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Santa diz que "foi pego para Cristo" em punição por atrasos: "E os outros?"

Presidente do Santa, Alírio Moraes conversa com funcionários sobre atraso salarial - Divulgação/Santa Cruz
Presidente do Santa, Alírio Moraes conversa com funcionários sobre atraso salarial Imagem: Divulgação/Santa Cruz

Roberto Oliveira

Colaboração para o UOL, em Recife

08/07/2017 04h00

No mês passado, o Santa Cruz foi punido com perda de três pontos no Brasileirão-2016 e multa de R$ 30 mil em decisão inédita do STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva), que condenou o clube por descumprimento do fair play trabalhista. Em entrevista exclusiva ao UOL Esporte, o presidente do clube, Alírio Moraes, questionou a decisão da corte por uma suposta diferença de tratamento recebida pelo clube coral e outros rivais.

"A gente atrasou de fato três meses de salário no ano passado. Em primeira instância, o STJD nos deu ganho de causa, mas na segunda instância houve uma decisão que questionamos muito. Eles não enfrentaram os argumentos jurídicos que nós juntamos. Mostramos nossa incapacidade total de pagar o salário daqueles meses porque estava tudo bloqueado. Como vou pagar se a receita que entrou estava presa na própria Justiça?", indagou o presidente do Santa, advogado de formação.

A "incapacidade total" a que se refere o dirigente diz respeito à série de bloqueios judiciais que têm dificultado o cumprimento das obrigações financeiras do clube, como os gastos com folha de pagamento dos jogadores e demais funcionários. Dificuldade que se arrasta também ao longo de 2017.

De acordo com Alírio, o departamento jurídico do clube apresentou ao STJD vasta documentação que comprova tanto o pagamento mensal dos passivos fiscais e trabalhistas como o bloqueio de receitas nas contas do clube, que impediram o pagamento dos salários. "Nada disso foi considerado", contesta. "Questionamos a decisão, que não acompanhou o tratamento que se dá a outros clubes."

A reportagem falou também sobre o julgamento com o diretor jurídico do Santa, Eduardo Lopes, que participou pessoalmente da defesa do clube no STJD. Ele destrinchou o que enxerga como incongruências na condenação e afirmou que o clube coral "foi pego para Cristo".

"O tribunal pegou o Santa para Cristo. Foi pego para dar exemplo, mas que exemplo que eles não estão aplicando nos outros? Até Cristo quando morreu tinha mais dois ao lado, então vai ser só o Santa? Era só o Santa Cruz que estava [com salário] atrasado? O clube não pode ser a palmatória do mundo", reclamou.

O diretor jurídico afirmou que o STJD não respondeu o argumento do clube, que saiu vitorioso em primeira instância, de que o processo havia perdido o objeto - termo jurídico que se usa, grosso modo, para dizer que uma decisão não atingirá sua finalidade.

"Houve perda de objeto. Para que dar caminhamento a um processo que já nasceu morto? Independentemente do resultado, não trazia consequência nenhuma, porque a perda dos três pontos no caso do clube não mudaria absolutamente nada, porque o Santa não perderia posição e muito menos mexeria com a classificação do torneio, ninguém ia ser beneficiado ou prejudicado. Estender o processo para no final não ter efeito prático quer dizer que ele perdeu o objeto. Com esse argumento, a 5ª comissão na primeira instância deu razão ao clube, mas após o recurso da procuradoria os auditores no pleno entenderam o contrário", contou Lopes.

Ele questionou também a multa de R$ 100 mil, posteriormente reduzida para R$ 30 mil, que segundo ele não está prevista no regulamento de competições da CBF nem foi pedida na denúncia apresentada pela Procuradoria do STJD.

"Nenhum magistrado pode deferir aquilo que não foi pedido. A análise de qualquer processo tem de ser baseada naquilo que foi pedido. Do contrário, é o que se chama de decisão 'extrapetita', que é deferir o que sequer foi pedido. O artigo que fala da perda de ponto não trata de multa. Se não existe no regulamento, se não existe na denúncia, como condena em R$ 100 mil, que é o teto? E eles nem consideraram os atenuantes, os bloqueios provados nos autos, que o clube procurou os atletas para acordos extrajudiciais, o que demonstra boa-fé. Até para crime de morte há pena atenuada. Mostramos que pagamos, que houve os bloqueios, que o atraso não foi propositado nem por relapso, e simplesmente deram a pena máxima", argumentou o diretor jurídico do Santa.

"[Essa condenação] Traz prejuízo ao clube, não só financeiro, mas de imagem. Tem um monte de clube que não tem processo nem multa. A lei é para todo mundo, ou pega todo mundo ou não pega ninguém."

"O que é solução se torna um problema"

O Santa Cruz vem diminuindo sua dívida total - que no ano passado caiu para R$ 57 milhões, segundo publicou Mauro Cezar Pereira em seu blog na ESPN, baseado em dados do Itaú BBA. Mas os passivos fiscais e trabalhistas ainda formam o principal entrave à saúde financeira do tricolor do Arruda. O presidente, no entanto, alega que o clube vem pagando "religiosamente" o Profut (Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro).

"A gente partiria de R$ 45 a 50 milhões de passivo fiscal, que ficou reduzido a R$ 30 mi. Esse valor está parcelado e sendo pago religiosamente. Então a dívida fiscal eu diria que está bem gerenciada. A principal questão hoje é o passivo trabalhista, que pode chegar até R$ 60, 70 milhões, e que gera esse bloqueio de receitas nas contas do clube", conta Alírio.

"Esses bloqueios do passado tiram a capacidade de investimento, de pagamento do mês dos custos do clube. Já tenho pouca receita, se vou pagar o passado eu atraso o presente, se pago o presente não consigo quitar o passado, então esse é o grande problema da receita", completa.

O presidente do Santa afirmou que o Profut foi um marco importante para o cumprimento da responsabilidade fiscal, da governança financeira e controle das contas dos clubes brasileiros, contribuindo para maior transparência na administração do futebol nacional. Mas ele também vê deformidades na lei.

"Nessa nossa República, muitas vezes as leis são casuísticas. Como é que você cria uma legislação em 2015 que obriga a apresentação de uma certidão negativa do passado todo resolvido, a partir de uma legislação que surgiu após a dívida? Então os efeitos da lei estão retroagindo. Se fosse a partir da data, os débitos estariam pagos, mas traz de outras gestões, como pode resolver da noite para o dia?. Aí o fair play financeiro, que é uma solução, se torna um problema ", opinou Moraes. 

O presidente coral diz que cerca de 70% dos clubes brasileiros não têm condições de arcar com as dívidas acumuladas quando casadas com os compromissos atuais, embora apenas o Santa tenha sido denunciado e condenado por atrasado salarial - grave realidade do futebol brasileiro.

R$ 6 milhões para jogar a Série B

Alírio Moraes criticou também, por fim, o atual modelo de distribuição das cotas de TV do futebol brasileiro. Para ele, o formato de hoje apenas aumenta o abismo financeiro entre os clubes.

"Há uma discriminação absurda nas cotas. É inacreditável que o clube como o Santa Cruz tenha R$ 6 milhões pra receber na Série B. Quando abate, ficam R$ 3 milhões no ano. Como posso investir no estádio, pagar folha salarial, comissão técnica, jogadores, funcionários, quitar as dívidas do passado... Como posso fazer um planejamento financeiro eficiente?", indaga o presidente do Santa, cuja receita mensal gira em torno de R$ 1 milhão, mas com despesas em torno de R$ 1,5 mi.