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Exclusivo: Contrato mostra Santos como refém de parceira por Damião

Leandro Damião em ação pelo Inter; atacante ainda está sob contrato com o Santos - Ricardo Duarte/Internacional/Divulgação
Leandro Damião em ação pelo Inter; atacante ainda está sob contrato com o Santos Imagem: Ricardo Duarte/Internacional/Divulgação

Pedro Lopes

Do UOL, em São Paulo

28/09/2017 04h00

Desde fevereiro deste ano, o grupo Doyen pode, por contrato, forçar o Santos a comprar 100% dos direitos econômicos de Leandro Damião pelo valor fixo de 16 milhões de euros (R$ 60 milhões). A não ser que, por expressa vontade própria, o fundo queira receber menos, esse cenário é o que causaria menos prejuízo ao clube alvinegro, de acordo com o contrato entre as partes. 

O UOL Esporte teve acesso integral à documentação entre Santos e Doyen referente ao centroavante. Damião chegou à Vila em 2014, contratado do Inter com 12 milhões de euros emprestados do fundo sediado em Malta, que ficou com 100% dos direitos econômicos do jogador. Contratualmente, o grupo empresarial se resguardou com garantias de retorno do investimento em todos os cenários possíveis, deixando o risco inteiramente nas mãos do clube.

Damião não se firmou no Santos e entrou em litígio na Justiça do Trabalho, onde por pouco não conseguiu deixar a Baixada a custo zero. Desde então, roda por empréstimo com passagens por Cruzeiro, Flamengo, Bétis (ESP) e Internacional, sem repetir o futebol de seu início em Porto Alegre. Na medida em que as chances de uma venda milionária para Europa diminuem drasticamente, ganham peso as garantias colocadas pelo Doyen: o Alvinegro não tem, no contrato, saída que o livre de pagar ao fundo um valor superior, por exemplo, àquele que recebeu pela venda de Neymar.

A reportagem ouviu advogados que corroboram a visão de que o fundo está completamente protegido e fica com qualquer possível lucro com o atacante em um contrato considerado atípico, que deixa o risco do investimento concentrado nas mãos do clube.

Dos especialistas ouvidos, dois trabalham para outros clubes e afirmaram que suas agremiações chegaram a ter contato com o fundo sobre parcerias em moldes similares e que não se concretizaram justamente pelo desequilíbrio nos termos. A reportagem procurou a diretoria do Santos, que afirmou que não falaria do contrato por ele ser alvo de ação judicial (mais detalhes no decorrer da matéria). A posição foi a mesma adotada por quem integrou o departamento jurídico na época do acordo. O então presidente Odilio Rodrigues não foi localizado, assim como o grupo Doyen.

A opção de venda

Desde o dia 31 de janeiro desde ano o Doyen pode, a qualquer momento, forçar o Santos a adquirir 100% dos direitos de Damião. O valor atual que o clube é obrigado a gastar é de 16 milhões de euros, ou R$ 60 milhões. Esse mecanismo, chamado “opção de venda”, está previsto na cláusula 14 (veja ela em detalhes aqui). Mesmo se o Doyen exercer essa opção, sua relação com o Alvinegro não acaba: o grupo ainda tem direito a todo o lucro de qualquer transferência total ou parcial de direitos nas próximas duas janelas de transferências.

Segundo um dos especialistas ouvidos, parcerias com direitos econômicos normalmente dividem o risco entre clubes e investidores, o que não acontece nesse caso. Com esta cláusula, o Doyen garante que, caso não haja uma venda que gere lucro, receberá o valor corrigido e ainda um potencial valor sobre uma venda futura.

Se o Santos vender ou emprestar Damião

Pelo acordo, se o Santos vender Damião, o Doyen tem direito a receber pelo menos 18 milhões de euros. Se o clube quiser vender por um valor menor, tem de completar o valor até chegar aos 18 milhões de euros, a não ser que o grupo concorde, de forma expressa, em receber menos. Além disso, o Doyen pode pressionar o Alvinegro a negociar o atleta. Em caso de proposta, se os investidores assim quiserem, o Santos é obrigado a cobrir a oferta e adquirir o atacante ou vender.

Em caso de empréstimo, qualquer valor que o Santos teria direito a receber pelo negócio é devido ao Doyen. Se o clube que contratar pagar os salários, a diretoria santista também tem que desembolsar o mesmo valor diretamente ao fundo, até que isso totalize 18 milhões de euros (veja esse trecho do contrato aqui). 

Um dos advogados consultados aponta que, no caso de venda, há interferência do fundo na gestão esportiva do clube na medida em que ele pode forçar a aceitação, ou não, de um negócio. Ele explica, entretanto, que a Fifa costuma dar muito peso ao que é estabelecido em contrato entre duas entidades capazes, o que, em princípio, evitaria sanções ou anulação do contrato.

Se Damião rescindir ou renovar com o Santos

Se, por qualquer razão, Leandro Damião rescindir seu contrato com o Santos e se tornar um jogador livre, o clube, pela cláusula 9, tem de pagar ao Doyen 18 milhões de euros (veja essa cláusula aqui). É em torno desse dispositivo que gira a briga judicial entre as partes: o grupo empresarial acionou o Alvinegro em 2016, cobrando essa quantia, quando o atacante rescindiu seu contrato na Justiça do Trabalho. O Santos, entretanto, conseguiu reestabelecer o vinculo, e por isso venceu a ação em primeira instância. O Doyen recorre, mas a briga corre em segredo de Justiça.

A mesma indenização é devida em caso de renovação contratual, com o fim do contrato atual entre jogador e clube e a criação de um novo, ou o fim do contrato. “O fundo está protegido em caso de venda, empréstimo ou rescisão, e o Santos assume integralmente o risco financeiro”, diz um dos especialistas.

O acordo tem ainda como garantia contratos do Santos com a Globo, referentes a períodos entre 2014 e 2017. O Santos é também, por contrato, responsável responsável por toda e qualquer comissão devida a intermediários. A questão da garantia divide especialistas, que variam entre "excessivo" e "natural" ao adjetivarem o modelo de negócio. 

O Doyen avalia a dívida total do Alvinegro em R$ 81 milhões. Além de Damião, há também acordos referentes a Lucas Lima e Geuvânio, que estão sendo discutidos em um processo de arbitragem na Câmara Brasil-Canadá. O centroavante está, atualmente, emprestado ao Internacional, e seu contrato com o Santos é válido até o fim de 2018.