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Ligação de Ceni "contratou" Marcinho, que se inspira em irmão falecido

Marcinho tem um gol e duas assistências em oito jogos pelo São Paulo - Marcello Zambrana/AGIF
Marcinho tem um gol e duas assistências em oito jogos pelo São Paulo Imagem: Marcello Zambrana/AGIF

Bruno Grossi, Luis Augusto Simon e Pedro Lopes

Do UOL, em São Paulo (SP)

23/06/2017 04h00

"Alô, Marcinho? Rogério Ceni falando".

Foram necessários alguns segundos até que Marcinho entendesse o que estava acontecendo. Não bastava a conversa dentro de campo com Ceni e o auxiliar Pintado após ser rebaixado com o São Bernardo por derrota para o São Paulo no Campeonato Paulista. Não bastava o empresário dizer que estava tudo certo, que o Tricolor seria sua casa até dezembro deste ano.

"Meu coração acelerou, porque reconheci na hora, mas fiquei calado. Demorei para responder, mas consegui falar. Ele pediu que eu o ajudasse, que a responsabilidade seria grande, já que ele pediu minha contratação. Avisou que não poderia faltar vontade e dedicação. E eu tenho esse compromisso com ele", avisou o atacante de 22 anos recém-completados, ao UOL Esporte, no CT da Barra Funda.

Criado no Corinthians, calejado por passagens turbulentas por Remo e Ponte Preta e inspirado pela curta e exemplar vida do irmão Pedro, Marcinho tem conquistado a torcida do São Paulo. Se o clube patina na crise nos últimos anos, ele respira com entrega e eficiência. Joga como lateral, ala, ponta direita, ponta esquerda. Tem duas assistências e um gol em nove jogos. Tem prestígio com Rogério, que já pede que a diretoria compre seus direitos econômicos antes do empréstimo do São Bernardo vencer. 

Veja, abaixo, os principais trechos da entrevista com Marcinho:

Pratto bem servido

A gente conversa muito, eu e Pratto. Já até combinamos várias coisas para fazer durante o jogo. Se eu dou no segundo pau e ele vai no primeiro, na próxima já avisa que vai mudar. Ele faz o pivô tão bem que tocamos para ele sem olhar, porque sabe que vai prender a bola. É muito fácil jogar com ele, um cara tão inteligente. É impressionante o que ele sabe fazer. Contra o Vitória não deu para entender de onde tirou a bola no ângulo. Fico olhando tudo para aprender. Conversamos demais. Só que ele veio com uma dancinha estranha contra o Avaí, não sei de onde tirou, mas aí fiz com ele contra o Palmeiras.

Inquilino no CT

Tenho carro, mas na minha cidade, Inhumas, no interior de Goiás. Só que andar de carro em São Paulo não faz sentido. É do treino para casa, de casa para o treino. O valor era o mesmo morando longe ou aqui do lado do CT, onde posso ir treinar a pé. Ficaria mais barato e tranquilo, pelo menos por enquanto. De repente depois eu peço carona para dar a volta no quarteirão. Consigo chegar cedo sempre, sem atrasar. Sobra mais tempo para o videogame, dar uma volta no shopping... E venho para cá cedo para almoçar por preguiça de cozinhar e lavar louça. Comprei umas coisas outro dia e não usei nada. A comida é boa demais aqui. Almoço e janto, se deixar. Cozinho o básico, arroz, feijão e bife, uma batata frita. Um macarrão. Se sair disso, já não sei (risos).

Guilhotina e Motosserra

Tenho um amigo muito próximo e a gente gosta de compor umas músicas. Ele toca, está tentando entrar no mercado. A gente brinca que é a dupla Guilhotina e Moto-serra. Um cai matando e o outro desce a madeira. Eu sou o motosserra. Fizemos quatro músicas, mas tem mais que começamos e paramos, esquecemos. Às vezes vem coisa na cabeça e mando para ele, que desenrola tudo, põe no violão. Deixo para ele tocar, é inteligente para caramba. Ele cuida dessa carreira. Eu só engano cantando.

Grandes poderes, grandes responsabilidades

Tem quase seis anos morando longe da família. Minha mãe me liga todo dia. E se eu não ligo, fala que eu esqueci que tenho pai e mãe. Eles me ajudaram demais, meu pai deixava de trabalhar para me levar aos treinos. Agora tenho que dar o carinho a eles. Precisei virar homem desde cedo, aprender com responsabilidades e ter cabeça boa. Ficar sozinho é difícil. Então é preciso saber o que fazer nas horas de saudade. Sou muito grato a meus pais, a Deus e a meu irmão, que me olha lá de cima. Já pensei em trazê-los para perto, mas meu pai não gosta nem de Goiânia, imagina São Paulo. Eles chamam Márcio e Rosana. Tenho dois irmãos, Maiara e Lucas, e o Pedro, que faleceu.

A morte do irmão e a saudade 

Foi em novembro, há quatro anos, em 2013. Estava em casa em Goiás, voltei para São Paulo e fiquei sabendo que meu irmão, o Pedro, estava com muita dor na barriga. Foi em cinco médicos e todos falavam que era normal. Fui jogar o Brasileiro Sub-17 em Porto Alegre pelo Corinthians e ninguém mais me falou nada. Depois de um mês, uma amiga minha veio me desejar força e para meu irmão, falando sobre casos de leucemia, que eu podia ter esperanças... Não entendi nada. Mandei mensagem para minha mãe, pedi que contasse logo o que estava acontecendo e ela falou que tinham diagnosticado a leucemia no meu irmão.

Ficou internado em dezembro, joguei a Copa São Paulo no Flamengo de Guarulhos em 2014, estava de folga depois de ser eliminado e meu pai me ligou dizendo que ele estava chamando meu nome. Pedi para me liberarem, peguei um ônibus e fui. Cheguei no dia 18 de janeiro de manhã, no Hospital do Câncer de Goiânia. Fiquei o dia todo lá. Fui para Inhumas e, na madrugada do dia 19, minha mãe ligou para contar o que tinha acontecido. Meu pai se desesperou e o Roni foi buscar a gente em casa. Ele é um amigo para mim. É o momento mais difícil da minha vida e levo como motivação para o dia a dia.

As coisas que estão acontecendo são graças a Deus e dedico a meu irmão. Ele tinha oito anos. Já tinha operado uma abertura no coração logo que nasceu, depois teve hidrocefalia com quatro meses, tinha síndrome de down... Já tinham passado as piores coisas, ele estava bem e brincando e de repente aconteceu tudo. Aconteceu, é da vida. Ele me ensinou a não desistir. A luta dele foi muito pior do que qualquer uma das minhas, e ele era tão novo... Trago as coisas boas dele para mim, dou mais valor à vida. Tenho que aproveitar um dia após o outro, não sabemos até quando vamos viver.