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Com câncer incurável, ex-Vasco conta como derrota nas urnas o manteve vivo

Geovani brilhou com a camisa do Vasco e ganhou o apelido de Pequeno Príncipe - Arquivo pessoal
Geovani brilhou com a camisa do Vasco e ganhou o apelido de Pequeno Príncipe Imagem: Arquivo pessoal

Marcello De Vico e Vanderlei Lima

Do UOL, em Santos e São Paulo

02/07/2017 04h00

Cinco vezes campeão carioca, o ex-meia Geovani, 53 anos, passou 12 anos de sua vida defendendo as cores do Vasco. Este, infelizmente, é quase o mesmo tempo pelo qual vem lutando contra o Mieloma Múltiplo, um câncer incurável que atinge as células da medula óssea. O ex-jogador, que teve em campo as companhias de craques como Roberto Dinamite e Romário, descobriu a doença em 2006 e, desde então, faz de tudo para, ao menos, tentar regredi-la.

Geovane (dir.), ex-Vasco, ao lado de Romário em jogo beneficente - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Sávio, Romário e Geovani
Imagem: Arquivo pessoal
Na última semana, o UOL Esporte conversou por telefone com Geovani, que, apesar da doença, esbanjou bom humor e otimismo nas palavras. Em entrevista exclusiva, ele deu detalhes das dificuldades que enfrenta com o câncer e da motivação que encontra para seguir em frente, sem reclamar. “A gente fica um pouco triste, mas não tem que lamentar, não, tem gente bem pior e convive com isso. Eu não fico lamentando, não. De vez em quando dá uma tristeza, mas isso é passageiro. A tristeza vem, mas passa rápido”, diz o ex-jogador vascaíno.

Pai de três filhos e hoje residente de Vila Velha (ES), mais especificamente na Praia da Costa, Geovani sonha com o que pode parecer simples para quem consegue caminhar normalmente, mas para ele tornou-se um desafio. “Eu usei bengala no começo, mas hoje não é aconselhável ficar muito tempo em pé, a coluna começa a esquentar e eu tenho que sentar. Quem dera [andar] para pelo menos fazer uma caminhada na praia, uma corrida na praia... Já estaria satisfeito”, garante o jogador que encerrou a carreira no Vilavelhense-ES, em 2001.

Doença descoberta por conta de eleição?

Ex-deputado estadual no Espírito Santo, Geovani recorda que descobriu a doença graças a uma derrota nas urnas. Em 2006, ele tentou a reeleição, mas acabou perdendo por apenas seis votos. Com isso, finalmente foi checar o porquê de tanta fraqueza nas pernas.

“Foi em 2006, no meu penúltimo ano de mandato para reeleição, que eu comecei a ter problemas. Eu sentia muita fraqueza, estava perdendo massa muscular, perdendo tudo. Eu perdi a reeleição por seis votos, mas na verdade eu perdi a reeleição ganhando, porque se eu ganho a eleição eu não teria me preocupado com a saúde e até teria morrido, com certeza eu teria morrido. Foi neste período que eu perdi a eleição que eu fui ver o que tinha. Foi diagnosticado que eu tinha um problema muito sério na [vértebra] L3, na coluna, e depois, mais para frente, foi descoberto que era um câncer”, lembra o ex-meia.

Geovani, ex-jogador do Vasco, carrega a tocha olímpica das Olimpíadas de 2016, no Rio de Janeiro - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Geovani carrega tocha olímpica no Rio
Imagem: Arquivo pessoal
Hoje, Geovani não consegue correr e encontra dificuldades até para ficar de pé. Cada dia é uma luta, e a cada mês ele precisa tomar remédios para controlar a doença. “Eu não consigo correr, saltar, não tenho força nenhuma. Eu coloquei parafuso, pino, tirei a L3 total, tive que fazer quimioterapia, então há muito tempo eu estou em tratamento. Todo mês eu tenho que tomar um medicamento para os ossos. Não tem jeito, é para a vida toda. O câncer Mieloma Múltiplo não tem cura, mas tem controle, então tem que sempre estar controlando”, explica.

Revelado pela Desportiva-ES e com passagens pelo futebol italiano (Bologna), alemão (Karlsruher) e mexicano (Tigres), Geovani admite que conseguiu, ao longo da carreira, fazer o chamado ‘pé de meia’, o que o possibilita comprar tudo que é necessário para manter a sua doença controlada.

“Convivo com isso há 11 anos e o tratamento não é barato, mas não tem faltado nada. São injeções, alguns valores que o plano de saúde cobre, outros que não cobrem... Eu tomo remédio para o resto da vida, e é muito caro. No mínimo são quatro remédios, direto. O primeiro tratamento que eu estava fazendo, para pelo menos eu poder andar normal, na época era 1.100 reais cada uma. Hoje o custo dos remédios chega a 5 mil reais por mês”, afirma.

“Eu não tenho rendimento, mas não tenho o que reclamar, não. Eu não sou milionário, mas também Deus não deixa faltar nada. Eu moro num apartamento bom na praia, não tenho problema hoje. Uma boa ajuda financeira talvez não resolvesse o meu problema de saúde. O que eu queria era restaurar as coisas possíveis para eu fazer, coisas normais. O que eu tenho não tem cura, é tratamento para o resto da vida. Como a grama tem que ser cortada... Daqui a uns dias ela vai crescer, vai ter que cortar de novo, então o meu tratamento é uma grama que cresce e tem que cortar, esse é o meu tratamento hoje. Cresceu, cortou”, diz.

Mágoa com o Vasco, seu clube de coração

Com 12 anos de Vasco em suas três passagens pelo clube cruzmaltino (1983-1989, 1992-1993 e 1995-1996), Geovani não esconde a mágoa por ser ‘esquecido’ pela agremiação e admite a tristeza por ver outros atletas, com menos história no Vasco, sendo lembrados pelo clube.

Zico ao lado de Geovani, ex-Vasco - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Geovani ao lado de Zico
Imagem: Arquivo pessoal
“A gente fica se sentindo um inútil. Tem jogador que nunca jogou lá e às vezes chega e tem mais importância do que quem jogou. Mas eu não me preocupo com isso, não, eu vivo a minha vida. Mas isso deixa a gente triste, frustrado. Saber que você jogou 12 anos no clube... e será que eu não ajudei em nada? Além de eu ganhar título eu ainda levei dinheiro: eu fui vendido muito caro na época, tanto é que o Vasco comprou até o Bebeto com a metade do valor”, recorda Geovani, que nega ter recebido qualquer tipo de ajuda do Vasco desde que pendurou as chuteiras - ou de qualquer outro clube por qual passou na carreira.

“Não [ajuda], isso é em todos os clubes, não abrem as portas, não. Eu nunca tive ajuda para fazer alguma coisa no clube, nunca fui chamado para nada, para nada mesmo, e eu joguei lá 12 anos, né, nunca fui convidado”, acrescenta o ex-jogador que, apesar da mágoa com o clube, garante ainda ser um torcedor quase que fanático do time cruzmaltino.

“Joguei 12 anos lá, não tem como não ser [vascaíno], eu estou sempre acompanhando o Vasco eu estou sempre de radiozinho, quando eu estou na rua não dá para ver ao jogo eu ligo o radiozinho coloco no ouvido e fico escutando, torcedor mesmo”, disse.

A frustração da prata em Seul

Vice-campeão brasileiro pelo Vasco em 1984, Geovani aponta a medalha de prata nas Olimpíadas de Seul, na Coreia do Sul, em 1988, como uma das grandes frustrações da carreira. O ex-meio-campista jogou toda competição, mas acabou ficando fora da grande decisão.

Seleção brasileira nas Olimpíadas de Seul, em 1988 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Geovane (capitão) nas Olimpíadas de Seul
Imagem: Arquivo pessoal
“Eu acabei não jogando a final porque tomei o terceiro amarelo. Eu era o capitão do time, e foi uma frustração. Imagina... perdemos a final para a Rússia, fiquei no banco assistindo ao jogo. O nosso time estava muito certo, a chance de o nosso time ganhar era muito grande. Isso me deixou bem triste porque nós fizemos de tudo. Eram jogadores bons e tínhamos tudo para ganhar. O ataque campeão do mundo em 94 era da seleção olímpica: Bebeto e Romário; Jorginho na lateral esquerda improvisado, o Luis Carlos Winck na direita, o Taffarel era o goleiro... A maioria depois foi campeão do mundo”, recorda Geovani