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Ele iniciou carreira após 'invadir' ônibus e ainda se arrepende de agressão

Ex-jogador Careca Bianchesi hoje atua como repórter de uma TV mexicana - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Imagem: Reprodução/Facebook

Marcello De Vico e Vanderlei Lima

Do UOL, em Santos e São Paulo

03/09/2017 04h00

Em boa fase no Palmeiras, Careca Bianchesi recebeu do técnico Paulo Roberto Falcão a oportunidade de disputar a Copa América de 1991. O momento de alegria pela convocação e pela chance de mostrar serviço na seleção brasileira, porém, foi substituído por um enorme arrependimento no primeiro jogo do quadrangular final, contra a Argentina. Mal entrou na partida (na etapa final) e o atacante, num impulso, deu uma cotovelada no zagueiro Ruggeri (vídeo acima). Foi expulso e prejudicou o Brasil, que foi derrotado pela Argentina (3 a 2) e mais tarde acabou ficando com o vice justamente por conta deste revés - os hermanos foram campeões.

Foi o fim da passagem de Careca pela seleção brasileira. Depois disso, nunca mais foi convocado, e até hoje se arrepende. Não tanto pelo fato de não ter sido mais chamado para defender o time de seu país, mas pela agressão em si. É o que ele conta em entrevista exclusiva ao UOL Esporte.

Foi uma das piores coisas que eu fiz, e foi a pior coisa que eu fiz no futebol

“Cometi um erro irreparável, que não era o meu estilo. Eu não sei porque perdi a cabeça e dei uma cotovelada no Ruggieri, e até hoje eu me arrependo. Foi uma das piores coisas que eu fiz, e foi a pior coisa que eu fiz no futebol. Eu não sou de me arrepender muito do que faço, tudo o que você faz tem aprendizagem, mas essa foi uma experiência que me marcou muito porque eu nunca fui um jogador violento, e por um motivo ou outro, talvez a pressão de não estar jogando - eu queria ser titular... Mas enfim, me deu um lapso, uma estupidez aguda e eu acabei golpeando o Ruggieri, e praticamente me despedi da seleção brasileira. Eu estava jogando no Atalanta, da Itália, e esse foi o meu último jogo na seleção”, recorda o ex-atacante.

Ex-jogador Careca Bianchesi (centro) com a esposa e os três filhos - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Imagem: Reprodução/Facebook

“Eu não me arrependo porque não fui mais chamado. O meu arrependimento é por ter feito o que eu fiz, não representava o que eu era, o que eu sou, eu não era jogador violento, eu não sei de onde saiu isso. Por isso, às vezes, nós temos que tomar cuidado de nós mesmos, a gente não sabe quando esse lado animal vai aparecer. Eu nem gosto de lembrar... Era para eu fazer gol, eu era centroavante, e ao invés de eu me concentrar nisso eu não demorei nem um minuto dentro do jogo. Eu fui ridículo. É a única coisa que eu me arrependo na vida. As críticas foram certas, eu não tinha nem como me defender, assumo toda responsabilidade".

‘Invasão’ a ônibus deu pontapé inicial na carreira

Com passagens por Marília, Novorizontino, Guarani, Palmeiras, Atalanta (ITA), Monterrey (MEX) e Veracruz (MEX), Careca Bianchesi conseguiu iniciar a carreira depois de uma história curiosa. Após uma confusão feita por um amigo, ele foi de penetra em um ônibus de jogadores que enfrentariam o time titular do Marília em uma espécie de teste. Jogou, e acabou aprovado.

“Tiveram os jogos regionais, não sei se ainda existe, e na época foram realizados em Rio Claro e armou-se uma seleção da cidade, e eu estava selecionado, e nós ficamos em terceiro lugar. Teve um jogo contra o Marília e ganhamos, e o pai de um dos jogadores falou com os diretores do Marília para dar uma chance para o filho dele ir treinar. E o filho dele estava fazendo o Tiro de Guerra [instituição militar do Exército brasileiro] e estava carequinha, ele tinha já 18 anos e eu 16 pra 17, e ficou combinado que no dia seguinte o Marília ia sair de uma escola às 6 da manhã, de Rio Claro, e ia para Marília, e chegou um amigo meu, o Giba, que jogou no Santos, e ele falou pra mim: ‘Olha, Careca, amanhã a gente se vê na escola Odilon Correa para gente ir para Marilia’, e eu falei: ‘Não, pra mim ninguém falou nada’, e ele falou: ‘Mas eu escutei que vamos eu, o Heraldo, o fulanito, o ciclanito e escutei Careca também. No dia seguinte eu estava na escola, mas não era para eu ir, eu não tinha sido indicado..”, conta Careca.

Ex-jogador Careca Bianchesi e a esposa curtem jogo da Copa do Mundo de 2014 - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Imagem: Reprodução/Facebook
“E quando chegamos lá, estávamos esperando abrir o ônibus e o pai do menino que estava fazendo o Tiro de Guerra estava lá conversando com os diretores do Marília. Depois o Giba chegou em mim e falou: ‘Careca, eu errei, não era você, não, era o fulanito. Eu escutei Careca e pensei que era você, mas ele falou careca porque não lembrou o nome do filho do cara e falou careca, e eu pensei que era você’. Mas eu era moleque, meio malandro, e eu vi o ônibus aberto e falei: ‘Sabe de uma coisa, Giba? Vamos para dentro [risos]. O pior que pode acontecer é alguém me tirar do ônibus’. Nós saímos numa segunda-feira às 6 da manhã de Rio Claro e chegamos em Marília meio-dia e pouco. Comemos, levaram a gente para descansar um pouco e, por volta das 15h, chegou um cara lá e falou que a gente ia treinar contra o profissional”, recorda.

Vi o ônibus aberto e falei: ‘Sabe de uma coisa? Vamos para dentro. O pior que pode acontecer é alguém me tirar do ônibus

“Eu fiquei no banco e ninguém percebeu que tinha gente a mais que devia [risos]. E no segundo tempo o treinador do profissional me chamou e falou: ‘Do que você joga’? Eu disse: ‘de ponta esquerda’. Aí o técnico pediu para eu entrar. Eu entrei e o Valdirzinho me marcava - depois eu me tornei amigo do Valdirzinho - e arrebentei ele esse dia com os meus dribles, o umbigo do Valdir estava nas costas. Eu driblava mesmo, e o Fernando, zagueiro, falou que ia me matar, que ia quebrar a minha perna. Aí eu dei um drible no Luiz Andrade e ele, ao invés de ir na bola, ele me dá um soco no estômago. Eu já caí vomitando e me colocaram na maca e me levaram embora para o vestiário. Depois o treinador do profissional me chamou e falou: ‘E aí moleque, como você se chama? Vai lá para cima eu te encontro lá, eu vou falar com o treinador do juvenil e você vai ficar aqui, eu quero você comigo, eu vou te fazer um grande jogador’”, acrescenta Careca.

“Palmeiras foi a melhor parte da minha vida como esportista”

Apesar da falta de títulos e da pressão que o clube vivia, Careca Bianchesi acredita ter vivido o momento mais feliz de sua carreira no Palmeiras, clube o qual defendeu por entre 1989 e 1991.

"Eu só tenho coisas boas para lembrar. Fiz grandes amigos, tive sempre apoio da torcida. Eu estava atravessando um grande momento, e foi o clube que me empurrou até chegar à seleção. O Palmeiras foi a melhor parte da minha vida como esportista, pena que não deu um título. Era um momento de pressão por isso e, depois que veio a Parmalat, aí começaram a ganhar quase tudo. Eu queria ter ficado, pelo menos um ano a mais para ver se eu conseguia o tal título, era a coisa que eu mais sonhava: conseguir um título pelo Palmeiras. Os jogadores que conseguissem isso ficariam marcados na história por tantos anos que o clube vinha sofrendo”, pontua.

Mais mexicano que brasileiro e as recusas para ser técnico

Hoje Careca Bianchesi vive há 25 anos no México. Tanto tempo que até atendeu a reportagem do UOL Esporte bem ao estilo castelhano. “Hei, como estás? Será que eu consigo falar português? Vou dar um escândalo”, brincou o bem-humorado ex-jogador, que apesar de ainda ter o futebol no seu dia a dia, não pensa em virar técnico de futebol. Nem mesmo no México.

“Vou fazer 25 anos de México. Eu converso com o Sérgio Guedes, ex-goleiro e hoje treinador. Nós somos amigos, irmãos, irmão de coração, de alma, e não faz muito tempo nós conversamos sobre isso e ele falou: ‘Vem para cá, me ajuda aqui’, mas eu tenho minhas coisas aqui, tenho a minha empresa, para mim é difícil deixar tudo e começar do zero. Aqui eu tenho uma vida estabelecida, tranquila, nem aqui no México eu quero [ser treinador]. Comecei a trabalhar com coisas fora do futebol, a conhecer mais pessoas, e minha vida foi me afastando do futebol. Hoje meu contato com o futebol é com a televisão e programa de rádio. Aqui trabalho na televisão Azteca, escrevo para um jornal que chama Reforma, falo de futebol. Na TV Azteca eu sou comentarista e analista de futebol, e na rádio eu trabalho no grupo ACIR, tenho meu próprio programa, chama El Mundo del Futbol, é diário, das 18 às 19h no horário mexicano. Fora isso eu tenho um centro comercial, já há 15 anos. Tem dez lojas”, conta Careca, que já até se considera mais mexicano que brasileiro por conta da vida que leva há tanto tempo.

Aqui eu tenho tudo: tenho uma vida, minhas necessidades, meus afazeres... 

“Como os nossos laços no Brasil foram se perdendo, e como aqui as raízes foram crescendo cada vez mais e meus filhos tiveram formação totalmente aqui, isso nos amarrou bastante, então hoje em dia quem me pergunta eu falo que me sinto mais mexicano, porque aqui eu tenho tudo: tenho uma vida, minhas necessidades, meus afazeres... E o Brasil está aqui também [no coração], a gente acompanha daqui o que os brasileiros estão sofrendo com esta política... A minha esposa é muito ligada e quer saber como está o Brasil, e as coisas chegam aqui bem feias. Eu tenho três filhos: um menino italiano, Gianluca, que vai fazer 26 anos em setembro; a Raissa, que tem 24 anos e nasceu aqui; e a Giulia, que é a única brasileira que a gente tem, de 22 anos”, completa.

A história hilária com Edson Abobrão

Companheiro de Careca no Palmeiras, o ex-lateral Edson Abobrão é alvo de uma das histórias mais hilárias acumuladas pelo ex-atacante durante toda a sua carreira.

"Tem uma história do Edson Abobrão que eu conto aqui no México que todos dão risada. A gente estava jogando no Recife, contra o Sport, e o campo estava horrível, a altura da grama era incrível e a bola não corria e o jogador tão pouco; eu peguei uma bola no meio-campo e o Edson passa em alta velocidade pela direita, e ele já estava com os seus 31 anos, e eu meto a bola em profundidade; foi um pouco largo, forte [risos], e o Edson não deixou de correr, mas a bola sai pela linha de fundo; e lá vem o Edson voltando... Eu abro os braços e peço desculpas, e o Edson vindo em minha direção, e quando nos encontramos ele tenta falar... Sabe aquela respiração quase sem ar? Ele respirava com muita dificuldade e falou: ‘Careca, em caso de despressurização da cabine, a máscara de oxigênio caíra automaticamente’ [risos]. A gente estava empatando em 0 a 0 e eu escuto isso e começo a dar risada... Eu falei: ‘Vamos, é sério, estamos jogando, pô’, mas não conseguia de parar de dar risada. Ele é uma das pessoas que mais me fez rir na vida", diz.