Ex-SP relembra adeus antes do mundial e relata a miséria que viu no Congo
Revelado pelo São Paulo em 2001, Júlio Santos rodou o Brasil e o mundo até conquistar, nesta temporada, um dos títulos de maior valor na carreira, segundo o próprio: o Campeonato Gaúcho de 2017 pelo Novo Hamburgo. Entrevistado pelo UOL Esporte, o zagueiro de 35 anos recorda momentos da longa carreira e brinca que praticamente ‘nasceu dentro de campo’ por conta do pai, que jogava na várzea e sonhava em ver o filho jogando profissionalmente.
Entre os mais diversos assuntos, Júlio Santos relembra o início da carreira e a promoção ao profissional do São Paulo, time pelo qual ‘quase’ foi campeão mundial, dá detalhes trágicos do que presenciou no Congo, durante sua passagem pelo Mazembe (entre 2012 e 2013), e coloca o futebol gaúcho como o segundo melhor do Brasil, atrás apenas do paulista.
Confira a entrevista abaixo:
Gratidão ao pai e o começo de tudo no São Paulo
Eu nasci em Osasco, fiquei lá desde pequeno. Na verdade, a minha mãe até brinca que ela quase me teve dentro do campo... o meu pai, o seu Toninho, sempre teve time de várzea em Osasco, era uma equipe muito conhecida, Unidos do Veloso... Então, a partir do momento que eu nasci, a minha mãe, a dona Fátima, já ia para campo comigo e com o meu irmão, o meu pai sempre vivia dentro de campo, e o sonho do meu pai era ser jogador de futebol. E como ele não teve a oportunidade, ele correu comigo e com o meu irmão para que isso se tornasse realidade, que se realizasse o sonho, e graças a Deus ele conseguiu. Ele nos apoiou muito, meus pais sempre nos apoiaram bastante, e foi com essa atitude dele que eu comecei a treinar e ir para a escolinha do SENO, onde tem até hoje, de onde saíram o Kleber Gladiador, o Mariano, é uma escolinha bem conhecida em Osasco. Eu fiquei no SENO por algum tempo, um, dois anos, depois eu acabei indo para o Pequeninos do Jóquei, fiquei lá por dois anos com o seu Guimarães até que, com 10 para 11 anos, eu entrei na base do São Paulo. Aí passei por todas as categorias de base desde o dente de leite, o infantil, juvenil, juniores até chegar ao profissional, em 2000 para 2001, quando eu subi para o profissional e fiquei até 2005. Em 2004 eu acabei sendo emprestado para o Paysandu e voltei em 2005, mas em 2005 não teve acordo e eu acabei saindo definitivamente.
O ‘quase’ título mundial pelo São Paulo em 2005
Foi por pouco, até foi engraçado quando o São Paulo me emprestou em 2004 para o Paysandu... o São Paulo alegou que era pra eu adquirir experiência, que seria bom para mim, e eu fui para o Paysandu em 2004, joguei o Brasileiro, fiz uma excelente campanha com o Paysandu, fiz alguns gols... E com a atuação que eu tive no Paysandu eu achei que em 2005 eu voltaria bem melhor, com mais força, só que infelizmente eu acabei não tendo a oportunidade, meu contrato estava no fim e acabei perdendo essa oportunidade. De repente poderia até ter sido campeão do mundo junto com eles, mas eu acredito que Deus sabe o que faz, né, tudo tem a sua hora certa.
Frustração por não ter conquistado o Mundial?
Não, não, o São Paulo foi a minha segunda família, tudo o que eu tenho hoje, a pessoa que eu sou, o profissional que eu sou, o homem que eu sou, eu devo à formação que tive do São Paulo. Eu entrei no São Paulo com dez anos de idade uma criança e saí de lá um homem, sendo um atleta profissional, com uma profissão não só em campo, mas com uma cabeça totalmente diferente. A minha criação, na verdade, além da minha família, foi do São Paulo, então eu só tenho que agradecer o São Paulo por tudo o que ele fez por mim.
Experiência marcante no Congo
O Congo me serviu como uma enorme experiência porque, para quem não conhece a África, eu indicaria que fosse pelo menos uma vez na vida, para dar valor ao pouco que a gente tem. Aqui no Brasil ainda tem muita coisa a melhorar, isso a gente não tem dúvida, mas existe muita coisa pior, e a África me surpreendeu. São coisas que eu vi ali que eu vou levar para o resto da minha vida. Então, a partir do momento que eu voltei de lá, isso falando pessoalmente, eu voltei dando muito mais valor para a vida, para as coisas que eu tenho aqui, e na questão do clube, o Mazembe, é estruturado, onde 80% do clube são jogadores de seleções africanas. É um clube que dá toda a estrutura para o jogador trabalhar, tanto que chega às finais da Copa da África, dos mundiais... Eles estão sempre presentes.
O que o chocou tanto no Congo?
Em termos de alimentação, de como o povo vive, eles vivem com o mínimo... Eu conversava bastante com os amigos do hotel em que eu ficava, eles viviam com um saco de maisena - que eles chamavam de mumu - e com uma latinha de sardinha. Eles ganhavam 60 dólares para passar o mês todo, era bem complicado, o país lá não tem taxa de imposto, então para ir à escola tinha que ter dinheiro, para ir ao hospital tinha que ter dinheiro, então quem não tinha dinheiro para ir ao hospital morria ali mesmo, é uma coisa que me marcou muito. Outra coisa que marcou: eu estava conversando com um taxista que estava me levando para o treino, e ele falou com uma naturalidade: ‘ah, eu tenho oito filhos e quatro já morreram’. Falou como uma coisa tão normal, pelo fato do pouco que eles têm, de perder uma vida, e não sente tanto como a gente sente aqui.
A evolução do futebol gaúcho
Hoje, na minha concepção, o Gaúcho só fica atrás do futebol paulista. Aqui tem grandes equipes com qualidades, equipes de série A, B e C do Brasileiro, e hoje mudou muito. Antigamente falavam que futebol gaúcho era só porrada, campos ruins, e eu vejo que o futebol gaúcho melhorou muito não só dentro de campo como fora também. Os clubes se reestruturaram, os campos melhoraram, e futebol de qualidade tem bastante aqui, então eu creio que o futebol gaúcho, depois do paulista, é o segundo, brigando com o mineiro.
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