Topo

Neymar pai: de atacante de times pequenos a agente superpoderoso em 20 anos

Neymar pai defendeu times como o Operário de Várzea Grande e o União Mogi - Arte/UOL
Neymar pai defendeu times como o Operário de Várzea Grande e o União Mogi Imagem: Arte/UOL

Bruno Freitas

Do UOL, em São Paulo

10/08/2017 04h00

A negociação que fez de Neymar o jogador mais caro da história do futebol teve na mesa um personagem de trajetória bastante improvável. Mais do que pai do novo astro do PSG, Neymar da Silva Santos se tornou nos últimos tempos um agente de elite no mercado europeu, dialogando de igual para igual com clubes poderosos e outros empresários influentes. Uma realidade contrastante com a do atacante que há 20 anos ganhava a vida em divisões menores do Brasil.

Em julho deste ano Neymar pai teve aprovado pela CBF o registro como intermediário, nome que a Fifa agora confere a pessoas que podem participar de transações. Assim, oficialmente, o brasileiro pode trabalhar como agente de jogadores – além do filho seu leque de clientes ainda é pequeno. Mas o homem que hoje senta na mesa com "peixões" do futebol precisava encarar alguns dos piores gramados do país há duas décadas para sustentar a família.

1997 – Quieto, foi esquecido na estrada antes de decisão

Certo dia, o presidente do Operário do Mato Grosso foi ao interior do Paraná para observar jogadores que pudessem reforçar o seu time no Estadual. O dirigente Maninho de Barros então se encantou por um atacante paulista de nome Neymar e tentou recrutá-lo ali mesmo, ao fim da partida amistosa. O atleta disse que precisava resolver assuntos familiares em Santos, mas se comprometeu a retomar a conversa por telefone. Semanas depois, se apresentava ao time da cidade de Várzea Grande.

Neymar pai com os filhos Neymar Jr. e Rafaela, na década de 90 - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Neymar pai chegou com a missão de ajudar o Operário na reta final do Campeonato Mato-Grossense e logo impressionou. "Era lento, mas bom com as duas pernas. Não era tão veloz, mas muito habilidoso. Era craque mesmo", recorda o ex-presidente do time.

Introvertido, o pai da futura estrela do PSG às vezes não era notado no convívio social com os outros jogadores. Numa dessas ocasiões, quando o time viajava para uma partida decisiva em Cáceres, acabou sendo deixado para trás após uma parada para lanche em um posto de gasolina.

"Ele era muito quieto, não saia, mas bom demais. Muito humilde", contou Maninho de Barros. "O massagista notou a ausência do Neymar uns 20 quilômetros para frente na estrada, aí o ônibus teve que voltar para pegar ele. Valeu a pena, porque o Neymar marcou um gol decisivo naquele jogo. Aí eu disse para o nosso técnico na época: 'Falei para você que a gente tinha que buscar ele'", relatou.

Depois de ajudar o Operário a conquistar o título mato-grossense na final diante do União Rondonópolis, com boa participação individual, Neymar pai decidiu se aposentar como jogador profissional, aos 32 anos.

1989 – Empresários de Mogi se uniram para segurar Neymar

Atuando como meia-atacante, pelo lado direito do campo, Neymar pai defendeu o União Mogi entre 1989 e 1996. Com o time da região metropolitana de São Paulo, jogou a terceira divisão estadual. Em sua primeira temporada no time, o camisa 7 conseguiu se destacar individualmente, apesar da campanha discreta da equipe.

Neymar pai com o filho na época em que defendia o União Mogi (SP) - Reprodução - Reprodução
Neymar pai com o filho (à esquerda) na época em que defendia o União Mogi
Imagem: Reprodução

Após o campeonato de estreia, Neymar lidou com o assédio do Rio Branco, time de Americana. Mas a negociação acabou não acontecendo porque cerca de dez empresários de Mogi das Cruzes conseguiram juntar dinheiro para bancar a permanência do meia-atacante.

"Queriam levar ele, mas os empresários da cidade ajudaram que ele permanecesse. Na época era um jogador importante para o time, foi muitos anos titular", contou Delmiro Goveia, dirigente que foi presidente do União Mogi em três oportunidades.

1992 – Grave acidente de carro comprometeu a carreira

A carreira de Neymar pai como jogador de futebol provavelmente seria mais destacada caso não fosse uma adversidade inesperada. Em 1992, o então jogador do União Mogi sofreu um grave acidente de carro, quando levava a família para visitar parentes em Santos. Neymar Jr. tinha apenas quatro meses de vida nesta época e estava no veículo – na colisão o bebê parou embaixo de uma das poltronas da frente e teve apenas um corte pequeno na testa.

Neymar com a família na infância - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Já Neymar pai, por sua vez, precisou passar por um longo tratamento após uma luxação na bacia. Por isso, ficou sem jogar futebol profissionalmente por quase um ano.

Mesmo com a carreira esportiva comprometida, o pai do craque da seleção brasileira conseguiu deixar sua marca em quem conviveu com ele. É o caso do ex-jogador Gil Paulista, seu antigo companheiro de ataque no União Mogi. 

"Aprendi muito com o Neymar em questão de comportamento profissional. Ele era uns cinco ou seis anos mais velho do que eu. Era um baita profissional. A gente dividia o mesmo quarto na concentração. Me ajudou muito no meu crescimento como jogador", comentou Gil, que hoje trabalha como técnico na Ucrânia.

"Me ensinou a orar dentro de campo, a falar com Deus. Era muito religioso", acrescentou o antigo companheiro de time.

Fez amigo de time pagar arranhão em Monza vermelho 1986

Um dos episódios que Gil Paulista conta com nostalgia aconteceu nestes anos de Mogi das Cruzes. Certa vez, o atacante pediu o carro de Neymar emprestado para pagar contas em um banco no centro da cidade. Mas o empréstimo acabou saindo caro, pois o veículo retornou ao dono levemente danificado. 

Gil Paulista jogou com o pai de Neymar no União Mogi, durante a década de 90 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Gil Paulista jogou com o pai de Neymar no União Mogi, durante a década de 90
Imagem: Arquivo pessoal

"Bati um Monza 1986 vermelho que ele tinha me emprestado para ir no banco. Ele me fez pagar", recorda o amigo.

Anos mais tarde, numa passagem por Santos, Gil Paulista foi recebido cordialmente pelo ex-colega de time e ganhou uma camisa do filho dele. Os amigos se falam até hoje através do celular. "Brinco com ele. Às vezes mando uma mensagem e ele me responde um mês depois. Mas a vida dele mudou muito, normal", afirmou.

Depois que se aposentou como jogador, Neymar pai chegou a trabalhar numa empresa de ônibus, como mecânico. A família morou por algum tempo num cômodo na casa de um parente na Baixada Santista. No entanto, logo na pré-adolescência, Neymar Junior começou a progredir com sucesso nas categorias de base do Santos.

"Lapidando" o filho entre o Santos e o Real Madrid

A amigos como Gil Paulista, Neymar dizia ter um “diamante” em casa, em referência ao filho ainda bem pequeno. Logo o menino da família Silva Santos começava a cumprir os planos do pai, ao dar seus primeiros dribles no futsal da Baixada Santista. Com 11 anos, já subira um degrau importante: estava nas categorias de base do Santos.

Neymar pai sempre acompanhou os passos do filho de perto. Mesmo na época como funcionário da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), fazia questão de estar presente em partidas e, de vez em quando, interpelava algum crítico do pequeno craque nas arquibancadas.

Ficha de inscrição de Neymar na Espanha, com o Real Madrid, em 2006 - Reprodução/As - Reprodução/As
Ficha de Neymar no Real Madrid
Imagem: Reprodução/As

Mas o "pulo do gato" na carreira do aspirante a jogador aconteceu em 2005, quando o menino tinha apenas 13 anos. Já ligado ao empresário Wagner Ribeiro, Neymar foi levado para um período de testes no Real Madrid – o agente celebrava bom trânsito no clube em razão da negociação de Robinho. O então adolescente permaneceu 19 dias na Espanha, tirou fotos com os ídolos da época e marcou 27 gols em partidas de avaliação. Mas, mesmo impressionando os anfitriões, preferiu voltar ao Brasil a mudar de país tão cedo.

Na volta de Neymar, através do então presidente Marcelo Teixeira, o Santos acabou oferecendo ao garoto um contrato digno de um profissional. A partir deste momento o torcedor santista já estava atento, à espera de "um novo raio" na Vila Belmiro. O atacante da base viraria uma personalidade antes mesmo de chegar ao time de cima. 

Tempos depois, em 2010, após conquistar a Copa do Brasil e o Paulista pelo Santos, o atacante ganhou a primeira boa revisão contratual, motivada por um assédio milionário do Chelsea. Desde então Neymar pai passou a sentar na mesa com a direção e ganhar desenvoltura como um negociador. Já nesta renovação tirou do clube alguns benefícios pessoais, como passagens de primeira classe, hospedagem em hotel de luxo e aluguel de carros de ponta a cada vez que o filho fosse defender a seleção brasileira fora do país [segundo relatos do ex-presidente do Santos, Luis Alvaro de Oliveira Ribeiro, em sua biografia, lançada em 2016]. 

Transição para trabalhar como agente

A NN Consultoria foi criada pelos pais de Neymar em 2011 para gerenciar a carreira da então jovem estrela do Santos. Mas aos poucos a empresa ampliou seu leque de atuação e conseguiu outros clientes, como o campeão olímpico do salto com vara Thiago Braz e o jovem atacante santista Arthur Gomes.

Lucas Lima com Neymar pai, assinando contrato de gerenciamento de carreira - Divulgação - Divulgação
Lucas Lima com Neymar da Silva Santos
Imagem: Divulgação

Desde o ano passado, a empresa também passou a cuidar dos interesses do meia Lucas Lima, ainda ligado aos empresários Edson Khodor e Wagner Ribeiro. Nas últimas semanas, com uma proposta de renovação de contrato com o Santos em mesa, Neymar pai tem se pronunciado sobre o tema, inclusive negando publicamente um acerto do jogador com o Barcelona.

No entanto, o grande "case" de Neymar da Silva Santos como agente segue sendo o filho. O ex-jogador do União Mogi esteve na linha de frente da operação que levou o craque do Barcelona ao PSG, como um interlocutor frequente do magnata Nasser Ghanim Al-Khelaifi, proprietário do clube francês.