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Em 3 dias, Atlético-PR vê calmaria virar inferno com duas derrotas

Sidcley lamenta chance perdida pelo Atlético-PR contra o San Lorenzo na Libertadores - Cleber Yamaguchi/AGIF
Sidcley lamenta chance perdida pelo Atlético-PR contra o San Lorenzo na Libertadores Imagem: Cleber Yamaguchi/AGIF

Napoleão de Almeida

Colaboração para o UOL

04/05/2017 12h42

Duas derrotas por 3 a 0 transformaram o ambiente do Atlético-PR. Em um intervalo de três dias, o time perdeu para o Coritiba na primeira partida da final do Campeonato Paranaense, no último domingo, e foi superado pelo mesmo placar pelo San Lorenzo, nessa quarta-feira, pela Copa Libertadores.

Com as derrotas, o time colocou em risco a vaga para a próxima fase da Libertadores e praticamente perdeu o título estadual. O resultado gerou aumento das cobranças da torcida, pedido por reforços, o provável vice no Paranaense perdendo justamente para o arquirrival e a dependência de uma vitória fora de casa para ficar na Libertadores, quadro que só aumenta a perspectiva de mais cobranças.

O que aconteceu ao Atlético Paranaense? Os números explicam muita coisa, mas os bastidores contam mais. O UOL Esporte apurou o que influiu para os dias que tumultuaram a vida do Furacão em 2017: de finalista pelo título estadual e próximo de a uma vaga nas oitavas a virtual vice e ameaçado de eliminação na fase de grupos.

Autuori gerente
O primeiro episódio foi ainda antes do jogo de volta da semifinal contra o Londrina, pelo Paranaense. Descontente com o método de treinamentos dos auxiliares Bruno Pivetti e Kelly (ex-jogador do próprio clube nos anos 90), o zagueiro Paulo André cobrou os dois por uma mudança. A decisão chegou até Autuori, que afastou o jogador por um treino. A informação vazou e o Atlético correu para abafar o caso, publicando uma nota – em que reclamava da cobertura da imprensa e de outras coisas, como a FPF (Federação Paranaense de Futebol) e o TJD-PR (Tribunal de Justiça Desportiva) – enquanto Autuori, Paulo André e a comissão conversavam. Ponteiros ajustados, o time eliminou o Londrina e ainda venceu o Flamengo, pela Libertadores. Mas o questionamento seguiu.

Com a intenção de ser gerente de futebol do clube e cada vez mais afinado com a política da diretoria, Paulo Autuori já disse publicamente que pretende ser formador de técnicos no Atlético, entre outras atribuições. O treinador tem sido cada vez mais supervisor e menos treinador no dia a dia no CT do Caju. É Pivetti, auxiliado por Kelly, quem comanda a maioria dos treinos. Nem todos no elenco aprovam a medida. Na vitória contra o Flamengo, um episódio chamou a atenção: o volante Deivid ia entrar em campo, mas o zagueiro Thiago Heleno reclamou com Autuori e pediu a entrada de Wanderson, um atleta mais alto. Autuori atendeu a um de seus jogadores de maior confiança, mas que ao mesmo tempo – como muitos no grupo – se ressente dessa mudança em curso no comando técnico do clube.

Mudanças afetam elenco
Autuori disse várias vezes em coletiva de que “a temporada é longa e o planejamento é para o ano”. Para o técnico – e o mantra ecoa no CT do Caju – o título da Libertadores é um sonho que virá a partir da repetição da presença do clube na competição. Mesmo assim, é difícil controlar a alta expectativa. É o elenco mais caro da história do clube, com jogadores com rodagem que chegaram para dar experiência, mas também resultados.

Nesta semana decisiva, porém, o Atlético sentiu, mesmo tendo passado com drama pelas duas fases pré-grupos da Libertadores. É corrente o trabalho para diminuir a expectativa interna por resultados. Na semana da final e de dois jogos decisivos, após a derrota para o Coritiba (mesmo com 5 reservas), as cobranças foram fortes. A tranquilidade obtida em 2016 com a conquista do Estadual e a vaga para a Libertadores não se repetiu. O elenco também mudou demais.

O grupo foi perdendo forças com os atletas que saíram do elenco. Com os nomes cantados pela torcida durante a derrota para o San Lorenzo, Walter e Léo foram afastados sem muitas explicações públicas. Nos bastidores, afirma-se que Léo estava descontente com a reserva de Jonathan e a manutenção dele no grupo ficou insustentável. Jonathan se machucou após o afastamento de Léo e Zé Ivaldo teve de ser improvisado no setor.

Walter deixou o clube ainda em 2016, após descontentamento da direção com a forma física do jogador, alvo de constantes reclamações em toda sua passagem pelo clube. Uma dívida com o Porto, dono de seus direitos, foi repassada ao Goiás que o desejava para a Série B. O jogador já foi visto várias vezes na Baixada após a saída.

André Lima, outro que teve o nome cantado, deixou o clube apesar de ter um contrato que previa renovação caso a meta de gols fosse atingida em 2016, o que aconteceu. Porém as partes não chegaram a um acerto para reajuste salarial e o atacante foi mais um a sair. Por fim, outro que deixou o clube em litígio foi o meia Vinícius, que recentemente se envolveu em discussão com o vice-presidente Marcio Lara a ponto de ambos registrarem boletim de ocorrência na polícia.

Um dos pontos identificados foi a saída de Hernani, que dava ritmo ao meio-campo. O clube foi buscar Eduardo Henrique e Guilherme, mas ambos só poderão jogar na Libertadores caso o clube se classifique para a próxima fase.

Palanque rubro-negro
Durante os quatro primeiros meses do ano, o Atlético foi protagonista em vários momentos no esporte nacional: deixou a Primeira Liga em desacordo com a divisão de cotas, realizou em conjunto com o rival Coritiba as transmissões independentes dos clássicos do Estadual, questionou o calendário, batendo de frente com a Federação Paranaense em várias ocasiões e, para firmar posição, mandou o time reserva a campo em 10 dos 16 jogos do Paranaense até aqui – sem contar o time misto na final Atletiba.

A postura política que questiona o sistema também traz para dentro o desdém. No CT, não há ordem explicita para que não se valorize o Estadual, mas dentro do próprio elenco a impressão é de que perdê-lo não tem muita importância. "Fica no subconsciente", disse um integrante da equipe, que pediu para não ser identificado. Ele citou o meia Nikão como exemplo. O jogador, um dos talentos da equipe e com comportamento cordato, chegou a dizer que o "campeonato devia acabar"

O técnico Paulo Autuori também afirmou que "o título desse Estadual mancha currículo" e que nem o colocaria no seu currículo pessoal. Depois de perder o primeiro jogo da final para o Coritiba, ele assumiu que a cabeça estava no jogo de quarta-feira contra o San Lorenzo. Na partida contra os argentinos, nova derrota por 3 a 0 e nervosismo a flor da pele percebido em campo, com o goleiro Weverton perguntando o tempo restante de jogo com menos de 20 minutos do primeiro tempo e a vitória parcial dos argentinos. O clube se perdeu em seu foco principal e acabou comprometendo duas competições em que segue vivo, mas em situação complicada. Apesar de a Libertadores ser uma clara prioridade, a derrota para o rival Coritiba bagunçou o ambiente.

Preparação física em xeque
O Atlético está no segundo ano de parceria com a EXOS, uma empresa norte-americana que detalha a performance física de cada jogador, com vários itens de controle de vida do atleta, como sono, alimentação e correção de movimentos. Diariamente, ao chegar no CT, o jogador passa por várias avaliações antes de ir para o treino e, conforme a avaliação, não vai ao campo. O conceito é revolucionário, mas encontra resistência em alguns atletas. São três os perfis: os que aprovam o método e demonstram contentamento com as novas possibilidades de capacitação física, caso de Lucho González, que vê no método a oportunidade ser mais longe na carreira. Há os que não compreendem a ideia e torcem o nariz para o método. E há ainda os que identificam brechas e aproveitam para não irem a campo e treinar. "Muitos atletas não se adaptam aos novos métodos" foi uma das frases ditas à reportagem. Uma dificuldade do Atlético é gerenciar isso.

Não bastasse o conflito mental, a mudança na rotina trouxe uma série de lesões ao grupo, que se ressentiu de vários jogadores nas últimas semanas, mesmo com o elenco principal atuando em pouco mais da metade das partidas em 2017. Pablo, Carlos Alberto, Grafite, Otávio, Lucho González, Nikão e Jonathan foram alguns dos que desfalcaram o time durante o período, seja por lesão muscular ou algum trauma sofrido durante as partidas.

Trunfos perdidos
Melhor defesa do Brasileirão 2016, o Atlético levou nada menos que 27 gols em 25 jogos, média acima de um gol por partida. Em todo o campeonato nacional do ano passado, foram 32 em 38 jogos, apenas 5 a mais do que a marca deste ano.

Outro fator preponderante foi perdido nesta temporada até aqui: a Arena da Baixada. Melhor mandante no Brasileirão, o Furacão empatou tanto quanto venceu em casa até aqui (seis jogos) e conheceu sua pior sequência desde que reabriu o estádio, com duas derrotas. Paradoxalmente, tem a sétima maior média de público no ano entre todos os times do Brasil até aqui, com uma média de ocupação de 40% de seu estádio (cerca de 17 mil pessoas por jogo).