lavagem de uniformes, de marcação de jogos, de faixas e bandeiras e a financeira, que tem a responsabilidade de manter em bom nível o fluxo de caixa. "Cada um paga R$ 30 por mês. Se puder dar mais, tudo bem", diz Viviane, lateral e zagueira, à espera de entrar em campo. Enquanto isso, um olho no namorado Rodrigo, que participou de uma dividida muito forte, e outro em Catara, o husky siberiano do casal, alegria da criançada que vê o jogo.

O União marca primeiro, com Rafa, mas perde por 3 a 2. O outro gol foi de

Um dia após o jogo contra o Madrugadão, no campo careca do Bicudão, o Corinthians, em seu belo e caríssimo estádio (arena) venceu o São Paulo e chegou à final do Paulista. Profissionalismo x amadorismo. Paixão de milhões x resistência de um grupo de amigos. Futebol sério x futebol lúdico. Os dois times com raízes operárias tomaram caminhos divergentes, um viverá eternamente, o outro comemora sua ressureição. Nunca mais se encontrarão.

Nunca?

"Nosso primeiro jogo oficial na volta foi contra o Coletivo Democracia Corinthiana. Foi 4 a 3 pra nós. Ganhamos deles novamente", brinca Mandioca.

Carrasco é carrasco.