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Ele rodou por 27 clubes e diz que não fez 'pé de meia' graças a empresário

Nilson (centro) ao lado de Dinei (dir.) durante jogo de ex-jogadores do Corinthians - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Marcello De Vico e Vanderlei Lima

Do UOL, em Santos e São Paulo

19/08/2017 04h00

Internacional, Grêmio, Corinthians, Palmeiras, Portuguesa, Flamengo, Vasco, Fluminense, Celta-ESP... Esses são só alguns dos 27 clubes defendidos por “Nilson Pirulito”, atacante alto e magro que começou a jogar profissionalmente no início da década de 80 e pendurou as chuteiras apenas em 2005, aos 39 anos. Por mais que tenha tido uma longa carreira dentro dos gramados, o elevado número de camisas que representou impressiona. E o atacante tem uma explicação para isso.

Em longo papo com o UOL Esporte, o ex-atacante, que tinha o empresário Juan Figer como representante, conta que o agente tinha a prática de fazer contratos de apenas seis meses e pedia muita grana aos clubes para renovar o vínculo. Ainda segundo Nilson, ele não conseguiu fazer o chamado ‘pé de meia’ justamente por conta do empresário que, segundo ele, não o repassava os 15% a que tinha direito nas negociações (prática de antes da Lei Pelé).

“Eu joguei em 27 clubes no total na minha carreira.  Meu passe era do Juan Figer, ele controlava tudo. Na época a inflação era altíssima, e ele fazia contrato só de seis meses. Não dava tempo para se identificar com uma torcida. Acabava o contrato, eu fazendo gol, aí o clube queria renovar, ele pedia muito, o clube não aceitava e eu ia para outro time. Foi por isso que eu rodei muito”, justifica Nilson, para depois dar detalhes sobre a ‘disputa’ que teve com Juan Figer.

Nilson e Maurício, ex-jogadores do Internacional - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal
“Eu ganhei dinheiro com os salários mesmo, porque na época do Figer do empresário eu não recebia os 15% de nenhum clube. Ele não me pagou nada até hoje. Eu tentei falar com ele e a gente não entrou num acordo, porque a maioria das coisas na época foi falada em Jaú, início de carreira eu totalmente leigo no assunto, não colocava no papel, e aí ficou a palavra dele contra a minha. Foram 11 anos na mão dele. Ele teria que me pagar 15% de 15 clubes, então isso aí seria, realmente, o meu pé de meia”, conta o ex-atacante, que diz não ter conseguido acumular tantos patrimônios quanto pretendia.

“Hoje eu poderia falar ‘eu vivo do futebol’, mas não posso. Com os salários deu apenas para eu dar uma casinha para a minha mãe e meus irmãos. Eu tenho o meu apartamento, tenho umas coisinhas, mas tenho que dar os meus pulos, estar em alguns finais de semana correndo com os Masters para dar uma complementada. Hoje eu dou aula de personal trainer e tenho que fazer esses tipos de coisas. Eu me formei em educação física, dou aulas funcionais, é o que ajuda a dar um complemento”, revela Nilson.

Procurado por diversas vezes pela reportagem do UOL Esporte desde quarta-feira (16), o empresário Juan Figer – com quem Nilson rompeu parceria no ano de 1999 – não retornou as ligações.

Empurrãozinho de Abel Braga mudou sua carreira

Nilson iniciou a carreira no Sertãozinho. Passou pela Ponte Preta e chegou, em 1987, ao XV de Jaú. Foi onde começou a ter mais destaque e chamou a atenção do empresário Juan Figer, que comprou seu passe e conseguiu uma transferência para o Internacional, em 1988. Meia de origem, Nilson ainda lutava para continuar jogando nesta posição. Mas um empurrãozinho do técnico Abel Braga no clube gaúcho o fez mudar o número da camisa para sempre.

Nilson, Paulo Paixão, Maurício e Abel Braga (da esq. para dir.) - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal
“Antes eu fiquei três anos em Jaú, tive uma passagem pela Ponte Preta e, em 88, foi o meu grande salto. Eu fiz um puta Campeonato Paulista pelo XV de Jaú, 14 gols, e jogando de meia. Eu não era centroavante, sempre fui meia. E no XV de Jaú e antes até eu sempre jogava tapando o buraco: fazia o quarto homem pelo lado direito, fazia pelo lado esquerdo, jogava de centroavante, e, em 88, eu falei para o Poy [José Poy, ex-treinador, já falecido]: ‘Seu Poy, eu vou jogar na minha posição, eu quero ser meia. Se não der eu fico no banco aguardando o momento, mas eu vou jogar na minha, eu não faço mais esse negócio de ficar tapando buraco’, e ele falou: ‘Comigo você vai jogar de meia’”, relembra Nilson.

“E em 88, o Juan Figer me comprou e me emprestou para o Internacional, para jogar de meia. Só que eu cheguei e numa sexta-feira o treinador caiu, era o Chiquinho. Aí o Abel Braga, o Abelão, chegou no sábado à noite e disse: ‘Eu não conheço o grupo e vai jogar o time que vinha jogando’, e aí o Internacional estava perdendo para o Coritiba por 1 a 0 em casa e, com 10 minutos do segundo tempo, me chamou e disse: ‘Você vai entrar e vai de centroavante’. Eu já fiquei meio puto, né? Caraca, eu não quero jogar mais de centroavante... Beira-Rio lotado, casa cheia, aí eu falei para mim mesmo: ‘Vamos embora, eu já joguei mesmo de centroavante’, e aí eu entrei, dei o passe de cabeça para o Luiz Fernando Flores fazer o gol de empate e depois o Mauricio vai no fundo, cruza e eu faço o gol da vitória, de perna direita. Aí o Abelão falou: ‘Você vai ficar como titular de centroavante’, e eu acabei sendo o artilheiro do Brasileirão de 88 com 15 gols. Foi aí que todo mundo ficou me conhecendo como centroavante [risos]. Aí tive que jogar de centroavante, mas eu conversava com o Abelão e tinha a liberdade de não ser aquele centroavante fixo, preso. Eu sabia jogar no chão”, conta o ex-atacante.

Divergência com técnico encerrou 1ª passagem pela Espanha

Apesar de assumir a camisa 9 e jogar como centroavante, Nilson jamais quis saber de ser um atacante que ficasse preso dentro da área. Era o que queria o técnico do Celta, primeiro clube estrangeiro de sua carreira. Mas, como o próprio ex-jogador conta, não deu muito certo.

“A minha primeira ida para a Espanha não deu certo porque o treinador do Celta queria que eu ficasse lá dentro [da área] e que jogassem a bola para que eu ficasse trombando com os caras, aí eu fui falar para ele que eu não jogava dessa maneira, que tinha um jogador iugoslavo que estava fazendo o papel que eu fazia e que era melhor inverter, e aí ele não gostou e ficou um clima ruim e eu tive que ir embora”, recorda o jogador de 51 anos.

A quase ida para o São Paulo e a rivalidade do Gre-Nal

Ao voltar da Espanha, Nilson ficou bem perto de fechar com o São Paulo. Porém, o fato de o clube não lhe oferecer uma moradia (a não ser no Morumbi) o deixou insatisfeito. E então surgiu o desafio de defender o Grêmio – apenas um ano após ter deixado o arquirrival Internacional.

Nilson, agachado (no centro), pousa para foto em time do Internacional do fim da década de 80 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

“Eu voltei da Espanha com o contrato pronto para jogar no São Paulo, em 90. O Telê era o treinador e eu já estava pronto para jogar, só que, no momento em que eu cheguei no escritório do meu empresário, eu fui lendo o contrato e o São Paulo não dava um apartamento, e ouvi do São Paulo: ‘Ou você paga um ou você tem que morar no Morumbi’. Aí eu falei: ‘Morar no Morumbi eu não vou’, e um diretor do Grêmio estava lá atrás de atacante, aí ele ligou para ele [Juan Figer] e me deu dez passagens aéreas, cegonha para levar o meu carro e trazer de volta quando terminasse o contrato, mandou dobrar o meu salário, deu apartamento mobiliado... Aí eu falei: ‘Estou voltando para o Sul [risos], e fui para o Grêmio”.

Nilson, agachado (no centro), em time do Grêmio do início da década de 90 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

“A torcida me recebeu no aeroporto com festa, aquela coisa toda, só que ficou brava, diziam: ‘Quero ver agora, do nosso lado. Contra a gente você fazia gol’, até pelo fato de no Brasileiro [1989] ter tido aquele Gre-Nal, virada do século... Nós com um homem a menos e eu fiz dois gols para o Internacional, e o caras do Grêmio começaram a me cobrar e, no primeiro Gre-Nal depois que eu retornei, no Beira-Rio, ganhamos o jogo de 1 a 0 e eu fiz o gol, então eu já caí na graça”, diverte-se.

Nilson realizou sonho do primo portador de HIV

Já no fim da carreira, Nilson Esídio atendeu ao pedido do primo e defendeu o Universitário, do Peru, por três meses. Portador do vírus HIV, Eduardo Esídio já era ídolo no país sul-americano e tinha o sonho de jogar no mesmo time do primo. Sonho realizado e, de quebra, com título.

Ex-atacante Nilson durante passagem pelo Sporting Cristal, do Peru - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal
“Eu joguei no Sporting Cristal e no Universitário. A minha passagem pelo Universitário foi uma coisa de três meses para realizar um sonho do meu primo. Ele queria um dia jogar comigo e eu estava parado aqui, em 2000; eu tinha saído do Santo André e falei: ‘Não vou jogar mais’, e ele pediu para eu levar o pai dele para conhecer e passear, porque o meu tio nunca tinha andado de avião, e da família, naquele momento, quem poderia levar era eu, porque eu estava parado e todo mundo trabalhava, não tinha condições de ir. E eu o levei para o Peru e, chegando lá, o meu primo falou para o presidente do Universitário que tinha o sonho de, um dia, jogar com o primo dele. Aí o presidente do Universitário falou para mim: ‘Você não quer vir jogar estes três meses aqui’? Eu falei: ‘Pô, vamos embora’, aí eu trouxe o meu tio de volta e voltei para o Peru [risos]. O meu primo, Eduardo Esídio, é um Deus lá, ganhou tudo... Até teve um problema de saúde, de HIV, que graças a Deus hoje está controlado. É igual o caso do Magic Johnson, está estabilizado; ele toma as vitaminas, os remédios, e hoje ele mora em Santa Rita do Passa Quatro e trabalha com as molecadas. Eu voltei a jogar e ainda acabamos campeões”, recorda.

Cirurgia o impede de jogar 100% pelo Másters do Corinthians

Além de trabalhar como personal trainer, Nilson hoje completa sua renda jogando pelo time de Másters do Corinthians, clube o qual defendeu entre 1992 e 1993. Porém, ele conta que o seu desempenho anda comprometido por conta de uma cirurgia que precisou fazer na coluna.

“Eu operei a coluna cervical, as vértebras C4, 5 e 6. Eu estava perdendo os movimentos, caia sozinho, tropeçava na rua, estava andando igual a um velho de 100 anos. Para virar na cama eu precisava de ajuda, para entrar no carro era difícil, e aí os médicos falaram que eu teria que operar, senão qualquer tranquinho eu ia parar de andar e ia para uma cadeira de rodas. Aí eu fiz a cirurgia; colocaram uma prótese e falaram: ‘Você vai voltar a viver sua vida, pode brincar no futebol, só que evite cabecear a bola e ter contato’, então hoje eu jogo de volante, faço a lateral, para ficar de frente, só na boa. Então hoje eu brinco ali só para me divertir”, finaliza Nilson, que aponta o ex-atacante Maurício – com quem jogou no Internacional, Grêmio e Portuguesa – como o melhor parceiro que teve dentro de campo ao longo da carreira.