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Do veto a Adriano à taça cobiçada: Tite mudou seu status na Libertadores-12

Tite na comemoração da Libertadores; título há 5 anos mudou percepção sobre o técnico - Yasuyoshi Chiba/AFP Photo
Tite na comemoração da Libertadores; título há 5 anos mudou percepção sobre o técnico Imagem: Yasuyoshi Chiba/AFP Photo

Dassler Marques e Diego Salgado

Do UOL, em São Paulo

04/07/2017 04h00

Esqueça o treinador reverenciado por corintianos e sensação nacional por levar o Brasil com antecedência à Copa do Mundo na Rússia. É a conquista da Copa Libertadores de 2012, sacramentada há exatos cinco anos, que marca a virada na carreira de Tite a partir do Parque São Jorge.

Nos meses anteriores à sonhada conquista no Corinthians, o treinador viveu momentos de grande contestação no clube, mas fortaleceu seu nome com decisões importantes, identificação com a torcida e, principalmente, o enorme respeito do grupo de atletas.

"Ele não era respeitado para a imprensa, mas dentro do grupo era. Sabíamos que era um treinador em quem confiávamos muito", relembra Leandro Castán, hoje na Roma e um dos titulares campeões do Brasileirão 2011 e da Libertadores 2012. "Devemos muito a ele. Mais do que ninguém, ele merecia o título. Tanto como pessoa quanto como profissional, dava apoio a todos nós", acrescenta o volante Ralf, uma figura emblemática da campanha. 

Tite, mesmo com a liderança do Brasileirão 2011 durante boa parte da competição, correu risco importante de ser demitido a 13 rodadas do fim, uma crise amenizada com a barração do zagueiro Chicão e um empate contra o São Paulo no Morumbi. As contestações voltaram na reta final e só foram abafadas com a conquista sobre o Palmeiras, mas voltaram, em 2012, com uma surpreendente eliminação contra a Ponte Preta no Paulistão.   

Tite - Ricardo Nogueira/Folhapress - Ricardo Nogueira/Folhapress
Tite levou o Corinthians ao título inédito e invicto da Libertadores
Imagem: Ricardo Nogueira/Folhapress

Não havia vaga cativa na equipe de Tite

"O cara não ficava chateado ou puto com ele se não estava jogando. Ficava puto consigo mesmo". 

A frase de Ralf em meio a um elenco com várias opções resume uma das premissas que fizeram Tite conquistar respeito interno. Nomes importantes em queda técnica ficaram pelo caminho no time titular, como Chicão no Brasileiro 2011, o goleiro Júlio César depois da queda para a Ponte Preta, e mesmo Liedson durante o mata-mata, por problemas físicos.  

"Ele sempre falava de ser justo, de ter coerência, então o Tite merecia muito. Ainda naquela época eu não sei se ele estava preparado como agora, mas já tinha passado por outros clubes na Libertadores e conseguiu unir nós todos. Já estive em outras ocasiões em que o Corinthians teve o elenco mais forte e não conseguiu chegar. Ele uniu técnica e desejo de vencer. Eu, Paulinho, Castán, Romarinho... Viemos de equipes menores", lembra ainda Ralf. 

O meia Alex, reforço mais caro daquele time, é definitivo sobre a participação do treinador dentro da conquista, em especial pela personalidade e gestão de grupo. O título da Libertadores viria sem Tite?

"Não. Não tem como precisar, mas o comando do Tite era uma coisa que casou tudo. A fome dele. Era tudo para ele estar ali. Sabia controlar egos, vaidades, vontades, desejos, individualidades. Tudo em conjunto com a comissão dele. A gente era muito bem comandado. O Tite era diferenciado", crava Alex. 

Até a estrela Adriano sentiu na pele

Adriano - Leandro Moraes - Leandro Moraes
Adriano ficou no clube por poucos meses
Imagem: Leandro Moraes

Jogador mais badalado do grupo, Adriano chegou em 2011 com a tentativa do Corinthians em encontrar uma estrela equivalente a Ronaldo. A passagem pelo clube teve um gol fundamental contra o Atlético-MG no título brasileiro, mas terminou marcada por problemas físicos, faltas a dezenas de sessões de fisioterapia e um corte da lista de inscritos da Libertadores. A decisão reforçou a ideia de comprometimento como bandeira e igualdade para todos. 

"Acho que estávamos em um jogo no México e o Tite comunicou para todo o grupo que o Adriano estava fora. Foi muita tristeza, mas entendíamos o que ele queria passar com aquilo. Lamento muito, porque com ele o título seria ainda mais bonito. O gol contra o Atlético me marcou muito porque comecei roubando aquela bola. Estar com ele me dava sorte. O Adriano merecia vestir aquela camisa", confessou Castán. 

Ralf se lembra do corte. "Ele teve a infelicidade da lesão, o problema de peso. O Corinthians todo tentou, da nutrição ao preparador, a parte física, todos tentaram ajudar da melhor forma possível. Somos prova disso. Ele seria importante para nós e a comissão tentou fazer com que ele crescesse. Deixaram o Adriano muitos dias na concentração, mas tem de vir do jogador, de entender que era em benefício próprio. Um cara do nome dele poderia ter ajudado mais", disse. 

Ele ainda se lembra de diálogos com Adriano na época. "A gente conversava muito. Eu era bem mais novo, mas conversávamos. Ele teve a infelicidade de perder o pai e depois mexeu com a cabeça dele. Só quem passa pela perda do ente querido sabe o que é, ele era muito apegado ao pai e os conselhos não iam trazer o pai de volta", reforçou Ralf. 

Lealdade era um lema importante

Leandro Castán, remanescente desde a eliminação para o Tolima na Libertadores 2011, se lembra de outro ponto importante. As razões para aquela queda eram muito claras para todos no Corinthians: o grupo estava envelhecido, simbolizado por Roberto Carlos, Ronaldo e outros medalhões e precisava de figuras novas. Mesmo escolhido como bode expiatório daquela eliminação, Tite suportou em silêncio e ganhou ainda mais respeito para ser campeão depois. 

Tite e Chicão - Fernando Donasci/UOL - Fernando Donasci/UOL
Tite orienta o zagueiro Chicão à beira do gramado da Vila Belmiro
Imagem: Fernando Donasci/UOL

"Ele chegou em um momento difícil. Depois da eliminação do Tolima, o Tite ficou do lado do grupo e não expôs ninguém. As coisas negativas de antes serviram para mostrar um cara leal. E isso, no futebol, é essencial. Sabíamos que estávamos todos com o mesmo objetivo", recordou o zagueiro canhoto.

"A gente falava que não entendia, que não sabia de onde saía tanto tesão", lembra Alex sobre o entusiasmo do técnico no trabalho diário. "Era impressionante como ele vivia aquilo. Todo mundo sabia o que representava uma Libertadores inédita para o Corinthians. A gente era muito o que o Tite nos passava. A comemoração dele era fantástica. Você via aquilo, ele correndo daquela maneira, pulando. Era uma festa", comentou. 

A conquista definitiva dos torcedores pode ser simbolizada pelo jogo com o Vasco, nas quartas de final. Tite foi expulso e acompanhou o jogo ao lado do gerente Edu Gaspar em meio aos corintianos no Pacaembu. O gesto lembrado até os dias de hoje, do treinador aos abraços com corintianos após Paulinho fazer o gol decisivo, está vivo na memória de todos os presentes.

A partir dali, Tite ganhou confiança e estabilidade para vencer o Mundial de Clubes e mudar definitivamente sua história como treinador e a própria história do Corinthians. Ele sairia ao fim de 2013, mas voltaria reverenciado para um 2015 marcante, com um título brasileiro e algo perto da unanimidade nacional para suceder Dunga na seleção brasileira. Sempre, de forma inegociável, com os conceitos que fizeram superar a crise Tolima, resistir a possíveis demissões e carimbar conquistas.