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Universitários, concurseiros e 2 caixas d'água levam time do Acre à Série C

Jogadores do Atlético-AC fazem crioterapia em caixas d"água - Divulgação/Assessoria de Comunicação Atlético-AC
Jogadores do Atlético-AC fazem crioterapia em caixas d'água Imagem: Divulgação/Assessoria de Comunicação Atlético-AC

Adriano Wilkson

Do UOL, em São Paulo

17/08/2017 04h00

Tem coisas que só acontecem no Acre.

Veja, por exemplo, o Atlético Acreano, que acaba de conquistar o acesso à terceira divisão do Campeonato Brasileiro. Um volante decidiu abandonar a carreira para virar PM. “A vida no futebol é difícil”, disse ele. Um atacante, além de jogar bola, trabalha como atendente no hospital. Um lateral às vezes não consegue liberação da escola onde trabalha para disputar jogos importantes. Tem um goleiro que faz bicos de eletricista. Tem um punhado que está fazendo faculdade. E outros tantos estudando para o concurso dos bombeiros.

E tem as duas caixas d’água do campo B da federação acreana, onde o Atlético tem treinado. Todos sabem que os jogadores de futebol gostam de submergir em gelo após a atividade física para relaxar seus músculos exaustos. Todos sabem que o futebol do Acre não é um dos mais endinheirados do país. Então os bravos atleticanos um dia resolveram improvisar. Deitaram pedras de gelo em duas caixas d’água que encontraram abandonadas por ali e dessa forma mambembe, porém honesta, fizeram sua sessão de crioterapia.

Uma emissora de televisão local fez as imagens e depois as imagens foram à internet. Quem estava acostumado a jogadores de futebol tratados com os melhores mimos que a tecnologia esportiva tem a oferecer viu no improviso dos acreanos um símbolo de resistência e superação. Muitos começaram a torcer de longe.

Crioterapia - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

O volante Leandro Jucá, aquele que foi aprovado em um disputado concurso e decidiu virar policial militar, relembrou o episódio: “A gente não tem piscininha ou banheira estruturada, então aquela caixa d’água é até excelente pra gente. Cabe bastante água e gelo. Dá pra fazer bacana a regeneração.”

Regenerado, com uma vitória e um empate contra o São José-RS, o Atlético conseguiu, no último domingo, o primeiro acesso de um time do Acre em qualquer divisão nacional. Com uma folha de pagamento modesta e uma estrutura em alguns aspectos aquém do ideal, eles podem enfrentar a partir do ano que vem times populares como o Remo ou Fortaleza.

O treinador Álvaro Migueis estima que um terço do elenco se dedica a outras profissões paralelas ao futebol. O projeto nasceu há cerca de quinze anos quando ele e um grupo de amigos egressos da Universidade Federal do Acre começaram a ensinar meninos do estado a jogar bola.

Atlético - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

“Pagamos em dia, mas o salário é baixíssimo devido à nossa realidade”, disse ele. “Alguns ainda conseguem viver do futebol. Outros trabalham pela manhã, ou fazem faculdade à noite. Noventa por cento dos que estão agora começaram comigo no projeto. Tem alguns que não jogam mais, foram pro mercado de trabalho, mas estavam na arquibancada no dia do acesso. O objetivo do projeto nunca foi só o futebol, foi formar cidadãos".

Para vencer na quarta divisão, eles precisaram enfrentar também o isolamento geográfico. Perderam-se na lógica kafkiana da malha aérea que sobrevoa a Amazônia. Entre escalas e conexões inacreditáveis, já fizeram viagens de 17 horas para ir do Acre ao Amapá e outras de 12 horas para chegar ao Tocantins. Não parece, mas os três estados ficam na mesma região do país.

Outra coisa que eles enfrentaram foi um tipo de preconceito incomum para quem vive em algum dos grandes centros populacionais do país. Todos conhecemos as piadas sobre o Acre. O elenco do Atlético, formado quase inteiramente por jogadores locais (só dois vieram de fora), também conhece. Os torcedores que eles têm enfrentado em jogos fora de casa fazem questão de lembrar.

“Às vezes sofremos muito preconceito”, disse o volante Leandro Jucá. “Chegamos num campo mais ou menos, e dizem que não estamos acostumados com um campo desses, sendo que aqui no Acre temos dois estádios muito bons. A pessoa imagina que aqui não temos acesso a nada, que todos moram no mato, que tem onça criada dentro de casa. São pessoas ignorantes, que não sabem da nossa história pra se tornar um estado brasileiro. É uma das histórias mais bonitas a nossa".

A partir de domingo, o Atlético joga a semifinal da Série D, contra o Operário-PR, mas as quatro equipes que chegaram até essa fase já têm o acesso garantido.