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Ex-São Paulo, Xandão foi atacante, quis deixar futebol e briga na Justiça

Xandão pelo Anzhi, da Rússia - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

Marcello De Vico e Vanderlei Lima

Do UOL, em Santos e São Paulo

11/06/2017 04h00

Depois de um bom Campeonato Brasileiro pelo Grêmio Barueri, em 2009, ele chamou a atenção do São Paulo, clube o qual defendeu por dois anos. Deixou o Brasil há mais de cinco anos e, desde então, faz carreira na Europa – entre Portugal e Rússia. Com passaporte italiano nas mãos e agora livre para jogar como comunitário no continente, a ideia é permanecer por lá, mas o retorno ao Brasil não está descartado por Alexandre Luiz Reame, ou Xandão.

Hoje com 29 anos, Xandão conversou com o UOL Esporte direto de Údine, na Itália, onde resolvia os detalhes finais do passaporte italiano. Em conversa bastante descontraída, Xandão falou de tudo, especialmente do início da carreira, e recordou que a 'profissão futebol' poderia não estar em sua vida caso um técnico da base não tivesse mudado sua posição.

Ele ainda fala sobre a decepção que teve em uma peneira no São Paulo, o momento em que chegou a desistir do futebol, o que deu errado em sua passagem pelo Morumbi, os problemas que encarou em Portugal e na Rússia – rendendo até um impasse que está na Justiça até hoje – e a ‘sorte’ que Apodi teve ao trocar a Chapecoense pelo futebol europeu. Confira:

Zagueiro? Xandão queria é ser atacante...

Na minha infância e, até na adolescência, eu sempre fui atacante nas escolinhas em Araçatuba. Até os 13 anos de idade eu era centroavante e, inclusive, fazia muitos gols nos campeonatos. Modéstia à parte, eu era um artilheiro nato. A questão é que eu fui mudando de categoria e um dos treinadores na época, o professor Fernandinho - eu aos 13 anos - viu uma oportunidade devido ao meu porte físico, minha estatura e a escassez [de jogadores para a posição] para eu poder vingar como zagueiro.

Brasileiro Xandão comemora gol de calcanhar anotado no confronto contra o Manchester City, pela Liga Europa - AFP PHOTO/ PATRICIA DE MELO MOREIRA - AFP PHOTO/ PATRICIA DE MELO MOREIRA
Imagem: AFP PHOTO/ PATRICIA DE MELO MOREIRA
Ele via mais com bons olhos do que como atacante, e fez os testes nos treinos. Eu fiquei muito chateado porque é difícil mudar de posição tão radicalmente, de atacante que fazia gols para a defesa. Então, a primeira semana foi bem difícil para eu aceitar essa posição nova, mas o meu pai acabou me incentivando a botar fé no que o treinador estava falando e eu acabei, aos poucos, indo acostumando com a posição e me adaptando. E, aos poucos, fui aprendendo cada vez mais da posição e fiquei ali desde então. Mas, pelo fato de eu ter sido atacante dos sete aos 13 anos, me ajudou a ter muita noção, a saber mais ou menos o posicionamento dos atacantes, ajudou bastante a minha adaptação para a defesa. Eu tive que incrementar muitas coisas, claro, para poder jogar na defesa, mas o que eu tinha adquirido de experiência jogando na frente acabou me ajudando a ter mais facilidade na posição de zagueiro.

‘Pegadinha’ em avaliação no São Paulo

Era em Barueri, não era nem em Cotia ainda. Depois de um mês me chamaram... O Geraldo, diretor da base na época, me chamou para comunicar que eu tinha sido aprovado. Pô, foi uma alegria imensa, eu liguei chorando para o meu pai para dar a notícia, isso na parte da manhã. Na parte da tarde o Geraldo me chamou novamente na sala falando que houve um engano e, na verdade, eu tinha sido dispensado. Então imagina a situação que ficou, e a frustração. Na hora que eu disse sim para os meus pais foi um momento de alegria imensa para todos, todos choraram ao telefone, e na época não existia celular ainda, eu fui num orelhão da esquina para dar a notícia. Enfim, foi uma alegria tremenda, e lógico, depois que você já sabe de uma coisa e, de repente muda, a frustração vem, e não foi diferente pra eles [familiares]. Meu pai ficou bastante chateado, mas depois foi ele mesmo quem me deu bastante força para poder superar aquela frustração.

Xandão chegou a desistir do futebol. Mas...

Eu praticamente já tinha desistido de fazer teste no Guarani. Eu falei: ‘pai, eu quero parar um pouco’. Eu sempre tive vontade de ajudar os meus pais com as finanças, trabalhar e dar um retorno aos meus pais. E no futebol, naquela altura eu já estava com 17 anos e queria, de alguma forma, ajudar os meus pais. Eu tinha sido aprovado para fazer um curso de mecânico no Senai de Araçatuba e eu falei: ‘pai, eu vou fazer esse curso’, e o meu pai falou: ‘tudo bem, se é isso o que você quer...’, e eu comecei a fazer o curso para me formar como mecânico, eram dois anos de curso.

Xandão, zagueiro do Grêmio Barueri - Photocamera - Photocamera
Imagem: Photocamera
Só que depois de um mês e meio, dois meses, meu pai viu que eu não estava feliz, eu não estava conseguindo treinar, estava só estudando e fazendo o curso, então o meu pai falou: ‘filho, dá mais uma oportunidade, dá mais uma chance, vamos ver o que vai dar, volta a treinar porque logo logo vai surgir uma oportunidade para você fazer um novo teste’, e foi o que aconteceu. Eu larguei o curso, voltei a me preparar sem saber ainda se iria ou não surgir alguma oportunidade, e foi quando surgiu o Zecão. Ele estava de férias do Guarani, em Araçatuba, e foi assistir a um treino meu na escolinha. Eu nem o conhecia, e depois do treino ele veio conversar comigo e disse: ‘eu sou o preparador de goleiros do juvenil do Guarani, tenho muita amizade com o treinador, vi que você tem bastante qualidade e acho que você tem condições de ficar lá no Guarani, você não quer fazer um teste’? Eu falei: ‘pô, lógico que eu quero’. A gente agendou tudo, eu fiquei três semanas no Guarani para avaliação e acabei sendo aprovado na época pelo treinador Renato [Pé Murcho, ex-jogador do Guarani e São Paulo]. O meu pai, desde sempre, foi o meu maior incentivador no futebol. Desde os meus sete anos, quando eu falei, ‘pai, eu quero ser jogador de futebol’, eu já teria desistido no caminho se não fosse o meu pai.

A subida para o profissional até a chegada ao São Paulo

Eu fiz uma ótima Copa São Paulo de Juniores pelo Guarani em 2007, fui o capitão, e logo em seguida subi para o profissional. Foi aí que a Traffic, que na época tinha o clube Desportivo Brasil, acabou comprando os meus direitos junto ao Guarani.

Xandão, zagueiro do Grêmio Barueri - Flávio Costa/Divulgação/Grêmio Barueri - Flávio Costa/Divulgação/Grêmio Barueri
Imagem: Flávio Costa/Divulgação/Grêmio Barueri
Só que eu continuei no Guarani, fui emprestado para disputar a Série C do Brasileiro em 2008, e depois a Traffic me emprestou para o Fluminense, onde fiquei somente quatro meses para o Campeonato Carioca. Não tive a oportunidade de atuar, tive uma chance, e nessas condições não era interessante para a Traffic. Foi aí que eu tive a oportunidade de disputar pela primeira vez a Série A do Brasileiro, no Barueri, em 2009, e graças a Deus eu me destaquei. Joguei 30 jogos naquele ano, e por eu me destacar no Barueri, uma equipe sem muita expressão, despertei o interesse de o São Paulo de me pegar por empréstimo com opção de compra. O técnico era o Ricardo Gomes.

Por que não brilhou no São Paulo?

Xandão, jogador do São Paulo (01/06/2011) - Vipcomm - Vipcomm
Imagem: Vipcomm
Na época a pressão estava muito grande para os jogadores, para voltar a ganhar títulos, e eu também peguei uma safra de zagueiros que são ídolos do São Paulo: tinha o Miranda, o Alex Silva, então foi uma concorrência muito sadia, muito boa, e para mim foi um aprendizado muito grande, ter a oportunidade de jogar com esses grandes defensores. Não vou dizer que foi de tudo ruim, foi ótima a experiência que eu tive no São Paulo, mas é lógico que, por ser jovem, na época com 21 anos, eu entendo que é mais complicado para o treinador dar confiança para o jogador de defesa e sim mais para os ‘cobras criadas’, vamos dizer assim. E também por não ser um jogador do clube, ser um jogador emprestado, acho que isso aí também acabou influenciando um pouco na hora de decidir e colocar para jogar.

Problemas em Portugal e fim de vínculo com a Traffic

Depois do São Paulo a Traffic achou mais interessante me emprestar para o Sporting de Portugal, uma equipe conceituada na Europa, uma das melhores de Portugal. Enquanto eu fiquei vinculado à Traffic eu não tinha muito que fazer. A Traffic falava: ‘você vai para lá, você vai para cá’, e eu simplesmente acatava ou discordava, mas não tinha como eu tomar uma decisão, eu não tinha opção, então depois de dois anos de São Paulo surgiu a oportunidade de eu ir para o Sporting de Portugal. Para mim foi diferente, era um sonho que eu estava realizando de jogar na Europa e surgiu a oportunidade, e eu falei: ‘vamos embora’. Só que eu também cheguei no Sporting em um momento muito conturbado.

Zagueiro Xandão comemora seu gol pelo Sporting, de Portugal, contra o Manchester City - AFP PHOTO/ PATRICIA DE MELO MOREIRA - AFP PHOTO/ PATRICIA DE MELO MOREIRA
Imagem: AFP PHOTO/ PATRICIA DE MELO MOREIRA
Estava na época de eleições para mudar o presidente, que me contratou, e foi um momento conturbado politicamente e também dentro de campo: quando eu cheguei o Sporting não estava muito bem no Campeonato Português, mas em compensação, na Liga Europa, nós estávamos nas oitavas de final com possibilidades de avançar, e foi o que aconteceu. A gente chegou até as semifinais da Liga Europa e, logo nos primeiros seis meses, eu ganhei o meu espaço. Eu tive boas atuações, inclusive marcando um gol contra o Manchester City nas oitavas de finais [veja vídeo acima]. Foi algo que me deu bastante credibilidade lá no clube, só que essa parte política acabou atrapalhando a minha permanência. Estava acabando o meu contrato de empréstimo, o Sporting tinha a opção de compra de 3 milhões de euros, e acabaram não acionando a cláusula. Então surgiu a oportunidade de eu ir para uma equipe russa, o Kuban, que fez uma proposta oficial e me contratou em definitivo, e aí eu me desvinculei da Traffic.

Rússia: anjos da guarda e a sopa de beterraba

Neve passou a ser rotina na vida de Xandão - Divulgação/Arquivo Pessoal - Divulgação/Arquivo Pessoal
Imagem: Divulgação/Arquivo Pessoal
Tinham dois brasileiros na equipe e eles foram importantíssimos para mim, primordiais para a minha adaptação na Rússia. Nos primeiros seis meses, se eu não tivesse tido a ajuda deles, acho que eu teria desistido, voltado ao Brasil ou para a Europa ou outro lugar. O Pivelli é naturalizado armênio, era da seleção da Armênia, e o Leandro saiu cedo do Brasil, desde os 16, 17 anos, jogando principalmente no leste europeu. Já tinham cinco anos que ele jogava na Rússia, e ele me ajudou bastante principalmente porque conhecia o país e sabia a língua. Foi, vamos dizer assim, meu anjo da guarda que me ajudou em tudo para poder me adaptar o mais breve possível. Depois desses seis primeiros meses eles acabaram sendo negociados e eu fiquei um tempo sozinho, sem brasileiros. E eu cheguei na época do frio, foi um momento bem complicado. Depois chegou o verão e eu já consegui me adaptar mais. Na Rússia tem a culinária italiana, japonesa, tem comida de todo o lugar do mundo, igual ao Brasil. Eu optava por comer o que eu mais gostava: pasta [massa] ou carne. A comida típica deles é a sopa, por ser muito frio. Tem muitas opções de sopas. Eu aprendi a comer sopa lá, nunca gostei de sopa, minha mãe sabe bem disso. Eu pedia uma que a gente gosta muito, de beterraba com pedacinhos de carne, é muito boa, chama borsch.

Sonho virou pesadelo e impasse jurídico na Rússia

Acabou sendo um sonho que não passou de um sonho mesmo, porque prometeram muitas coisas... Na época eles até queriam me naturalizar russo para poder jogar a próxima Copa do Mundo, mas por sorte eu não tomei essa decisão. Ao meu ver, hoje seria uma decisão equivocada. Eu fui de férias para o Brasil em dezembro de 2016 e, quando retornei, acabou mudando tudo radicalmente: o dono do clube, que me contratou, acabou vendendo a equipe para um novo investidor, e quando eu retornei do Brasil para a pré-temporada, em janeiro de 2017, eu detectei que havia mudado tudo. Foram mandados embora roupeiros, funcionários, ou seja, não parecia a equipe de um mês atrás, e foi aí que eu chamei o tradutor para me ajudar a conversar com o novo dono, e foi aí que eu soube que os estrangeiros que estavam na equipe não faziam mais parte dos planos do novo investidor. Ele falou que não contava com nenhum estrangeiro e que tinha outros projetos para a equipe. Ele pediu para a gente procurar uma nova equipe, que o Anji iria liberar livremente, sem maiores problemas, só que nesse ‘livremente’ eles queriam somente pagar os dois meses de salários atrasados e deixar os dois anos que eu tinha de contrato para trás. Eu tinha as luvas e não recebi. Eu não concordei e falei: ‘não, dessa forma eu não aceito, eu estou disposto a fazer um acordo, caso a gente chegue a um acordo eu assino a rescisão sem problemas’.

Xandão em ação pelo Anzhi, da Rússia - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação
Porém eles ficaram irredutíveis em relação a isso, disseram que queriam pagar o que estava para trás, e os dois anos e meio para frente era para eu abrir mão. Eu não aceitei e foi aí que começou a pressão: eles me colocaram para treinar separado, com os juvenis. Eu estava irredutível na minha decisão, ficaria até o final desta temporada recebendo o meu salário normalmente, mas a questão é que eles não pagaram os dois meses de salários atrasados, deixaram acumular mais dois meses. Foi então que eu acionei o meu advogado no Brasil, ele começou a notificar o clube e, depois de um mês, meu advogado falou: ‘Xandão, você pode voltar para o Brasil agora, a briga é judicial, é na Fifa, e você não tem mais a obrigação de estar aí’. Enquanto eu fiquei lá eu cumpri tudo, treinei separado, fiz as minhas obrigações, tudo certinho, e agora a briga está na Justiça, e deve ser bem longa porque os russos não devem ser fáceis de negociar. Mas mesmo assim a Fifa me dá direito de eu encontrar um novo clube para poder atuar normalmente.

A ‘sorte’ de Apodi ao deixar a Chape e ir para a Rússia

O Apodi saiu da Chapecoense para ir para o Kuban. Eu convivi com ele lá e é até uma história engraçada: ele chegou no Kuban e não sabia de nada da situação que o clube estava passando naquele momento. Poxa, e eu jogando lá, ele poderia ter conseguido o meu telefone com alguém para poder entrar em contato comigo, porque com certeza eu não o recomendaria ir para lá naquela época. Ele ficou somente seis meses e depois a equipe caiu para a segunda divisão, os salários começaram a atrasar, enfim, foi uma passagem não muito boa para o Apodi. Ele acabou pedindo para ser emprestado para o Sport Recife depois desses primeiros seis meses, e é difícil para um  jogador que sempre jogou em equipes da primeira divisão do Brasil jogar a segunda divisão de um país que não é o dele, é muito complicado. E agora eu fico pensando: graças a Deus que o Apodi estava no Kuban, na Rússia, porque poderia ser que ele estivesse naquela tragédia com o avião da Chapecoense. Então é assim: nada é por acaso, de repente foi mal, uma decisão errada profissionalmente, porém para a vida dele foi a melhor decisão que ele tomou. Então Deus já tinha traçado esse caminho para ele.

Prioridade é seguir na Europa. Mas volta ao Brasil não está descartada

Agora que estou livre eu tenho bastante oportunidade, tempo para pensar no meu futuro. Surgiram realmente algumas propostas para eu retornar ao Brasil, mas no que estamos dando prioridade no momento? Primeiro era conseguir a cidadania italiana, que é algo que eu estou esperando há cinco anos, desde a época que eu jogava no São Paulo. Eu via com bons olhos ser comunitário, sendo cidadão europeu eu teria mais oportunidades de jogar em clubes da Europa, porém veio tarde, infelizmente, mas antes tarde que nunca. Agora que eu consegui esse passaporte eu vislumbro alguma oportunidade na Europa. Com o passaporte vai facilitar para eu dar sequência na minha carreira em algum clube aqui da Europa, e devido a isso eu optei por não abrir negociação com nenhum clube brasileiro. Se eu assino com algum clube do Brasil talvez eu não tivesse tempo para poder vir aqui na Itália e dar segmento no andamento no processo da cidadania. Porém, agora eu estou com o passaporte na mão e vamos aguardar a janela de transferência [abre em julho] na Europa para ver se terá algum clube na Europa. Caso não tenha uma proposta interessante, aí sim eu posso começar a abrir negociação para retornar para algum clube do Brasil. Mas a prioridade agora é escutar, ouvir as propostas na Europa... Com o passaporte eu creio que vai facilitar um pouco. E depois de um contrato de repente de dois, três anos, aí sim começar a pensar em regressar ao Brasil.

Voltar para a Rússia? Quem sabe...

Eu não diria sem chance. Eu tive quatro anos ali, uma experiência muito boa, porém também tive momentos ruins. Mas tudo é experiência, tudo é válido, tudo é lição, então eu não descartaria 100% o retorno para a Rússia. Apesar de tudo eu gostei muito do país depois que me adaptei, eu e minha esposa pegamos um carinho pelo país e gostamos bastante, então hoje, se chegar alguma proposta da Rússia, de um dos clubes grandes da Rússia, eu ainda tenho disponibilidade de jogar. Porém, não é a minha prioridade.