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Dono de padaria, Héverton diz que Lusa tem de parar de usá-lo como desculpa

Héverton, ex-Lusa, abriu uma padaria no bairro da Mooca - Luiza Oliveira/UOL
Héverton, ex-Lusa, abriu uma padaria no bairro da Mooca Imagem: Luiza Oliveira/UOL

Luiza Oliveira

Do UOL, em São Paulo

08/07/2017 04h00

Todos os dias, Heverton faz questão de conferir se o pão está quentinho e crocante. Sabe que o alimento é sagrado na mesa dos brasileiros e não à toa representa o Corpo de Cristo na Bíblia. No meio da tarde, ele sai correndo para comprar a farinha que acabou na cozinha. Simpático com os clientes, oferece a sopa quentinha que vai cair muito bem no inverno paulistano e já faz a propaganda: ‘vendemos tudo, até fralda’.

Essa é a nova rotina do ex-atacante da Portuguesa que há três meses se tornou dono da padaria Nova Veredas, na Mooca, região Leste de São Paulo. O novo desafio tem uma dupla missão: reerguer o estabelecimento que havia aberto falência e a própria trajetória profissional depois que o escândalo de 2013 com a Portuguesa prejudicou sua carreira.

“Eu gosto de padaria, amo padaria, vi uma situação para agregar e uma oportunidade de ganhar dinheiro. O pãozinho é sagrado, bíblico. Foco aqui tem que ser o pão, o melhor, é a nossa chama, nossa atenção. É bíblico, a gente trabalha com coisa sagrada, isso é inspirador. Aprendo muito até no simples fato de aprender como se faz um pão, a fazer uma pizza, coisa que eu não sabia”, disse, ao UOL Esporte.

Héverton começou a pensar na carreira de empresário quando estava parando de jogar bola no XV de Piracicaba e começou a fazer alguns cursos de administração e gestão de pessoas de olho em um negócio para investir. Viu uma boa oportunidade na padaria, que estava em situação difícil. Há cinco anos, o comércio estava nas mãos de pessoas que não eram do ramo e com histórico até de desentendimento entre os clientes.

“Quero resgatar, tirar da situação difícil, a padaria chegou a abrir falência. É difícil pegar um lugar que não esteja bem falado e reerguer. Vai ser uma vitória muito grande. O que mais inspira é que estou tentando resgatar e tenho visto o crescimento nesses meses. Estou vendo que há crescimento e potencial, o caminho está sendo feito, errando, mas está crescendo. Vejo potencial, é uma padaria muito tradicional na Mooca, é a quarta ou quinta maior de São Paulo”.

Ex-jogador Héverton virou dono de padaria no bairro da Mooca, em São Paulo - Luiza Oliveira/UOL - Luiza Oliveira/UOL
Imagem: Luiza Oliveira/UOL

A rotina tem sido muito mais dura do que nos tempos dos gramados. Héverton está aprendendo tudo e precisa se dedicar integralmente ao estabelecimento: não tem tempo para ler jornal, ver futebol e já planeja um fim de ano sem Natal e Ano Novo. Seu pouco tempo livre é dedicado à esposa e ao filho de quatro anos.

Do futebol, ficaram os amigos. Agora ele virou anfitrião e já recebeu atletas importantes como o atacante Gilberto, que está no São Paulo, o palmeirense Moisés, o lateral Guilherme Arana, do Corinthians, além de Fabrício, do Cruzeiro.

Héverton ainda tem um longo caminho a percorrer e ainda não se sente realizado nos negócios. Mas já tem o mais importante: uma vida feliz. Pode se orgulhar de ter conseguido um feito que a Portuguesa ainda está longe de atingir. Superar o episódio de 2013, em que foi apontado como o pivô do rebaixamento. Rótulo, aliás, que ele não gosta, mas já se acostumou a ouvir.

Hoje, o empresário olha para trás e analisa os fatos com uma tranquilidade de dar inveja e até se arrisca em dar conselhos preciosos à Portuguesa: que apenas pare de usá-lo como desculpa do seu fracasso e siga em frente. Em crise, a Lusa amarga rebaixamento atrás de rebaixamento há quatro anos e foi eliminada da Série D no início do mês.

“É triste. A gente pode cair, mas a gente tem que pensar em levantar sempre. Não pode se apegar a pequenas coisas. A Portuguesa não pode viver do que aconteceu em 2013, nós estamos em 2017, tem quatro anos. Enquanto viver do passado, não vai conseguir caminhar no presente. 'Ahh.. a Portuguesa vai cair por causa do que aconteceu com o Héverton em 2013'.. É só montar um time, monta um time e caminha. Isso para mim é desculpa. E  a vida não tem tempo para desculpa”.

Viveu ‘filme de terror’ com o rebaixamento

Quem conversa com Héverton hoje, nem imagina o inferno que ele viveu naquele período. Na última rodada do Brasileiro de 2013, ele foi escalado irregularmente por estar suspenso e a Portuguesa acabou perdendo os pontos do jogo. Foi o suficiente para a Lusa ser rebaixada. Dali começou uma investigação para encontrar os culpados e Héverton se viu no meio do furacão. Foi acusado de se vender e virou o vilão da história diante de torcida, imprensa e do grande público.

Hoje, ele relembra os meses que sucederam o episódio e as festas de fim de ano como um "filme de terror". Viu sua vida ser exposta e seu rosto ser estampado até no The New York Times. E foi interpelado por dezenas de repórteres: "e aí, você não ganhou nada?". Héverton ainda encarou o drama de ficar recluso em casa porque logo que o episódio explodiu passou a ser xingado nas ruas. Precisou procurar um psicólogo.

"Fiz um depoimento de uma hora na Polícia Federal filmado, pegaram meu telefone, conta bancária. Fiquei sem dinheiro, travou minha conta, Eu falava ‘não tenho dinheiro para pagar. Devo e não nego, pago e quanto puder’. Deixei de pagar muita coisa, escola,... Ia no shopping e gritavam: ‘safado’. Não tinha como, voltava para casa. Foram umas cinco vezes seguidas, não só com torcedores da Portuguesa, mas com um monte de cara que estava vendo a história por fora, que me conhecia momentaneamente e falava".

Amadorismo da diretoria

Héverton acredita que viveu uma grande injustiça e diz de forma enfática que é totalmente inocente no episódio. Também não acredita que houve má fé por parte da diretoria do clube. Primeiro, porque que não teria motivos para vender a vaga e segundo porque ele viu de perto a total desorganização do clube nos cinco anos que passou lá.

“Não posso colocar minha mão no fogo, mas acredito que não (não houve maldade). Porque na verdade eles estavam sendo amadores desde o início do campeonato, desde antes, fiquei cinco anos lá. Existia época que não tinha ônibus para ir para jogo. Eles esqueciam o ônibus: cadê o ônibus ? Chegava todo mundo e não tinha o ônibus. No avião: ‘Ah.. esqueci de colocar o nome do fulano. Então vai o outro no lugar do fulano’.  Você é convocado: 'Luiza, se apresenta às 18h. Ah, não é a Luiza não. Putz.. Luiza, volta para sua casa porque o Carlos que foi convocado'", relembra.

Mas ele ainda se chateia pela falta de respaldo da Portuguesa. A diretoria da época não deu sequer um telefonema para saber como ele estava; "Fiquei desguarnecido. Todo mundo quer ser pai do Neymar, mas mãe do orfão do orfanato ninguém quer... é mais fácil falar o nome da pessoa, ele se vendeu. Lógico que falaram que fui eu (o culpado). Tanto que eles sumiram, não apareceram. Nem um telefonema. 'E aí, tá tudo bem? Fica tranquilo, sabemos da sua índole, do seu caráter'. Fiquei cinco anos lá. Claro que me chateou. Fui jogado aos leões: se vira".

Drama na volta ao futebol

Depois da Lusa, Héverton foi para o Paysandu e teve sucesso no clube. Ainda assim, viu seu emocional ficar muito afetado. O atacante perdeu o foco em uma busca ingrata de tentar provar para pessoas quem ele era de verdade. Decidiu conversar com o então presidente Vandick Lima para pedir um tempo do futebol. Pouco depois, teve forças para dar a volta por cima. Viu a torcida se manifestar a seu favor com passeatas e até carretas para que ele não parasse e sentiu o carinho que tanto precisava. No Paysandu, atingiu o momento mais feliz da sua carreira com o acesso à Série B do Brasileiro e campanhas importantes na Copa Verde.

Mas ainda assim a trajetória no futebol nunca mais seria a mesma depois do 'caso Lusa'. Ele passou ainda por Brasília, Caxias e XV de Piracicaba antes de pendurar as chuteiras e, no meio deste processo, viu as portas serem fechadas em vários times que desconfiavam do seu caráter. “Prejudicou muito. Hoje em dia você contrata uma pessoa não só pelo futebol, é se ele é uma boa pessoa, se tem boa índole. As pessoas não têm tempo de ficar perguntando para a outra. Perguntam para duas pessoas. Se duas pessoas falarem mal de você, já é problema. Alguns clubes falavam comigo pelo telefone. 'Até queria você, mas vai ficar muito foco na nossa equipe'. Ou 'tem moleque muito novo que não vai conseguir segurar'. Outro: 'pô.. mas não sei você está bem psicologicamente'. Muita desconfiança", disse.

Hoje, quatro anos depois do episódio, Héverton sente que superou de verdade todos os problemas e ainda aprendeu uma lição importante. Aceitou que o mundo não é justo e parou de se preocupar com o que os outros pensam. O que importa é dormir tranquilo no travesseiro, viver ao lado da família e dos amigos e se dedicar à nova profissão com o mesmo amor que levou para os gramados.