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Gordiola? Guto leva apelido na boa, mas já foi vetado por sobrepeso

Treinador voltou ao Inter para comandar reação do time em meio à Série B - Wesley Santos/Estadão Conteúdo
Treinador voltou ao Inter para comandar reação do time em meio à Série B Imagem: Wesley Santos/Estadão Conteúdo

Marinho Saldanha

Do UOL, em Porto Alegre

15/09/2017 04h00

Guto Ferreira não tem o perfil físico de técnicos de futebol. O comandante do Internacional jamais foi atleta profissional e não carrega nos atributos atléticos a maior valência. Por isso, aliado a qualidade como treinador, ganhou um apelido em 2014: Gordiola. Uma alusão ao técnico que havia deixado o Barcelona e assumido o Bayern de Munique.

Na época ele comandava a Ponte Preta e fazia grande campanha. Foi uma forma carinhosa de tratar o profissional criada pelo jornalista Flavio Prado. Ganhou repercussão e jamais foi motivo de qualquer reclamação de Guto.

Mas nem todo o mundo do futebol reage tão bem à forma física dele. Em entrevista exclusiva ao UOL Esporte, o treinador admite que já foi vetado em um clube do exterior por conta de sua imagem.

"Quem me traz essa noção é quem vende o meu trabalho, quem me representa. E me traz situações em que, por exemplo, meu nome para fora do país foi vetado em um clube, porque dizia a pessoa que contratava que a minha imagem não condizia com a imagem que gostaria de ter no clube. Eu respeito. Já houve recados de executivos de futebol: fala para o fulano cuidar da imagem dele, não é legal desta maneira. Eu acho puro preconceito. Primeiro a sociedade não é só de magros. Segundo que não executo a função de jogador. Sou técnico. Represento uma faixa da sociedade", disse.

Confira a segunda parte da entrevista exclusiva, cujo início foi ao ar na última quinta-feira. 

UOL: É a segunda vez que você larga uma equipe na Série A para pegar um time na Série B. Por que?

As duas equipe que eu troquei são equipes, em termos de projeção nacional, não maiores naquele momento, mas com projeção maior, com torcida maior. Na primeira decisão (trocou a Chapecoense pelo Bahia em 2016), eu vinha fazendo muitos bons trabalhos e muitas vezes quando eu era especulado em grandes clubes, quando se briga por um espaço assim, vinha o comentário que eu fazia bons trabalhos em clubes sem pressão. Buscávamos um clube que pudesse dar esta chancela, que independente do clube poderíamos desenvolver bons trabalhos. Foi no Bahia, um bicampeão brasileiro, com projeção nacional muito grande, pressão interna muito grande, e conseguimos fazer um bom trabalho. Agora, o Inter transcende isso tudo. Saímos de um grande (Bahia) para um gigante, campeão do mundo, da Libertadores, do Brasileiro... E que além disso foi a nossa casa por 13 anos. Um clube que temos uma identificação muito grande. Num momento de dificuldade... É difícil dizer não tendo vivenciado tudo que vivenciei aqui, as oportunidades, a história que eu tive. Não só eu quanto o André Luiz (auxiliar técnico, foi jogador do Inter). Se olhar só este ângulo, perfeito... Profissionalmente também há oportunidade de você na sequência dos trabalhos poder estar numa condição de brigar por títulos maiores.

UOL: Imaginando a tua carreira, Guto... Hoje você se insere em que status e para dar passos adiantes, como coloca o Inter nisso tudo? Seria um trampolim para subir de status também?
Com certeza. No mínimo está chancelando alguma coisa. A visibilidade é maior, o trabalho é mais visado. A responsabilidade é igual, mas a torcida sendo imensa, a cobrança é maior. Toda cobrança é de acordo com a quantidade de torcedores. Tudo isso são chancelas que você executando um bom trabalho, num nível de dificuldade, ganha respeito maior em teros de mercado. A busca é por grandes projetos, que se possa desenvolve-los.

UOL: Onde entra o título nisso tudo?
O principal objetivo do Inter é o acesso. A cereja do bolo é o título. No Bahia era semelhante. O grande objetivo do primeiro semestre era conquistar a Copa do Nordeste, um título de expressão que o clube não ganhava há 15 anos e atingimos o objetivos. São passes que você vai dando, uma caminhada. A Chape era a manutenção, o título regional e depois uma classificação melhor que no ano anterior, e deixamos o time em oitavo na classificação do Brasileiro.

UOL: Em dado momento, surgiu o apelido de Gordiola (associação a Pep Guardiola)...
O Gordiola surgiu em 2014. Eu estava na Ponte Preta e nós emplacamos naquele ano, desde minha chegada, o melhor retrospecto do Brasil. Saíram inclusive matérias sobre isso. Foram 13 jogos de invencibilidade com nove vitórias e quatro empates. Um aproveitamento de quase 80%. Daí o Flavio Prado, jornalista muito respeitado e torcedor declarado da Ponte Preta, em determinado momento começou a usar carinhosamente isso. Fazendo alusão ao meu sobrepeso e ao meu trabalho. E isso de certa forma quebrou alguns preconceitos, algumas situações sobre o meu trabalho que poderiam estar gerando uma forma negativa para minha imagem. Trouxe uma postura mais social, aproximou mais o torcedor de uma forma positiva, usando da forma mais carinhosa possível. Acontecendo isso, tá tranquilo. O que não pode é ser pejorativo. E comigo sempre, vindo do torcedor, foi carinhoso, excelente. Ainda assim, não quero que amanhã ou depois nosso trabalho seja pautado pelo apelido. Que eu consiga um nível de desempenho e qualidade no trabalho por onde passe, que seja marcado por isso e não pelo apelido.

UOL: Ainda em cima disso, você não foi jogador profissional, é gordinho... Em algum momento, de alguma forma, seja no mercado, com clubes ou jogadores, já sofreu preconceito por conta disso?
De uma forma direta nunca aconteceu, mas quem me traz essa noção é quem vende o meu trabalho, quem me representa. E me traz situações em que, por exemplo, meu nome para fora do país foi vetado em um clube, porque dizia a pessoa que a imagem não condizia com a imagem que gostaria de ter no clube. Eu respeito. Já houve recados de executivos de futebol: fala para o fulano cuidar da imagem dele, não é legal desta maneira. Eu acho puro preconceito. Primeiro a sociedade não é só de magros. Segundo que não executo a função de jogador. Sou técnico. Represento uma faixa da sociedade. E meu trabalho tem que ser analisado pelo que desenvolvo. O nível de liderança que tenho, o que o time atinge, o que o trabalho gera. É isso. Enquanto profissional, a roupa que eu visto, a morfologia que eu tenho, não está em pauta... A imagem é o rendimento do time. Exatamente isso. Respeito as pessoas que tem esta visão, eles que contratam e têm que dizer o rumo de cada coisa. Mas tem muito magrinho que está em forma mas o trabalho não anda. E se meu trabalho não estivesse andando, teria que seguir neste sentido. Mas nunca pela morfologia.

UOL: O Guto Ferreira pode chegar onde?
Quero sempre desenvolver o melhor trabalho possível. Tenho que me superar. Tenho muito que aprender. Estou abaixo de muitos profissionais que eu respeito muito no Brasil. Não me julgo melhor que ninguém, não. Tenho hoje uma oportunidade de retomar em um grande clube em que já estive na condição de treinador, um dos maiores do futebol brasileiro, me sinto muito honrado, mas não sou melhor que ninguém. É sinal de responsabilidade. Tenho que trabalhar e rezar para que dê certo para que eu possa honrar a confiança que a direção me passa.