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Bastidores da volta de Raí ao SP para a final que acabou com o Corinthians

Raí, ex-jogador do São Paulo, acena para a torcida após homenagem antes de partida contra o Atlético-MG - Leandro Moraes/UOL - Leandro Moraes/UOL
Imagem: Leandro Moraes/UOL

Marcello De Vico e Vanderlei Lima

Do UOL, em Santos e São Paulo

07/06/2017 04h00

10 de maio de 1998. Morumbi lotado. Depois de uma derrota (por 2 a 1) na primeira final, o São Paulo precisava de uma vitória sobre o Corinthians no segundo jogo para ficar com o título do Campeonato Paulista, já que era dono da melhor campanha e jogava por dois empates. E ela veio (por 3 a 1), de uma maneira mais que especial. O motivo? A presença de Raí, ídolo que voltava ao clube depois de uma passagem de cinco anos pelo PSG. Para completar, o jogo marcava ainda a despedida de Denílson, já a caminho do Betis.

A escalação de Raí na segunda partida foi levada como segredo até o dia do jogo. A ideia era contar com o meia já na primeira partida da decisão, mas um atraso nos documentos impediu sua participação. Sendo assim, ficou para a segunda final a reestreia do já ídolo tricolor, bicampeão da Libertadores(92/93) e Mundial (92). E que reestreia: gol aos 30min do primeiro tempo, o primeiro da partida, e assistência para o segundo, marcado por França, no começo do segundo tempo. O mesmo França fecharia a conta em 3 a 1 já aos 37min do segundo tempo, após jogada espetacular de Denílson pela esquerda - Didi fez o único gol alvinegro.

O Raí foi, como se diz, a cereja do bolo. Ele realmente foi muito importante" Nelsinho Baptista

Raí comemora gol pelo São Paulo (Arquivo) - Arquivo Folhapress - Arquivo Folhapress
Imagem: Arquivo Folhapress
"O Raí chegou na semana que nós perdemos para o Corinthians, ele chegou a treinar. A gente falava com a imprensa que o Raí não tinha condições, nós conseguimos usar isso. Tentamos leva-lo para o primeiro jogo e no atraso de documentos não foi possível, mas para o segundo jogo a gente sabia que havia a possibilidade muito grande. A história que o Raí tinha com o São Paulo ajudou muito, sem dúvida, até com alguns jogadores do grupo. Ele era na época um atleta super respeitado, tinha um carisma muito grande e uma história dentro do São Paulo", conta o então técnico do São Paulo, Nelsinho Baptista, em entrevista ao UOL Esporte.

Nelsinho recorda como surgiu a notícia sobre a possibilidade de Raí ajudar o São Paulo na final do Paulistão e fala sobre a troca que precisou fazer para o segundo jogo: Dodô por Raí.

"Um dia o presidente, Fernando Casal de Rey, me chamou dizendo que havia uma possibilidade de o Raí jogar a final, e o que eu achava, e eu falei: 'Se há essa possibilidade, então vamos trabalhar em cima disso'. Aí o São Paulo trabalhou silenciosamente, foi uma estratégia do clube... Não divulgou nada do que estava fazendo e praticamente foi confirmada [a escalação de Raí] no domingo. Nós já tínhamos um lugar para ele no time, e uma coisa que me preocupou bastante era como que o grupo pensaria, o que o grupo pensaria, e eu fui conversando com alguns jogadores, perguntando, não diretamente, mas indiretamente: 'Pô, se o Raí tivesse condições de jogar', e todos falaram: 'Pô, nem fala isso, professor, se ele tivesse condições de jogar a gente já tinha ganhado esse título'. Então eu senti uma reciprocidade muito grande do grupo querendo que o Raí jogasse. A resposta do grupo foi muito positiva. O Raí entrou no lugar do Dodô, que entendeu normalmente", disse.

O Raí é um símbolo para o São Paulo, trouxe uma motivação a mais, uma confiança a mais, e foi o que aconteceu: foi um diferencial muito importante" Zé Carlos, lateral direito

Dodô apoia saída, mas lamenta atitude de Nelsinho

Quase dez anos depois, o próprio Dodô admite que ele mesmo deveria ser o escolhido para a entrada de Raí. Porém, lamenta o fato de não ter sido informado por Nelsinho Baptista.

"Eu era titular do time, mas no primeiro turno eu tive uma lesão no joelho, fiquei fora e voltei no segundo turno. Aí foram chegando as finais e, realmente, se fosse naquele momento, quem tinha que sair era eu porque o França estava muito bem, o Denílson muito bem e o Raí, chegando, tinha que jogar. Tecnicamente eu não estava no nível dos caras, porque eu estava voltando de contusão. Eu concordei muito com a entrada do Raí no meu lugar, apesar de eu ter sido artilheiro do Campeonato Paulista de 1997 com 19 gols e ter feito mais de 60 gols na temporada anterior [1997]. Com tudo isso, se tivesse que tirar alguém, seria eu mesmo", conta Dodô, para depois reprovar a atitude tomada pelo então técnico tricolor.

"Concordo com o Nelsinho. O que eu não concordo, e ele sabe agora, é porque ele não falou nada comigo, nunca falou. O meu comportamento foi exemplar mesmo. Eu não falei nada, esperei, mas eu penso que ele devia chegar pelo menos em mim e falar que iria me tirar. Ele chamou o grupo e falou que o Raí estava ali e que ia decidir o que ia fazer, mas não comentou nada: 'vai sair fulano e vai entrar ciclano'. É logico que eu respeitei. Hoje eu sou treinador e, no lugar dele, pela importância que eu tinha no São Paulo, chamaria e falaria: 'Dodô, você está saindo por isso'. E eu ia falar: 'Ah, está certo, o Raí chegou e tem que jogar'. Eu chamaria e falaria, e ele não fez", acrescentou o 'artilheiro dos gols bonitos', hoje técnico sem clube.

A gente já sabia que o Raí ia vir, mas a gente não sabia o momento que ele ia chegar. E o Raí, pô, ele é demais, um cara craque de bola. Ele tinha que jogar" Dodô

Festa planejada do Corinthians motivou São Paulo

Zé Carlos, lateral direito do São Paulo na época, relembra que uma cena vista pelo elenco tricolor motivou ainda mais o time para o segundo jogo: um prenúncio de festa corintiana.

"Um fator importante que muitos não sabem é que, quando chegamos ao Morumbi, o nosso ônibus encostou no do Corinthians e nós vimos no fundo um monte de batuque, tamborim, pandeiro, aquelas coisas todas... Os jogadores do Corinthians vieram batucando e, de repente, um dos nossos jogadores fala: 'corre aqui atrás', e falou: 'já planejaram a festa', e aquilo foi uma motivação a mais para nós naquele momento. Não sei se aquilo já era normal, eles irem para o estádio batucando, os instrumentos nos bancos do ônibus, mas aquilo foi um incentivo a mais para gente. E no vestiário nós comentamos isso: 'olha, eles já estão preparando a festa'.