Por que o Palmeiras não saiu da fila em 86? Mirandinha conta detalhes
O ano de 1986 ficou marcado na história do Palmeiras por um de seus grandes vexames. Depois de eliminar o Corinthians nas semifinais, o clube alviverde entrou na decisão com amplo favoritismo sobre a modesta Inter de Limeira, que havia levado a melhor sobre o Santos na outra semi.
Depois de um empate sem gols no jogo de ida, o time interior aproveitou uma falha histórica do lateral Denys e, com uma vitória por 2 a 1 em pleno Morumbi, levantou a taça do Campeonato Paulista. Mais de 30 anos depois, Mirandinha, atacante ‘fominha’ que chegou à seleção brasileira e defendia o Palmeiras, hoje dá a sua versão para o vexame e aponta o técnico José Luiz Carbone como um dos grandes responsáveis pela derrota.
Em entrevista exclusiva ao UOL Esporte, Mirandinha, primeiro brasileiro a jogar na Inglaterra (defendeu o Newcastle, em 1987), conta detalhes do fatídico dia 3 de setembro de 1986, data em que o Morumbi recebeu quase 80 mil pessoas. Reserva no primeiro jogo da decisão, o atacante – que havia marcado dois gols na vitória por 3 a 0 sobre o Corinthians na segunda semi – reclama por não ser aproveitado como titular em todos os jogos da reta final do Estadual e revela um racha no elenco, com dois grupos: ele de um lado e Jorginho (Putinatti) do outro.

“No segundo jogo contra o Corinthians aconteceu a mesma coisa: ele me deixou no banco, e o time precisava ganhar o jogo, tinha perdido de 1 a 0 para o Corinthians... E aí o Carbone me colocou na metade do segundo tempo, eu fiz o gol aos 47 minutos, fiz o segundo gol aos 5 minutos da prorrogação e, no primeiro jogo da final contra a Inter de Limeira, eu estava no banco de reservas de novo, sendo o artilheiro do time com os dois gols marcados contra o Corinthians... Eu cheguei a 18 gols e mesmo assim fiquei na reserva, então a perda do título foi provocada por essa situação”, acrescenta, para depois falar sobre o racha no elenco alviverde.

De acordo com Mirandinha, o técnico Carbone ainda errou em outra questão: tática. “A estratégia que o Palmeiras usou foi errada. No primeiro jogo da final ele começou com o Edmar, empatamos 0 a 0, e no segundo jogo ele fez a grande besteira da vida dele para acomodar toda essa situação: colocou eu, Jorginho, Edmar e o Éder Aleixo; perdemos muito com isso no meio-campo e sobrecarregou a defesa. Foi onde nós perdemos o Campeonato Paulista de 86. A Inter de Limeira ganhou o jogo no meio e nós ficamos atacando com um time só de atacantes, praticamente sem ninguém ter características defensivas”, completou.
Virou ‘fominha’ após conselho de Vavá
Ao longo da carreira, Mirandinha muitas vezes foi visto por torcedores e até mesmo pelos companheiros como um jogador ‘fominha’. O ex-atacante prefere não usar esse termo, mas admite que em muitas ocasiões preferia a jogada individual do que servir um companheiro. E explica não só o motivo como também de onde (ou por quem) foi convencido disso.

Mirandinha conta ainda que um ex-craque do futebol inglês chegou a elogiá-lo justamente por esta característica em especial: “Um dia eu ouvi de um monstro sagrado do futebol mundial, o George Best, numa matéria dele na Inglaterra, e estava assim: que eu era um jogador que sempre recebia a bola livre e que eu tinha muito poder de definição, coisa individual, então isso, para mim, soou como uma coisa positiva porque, às vezes, as pessoas falavam que eu era fominha, que eu era egoísta, essas coisas todas, mas não é que eu fosse egoísta ou fominha, é que eu acreditava que eu podia fazer o gol da linha de fundo”, acrescenta.
Chegou à seleção, que já tinha craques como Romário
As boas atuações pelo Palmeiras renderam a Mirandinha uma convocação para a seleção brasileira, em 1987, para uma excursão pela Europa - Carlos Alberto Silva era o técnico. Uma contusão, porém, fez a participação do ex-atacante - que iniciou como titular - acabar mais cedo.

Primeiro jogador brasileiro a atuar na Inglaterra
Pouco depois de marcar gol pela seleção brasileira na excursão pela Europa (veja vídeo no topo), Mirandinha deixou o Palmeiras para acertar com o Newcastle e assim se tornou o primeiro jogador brasileiro a atuar em um time da Inglaterra.
“Já tinha uma aproximação do Newcastle através do Humberto Silva, que foi a pessoa que me levou para a Inglaterra. Ele era um garoto estudante de universidade que estava fazendo intercâmbio na Inglaterra e muito meu amigo, o pai dele palmeirense roxo, conselheiro e tudo, e aí eles pegaram o meu material e começaram a enviar daqui pra lá, e a pessoa que morava com ele na casa na Inglaterra tinha acesso ao empresário do Nigel Mansell [ex-piloto de Fórmula 1], e esse empresário tinha acesso ao Malcolm Macdonald, que foi um grande atacante na história do Newcastle... E o Malcolm foi me colocando dentro do Newcastle e, quando eu fui para a excursão à Europa em 87 com a seleção brasileira, eu não apenas fiz o gol contra a Inglaterra como também fui escolhido melhor em campo. Depois, contra a Escócia, eu não fiz gol, mas novamente fui escolhido melhor em campo, então com certeza isso contribuiu para a minha ida para o Newcastle. Eu fui vendido pelo Palmeiras por 950 mil dólares na época”, conta Mirandinha, que hoje se diz torcedor alviverde: “sou um palmeirense, com certeza”.
O ‘grande erro’ na carreira: voltar da Inglaterra
A passagem de Mirandinha pela Inglaterra, porém, não durou muito. O ex-atacante preferiu permanecer no Brasil após um empréstimo para o Palmeiras e, até hoje, classifica esta decisão como o ‘grande erro’ em sua carreira.

“Tudo pronto para eu voltar, passagem na mão, casa para eu voltar com a família, e eu acabei dizendo não ao Newcastle para ficar no Palmeiras. Eu aprendi a gostar muito do Palmeiras e, além disso, tinha uma pessoa que era um pai para mim dentro do Palmeiras, que era o Gilberto Fagundes, era conselheiro. Ele me ajudou muito nesse retorno ao Palmeiras e eu, também visando ser convocado para a Copa da Itália de 1990, eu resolvi ficar, disse não ao Newcastle, que estava me propondo uma renovação de contrato por mais quatro, cinco anos. Infelizmente eu não fui para a Copa de 1990, tive uma contusão muito séria, uma fratura no maxilar muito forte que quase me fez perder uma vista, e isso faz parte das nossas vidas. Eu não costumo lamentar muito, não, eu prefiro viver os bons momentos, lembrar os bons momentos... Eu só coloco isso como um grande erro”, acrescenta.
Como treinador, sente-se rejeitado por clubes maiores
Técnico de futebol há 18 anos, Mirandinha acumula passagens por Fortaleza (campeão estadual em 2009), Rio Negro-AM (campeão estadual em 2001) e Ferroviário-CE, entre outros, além de também ter tido experiência fora do Brasil em países como Arábia Saudita, Malásia e Sudão. Prestes a fazer um curso da CBF para ampliar ainda mais seus conhecimentos e sua capacidade, ele sonha em treinar clubes de maior expressão, mas ainda se vê rejeitado no mercado.
“Existe, sim, essa discriminação. Em 2009, por exemplo, eu peguei o Fortaleza como interino, fiz os três primeiros jogos e ganhei os três: ganhei da Desportiva Ferroviária, na primeira fase da Copa do Brasil, 3 a 0 em Fortaleza, tirei o Paraná Clube na segunda fase - ganhamos de 2 a 1 em Fortaleza e empatamos por 1 a 1 em Curitiba, e saímos depois para o Flamengo. Essa, pra mim, é a grande prova que eu tenho capacidade para dirigir qualquer equipe. Essa passagem pelo Fortaleza me qualificou como treinador de futebol”, disse o treinador Mirandinha.
Segundo ele, porém, questões extracampo impedem que ele tenha uma chance em alguma equipe de maior expressão. “Eu tenho essa convicção de que eu posso trabalhar em alto nível, agora eu precisava ter oportunidades... Mas infelizmente existe uma situação dentro do Brasil que, quem está alinhado com determinado empresários, você vai embora, e quem não está, fica para trás. Eu penso que não poderia ser por aí, tem que analisar a capacidade”, finaliza Mirandinha, que nasceu em Fortaleza, registrado em Chaval (CE), hoje está sem clube e morando em São João da Boa Vista (SP).
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