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Impedidos de viajar, são-paulinos querem processar PM; juristas concordam

Torcida aguarda - Reprodução/Twitter - Reprodução/Twitter
Imagem: Reprodução/Twitter

Adriano Wilkson

Do UOL, em São Paulo

07/06/2017 04h00

Torcedores do São Paulo que estavam em cerca de 40 ônibus e foram impedidos de chegar a Campinas para o jogo contra a Ponte Preta, no domingo, vão entrar com representação no Ministério Público contra a ação da Polícia Militar.

Na rodovia Anhanguera, antes de chegar na cidade de destino, o comboio de duas torcidas organizadas foi proibido de seguir viagem porque uma parte dos torcedores estava sem ingresso. A polícia alegou que as bilheterias do estádio Moisés Lucarelli estavam fechadas desde as 11h, e que torcedores sem bilhete podiam causar tumulto nos arredores do estádio. O site da Ponte Preta dizia que os ingressos aos visitantes seriam vendidos até as 17h.

Cerca de 2 mil pessoas tiveram de voltar para São Paulo e perderam o jogo. A área destinada aos visitantes em Campinas ficou bastante vazia. A Ponte Preta venceu o São Paulo por 1 a 0.

Comboio SPFC - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

“Por volta das 13h nos pararam na estrada e às 15h40 disseram que não íamos entrar”, disse a torcedora conhecida como Musa, gerente de vendas e associada à Independente. “Estava todo mundo com fome, sem água. Lá tinha muitas mulheres, crianças, não eram só associados da torcida. O calor estava infernal. Todo mundo ficou indignado, mas acatou as ordens e voltou.”

Os torcedores reclamam também do dinheiro gasto em ingresso e passagem do ônibus.

“Se a direção da torcida não tivesse presente, poderia ter acontecido uma tragédia lá”, disse Henrique Gomes, o Baby, presidente da Independente. “Tomamos a atitude mais sensata em voltar. Mas imagina se o pessoal desce do ônibus, vai pra cima da polícia... Ia ter bomba, bala de borracha, e o vândalos, os marginais, seriamos nós, né?”

A direção da organizada diz que fará uma representação junto ao Ministério Público de São Paulo, reclamando da ação e pedindo providências jurídicas contra a polícia.

Juristas falam em ilegalidade da polícia

Consultados pela reportagem, três juristas especialistas em direito constitucional também viram ilegalidade na ação da PM.

“A Constituição garante a liberdade de locomoção, manifestada a partir do direito de ir, vir, parar ou permanecer num determinado local que não pode ser cerceado ou impedido, a não ser naquelas previsões restritivas desse direito, como num condenação criminal transitada em julgado com pena de prisão”, disse a doutora em direito e professora constitucionalista Juliana Freitas, do Centro Universitário do Pará.

Ingressos SPFC - Divulgação - Divulgação
Torcida mostra ingressos para jogo contra Ponte
Imagem: Divulgação

“O fato dos torcedores não possuírem ingresso para terem acesso ao jogo jamais poderia ter sido fundamento para impedi-los de entrarem em Campinas. O ingresso lhes daria acesso ao estádio, e não à localidade de Campinas. A PM agiu de forma arbitrária, violando um direito fundamental e contrariando previsão expressa constitucional. Esse ato praticado pela PM é atentatório aos valores do nosso Estado Democrático de Direito, podendo, muito mais, ser caracterizado como uma postura ditatorial e abusiva.”

Roberto Dias, professor de direito constitucional da PUC-SP, mostrou posição semelhante. Para ele, “a polícia não poderia impedir a livre circulação de torcedores no território nacional, a não ser se houvesse alguma notificação oficial, ou em caso de crime ou flagrante de delito.” Na visão de Dias, a ação da polícia de Campinas foi uma “ilegalidade”.

“O policial não pode prever que a pessoa vai praticar um determinado ato de violência sem que uma autoridade judiciária, um juiz, tenha analisado essa questão”, disse o professor. “Não há como impedir alguém de transitar pelo território só por uma suspeita. Quem se sentir lesado pode procurar o Judiciário e exigir reparação tanto por dano moral quanto material.”

Para os juristas consultados, a questão de ter ou não ter ingresso é irrelevante, e aos torcedores deveria ter sido garantido o direito de locomoção “sem serem molestados.”

Torcedor SPFC - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

“A pessoa não pode ser molestada a não ser que tenha flagrante de delito”, disse o professor Vidal Serrano, também da PUC-SP. “A polícia tem o poder de revistar o ônibus e verificar se tem homem armado, rojão, objeto contundente, e poderia acompanhar a torcida em seu trajeto. Mas interromper a locomoção, isso não tem proteção constitucional.”

Polícia diz que agiu para prevenir tumulto

Procurado pela reportagem no domingo, o capitão Luis Satto, que comandou a operação do Batalhão de Operações Especiais de Campinas, justificou a decisão de barrar o comboio são-paulino como uma tentativa de prevenir possíveis tumultos nos arredores do estádio Moisés Lucarelli.

De acordo com ele, em uma reunião feita durante a semana com representantes da Ponte Preta, havia ficado acertado que as bilheterias para visitantes só venderiam ingressos até as 11h. O clube teria se responsabilizado em avisar os torcedores. Mas no site da Ponte, a informação publicada era a de que os ingressos seriam vendidos até 17h. Os torcedores do São Paulo também acreditavam nisso.

Satto afirmou que deu a opção aos são-paulinos que tinham ingresso de seguir viagem, mas eles decidiram não se separar dos demais. “Eles disseram: ‘Ou vai todo mundo ou não vai ninguém.’ Eu não posso ter mil pessoas rodando ali sem ingresso. Eles vão ficar fazendo o quê? Podem causar tumulto ali na frente”, disse o capitão.

O policial afirmou que tentou contato com as organizadas são-paulinas durante a semana. “Mas eles deliberadamente não nos avisaram sobre quantos ônibus viriam. Se soubéssemos, poderíamos organizar melhor a segurança de todos.”

Em nota, o comando da Polícia Militar na capital disse que o líder dos torcedores, ao ser informado do fechamento da bilheteria "decidiu, por livre e espontânea vontade, retornar (todos) à capital" .

Procurada, a Ponte Preta disse que acordou com a polícia em manter a bilheteria aberta até as 11h, mas descumpriu a determinação e só fechou as vendas às 14h, somente quando os policiais chegaram ao estádio e assim determinaram. O clube disse que teve bastante prejuízo com a proibição da chegada dos visitantes e que ainda havia pelo menos 2 mil ingressos disponíveis aos são-paulinos.

A Ponte disse já estar articulando uma forma de melhorar as vendas para os próximos jogos com rivais de São Paulo.