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Brasileiro da dupla mais goleadora da China dribla proibição religiosa

Renatinho e o israelense Zahavi ofuscam jogadores mais badalados na China - VCG/Getty Images
Renatinho e o israelense Zahavi ofuscam jogadores mais badalados na China Imagem: VCG/Getty Images

Fábio Piperno

Colaboração para o UOL

03/09/2017 07h14

Um israelense de 30 anos que só havia feito sucesso em seu país e um brasileiro pouco conhecido por aqui formam a dupla de ataque de maior sucesso no campeonato chinês. Eran Zahavi e Renatinho marcaram 33 gols nas 23 rodadas da Superliga da China e são os principais responsáveis pela surpreendente campanha do Guangzhou R&F. Para se ter uma ideia do poder de fogo dos dois, eles marcaram mais que os badalados trios formados por Ricardo Goulart, Paulinho e Alan, autores de 30 gols pelo Guangzhou Evergrande, e Diego Tardelli, Graziano Pellé e Pappis Cissé, com 26 gols pelo Shandong Luneng.

O R&F é da mesma cidade do multicampeão e milionário Guangzhou Evergrande, a equipe de Luiz Felipe Scolari, Ricardo Goulart e onde Paulinho jogava até se transferir para o Barcelona. Na condição de primo menos rico do poderoso rival local, o time é naturalmente ofuscado pela opulência do Evergrande, que está próximo de um inédito heptacampeonato nacional. Mas na atual temporada, algo começa a mudar.

Nos confrontos pelo campeonato, o R&F empatou por 2 a 2 no estádio do rival e ganhou em casa por 4 a 2. A inesperada vantagem sobre o forte adversário não foi a única façanha na temporada. A equipe é a sexta colocada e almeja a inédita classificação para a Liga dos Campeões da Ásia. Apenas dois pontos separam o time do Cantão, como a cidade de Guangzhou também é chamada, do terceiro melhor na tabela, o Hebei Fortune, que seria o dono da última vaga da China no torneio continental se o campeonato nacional terminasse agora.

Mas sem a eficiência da dupla de ataque, o sonho de participar da principal competição interclubes da Ásia estaria bem mais distante. Juntos, Zahavi e Renatinho marcaram 73,33% dos 45 gols anotados pelo R&F na Superliga. O israelense é o artilheiro disparado do campeonato com 24 gols, enquanto o brasileiro é o líder em assistências da equipe, com cinco passes decisivos.

Revelado pelo Coritiba, Renatinho teve rápida passagem pelo Atlético/GO, antes de se transferir para a Ponte Preta, de onde foi para o Japão, contratado pelo Kawasaki Frontale. Em 2015, no meio da temporada, trocou a equipe japonesa pelo R&F, clube controlado por um grupo que atua na construção civil. Um depois, a equipe ganhou o reforço de Zahavi, que atuava pelo Maccabi Tel Aviv e foi goleador do campeonato israelense por três temporadas consecutivas.

A chegada de Renatinho ocorreu bem no momento em que o R&F passou a ter mais ambições. Praticamente junto com o brasileiro a equipe contratou o técnico sérvio Dragan Stojkovic, que também estava trabalhando no Japão. E na janela seguinte de mercado, o principal reforço foi um velho conhecido dos brasileiros, o ex-corintiano Chen Zhizhao.

Na China, diferente do que ocorria no Brasil, Zhizhao atua como volante. Jogador de bom passe e eficiente na marcação, ganhou status a ponto de ser lembrado pelo técnico Marcello Lippi para a seleção chinesa. E a reputação do meio-campista só não é maior por questões disciplinares. No campeonato, recebeu sete jogos de suspensão após se envolver em troca de empurrões no jogo contra o Shangai SIPG.

Pela Copa da China, no início de agosto, foi expulso no jogo de volta contra o Guangzhou Evergrande. O desfalque foi fatal. O R&F que tinha vantagem após ter vencido em casa por 4 a 2, foi arrasado por 7 a 2 no confronto de volta e acabou eliminado. Mas com Renatinho, o prestígio do companheiro continua intacto. “O Zhizhao é um cara muito gente boa. E como jogador, além de passar bem a bola, tem arranque rápido e boa chegada à frente. Ajuda muito o Júnior Urso no meio-campo”, diz Renatinho.

O volante Júnior Urso, ex-Atlético Mineiro, foi o principal reforço do R&F em 2017. Com ele e Zhizhao em campo, a transição para o ataque ganha velocidade, o que facilita o trabalho da dupla de atacantes. Os números comprovam que a produção ofensiva do time evoluiu na atual temporada. Os 45 gols já marcados significam que o R&F está a apenas dois de igualar o desempenho verificado em todo o campeonato de 2016.

Se nos gramados o entrosamento dos brasileiros com o volante chinês é cada vez melhor, fora dele Renatinho e Júnior Urso procuram forçar Zhizhao a falar em português. “Assim ele não esquece o que aprendeu no Brasil”, diz o atacante. Com Zahavi, a comunicação é em inglês. A parceria com o goleador israelense está bem afinada em campo, mesmo sem o ensaio de jogadas nos treinos. “A gente não prepara nada durante a semana. As coisas acabam acontecendo”.

A cidade de Guangzhou é uma metrópole com cerca de 14 milhões. Além de importante polo econômico, oferece aos moradores inúmeras opções de atividade social. Mas as múltiplas alternativas não seduzem o brasileiro, que se limita a jantares com amigos brasileiros e aos encontros religiosos, que diferente do Brasil não ocorrem em igrejas ou templos.

Na China, a liberdade de culto enfrenta restrições. Hábil com a perna esquerda, o cristão evangélico Renatinho, ligado à comunidade Família da Fé, de Campinas, dribla os obstáculos para poder professar sua fé participando de encontros religiosos privados, realizados na casa de uma pastora brasileira ou em residências de amigos. As reuniões costumam contar com intérpretes, porque também atraem chineses.

No país, é pequena a parcela da população que se declara praticante dos diversos ramos da fé cristã. Também por isso, chamou a atenção no país a opção do jovem Yuning Zhang. Fã confesso de Kaká, o atacante de 20 anos, que atua no Werder Bremen e na seleção chinesa, afirmou ter se inspirado no brasileiro ao abraçar o cristianismo.

Outro desafio cotidiano que o brasileiro enfrenta é o da alimentação. Por sorte, o condomínio onde reside oferece um restaurante italiano que tem no cardápio macarrão e saladas. “Fico nisso. Não me arrisco a nada muito exótico”. Avesso às aventuras gastronômicas, sente-se mais seguro quando almoça ou vai jantar nas casas dos amigos Júnior Urso e Alan, atacante do Evergrande.

Em abril, o jogador foi pai pela segunda vez. A esposa e as duas filhas ficarão em Curitiba até o fim do ano. Depois, todos voltarão a ficar juntos na China. Em agosto, elas foram visitá-lo. Além do afeto da família, Renatinho teve a despensa reabastecida de feijão, um item nem sempre ao alcance dos brasileiros de Guangzhou.

Com contrato até 2019, o atacante não faz planos de sair. O clube já acena com proposta para antecipar a renovação, mas ele prefere aguardar. A contratação de Paulinho pelo Barcelona sinaliza que o futebol chinês entrou definitivamente no radar do mundo da bola, o que pode abrir novas oportunidades no mercado internacional. “O que aconteceu com o Paulinho mostra que a Europa está olhando mais de perto o que se passa na China. E quem sabe não surge uma oportunidade para a Europa”, prevê. Para que isso aconteça, uma vaga na próxima Champions League da Ásia só ajudaria.