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Ministério Público "abre caça" contra ódio a jornalistas nas redes sociais

Mauro Cezar (esq.) procurou o MP-SP após receber ameaças de haters - Reprodução/ESPN
Mauro Cezar (esq.) procurou o MP-SP após receber ameaças de haters Imagem: Reprodução/ESPN

Napoleão de Almeida

Colaboração para o UOL

03/10/2017 11h31

"Vagabundo! Filho da p..., vendido! Tendencioso, morra, desgraçado!"

Quase que diariamente é uma rotina: o jornalista esportivo abre suas redes sociais e se depara com os haters – pessoas que de maneira anônima ou sentindo-se ocultas em seus perfis sociais, destilam ódio contra profissionais da comunicação por emitirem opiniões das quais divergem ou publicarem fatos nem sempre positivos sobre seus clubes do coração.

A avalanche de ódio muitas vezes é tratada como algo “normal” – palavra que se confunde no dia a dia com o significado de "comum" – e acaba sendo apenas ignorada e/ou absorvida por quem a recebe. Mas o Ministério Público de São Paulo promete identificar e punir até com prisão os agressores das redes. “O objetivo principal é coibir o que é o hater, assegurando o direito a opinião, mas sem a prática do crime”, contou o procurador Paulo Marco Ferreira Lima, do MP-SP.

Mauro - Twitter/Reprodução - Twitter/Reprodução
Imagem: Twitter/Reprodução

Com base no artigo 46 do Código de Processo Penal, o procurador de justiça Paulo Marco Ferreira Lima pediu ao Núcleo de Combate a Crimes Cibernéticos (Nuciber-SP) que abrisse inquérito contra os agressores denunciados e identificados através de prints. Foi o jornalista Mauro Cezar Pereira, da ESPN Brasil, quem procurou o MP-SP após ser ameaçado até mesmo em mensagens em seu telefone pessoal. “Tem cenas da família exposta, há um incentivador com apologia ao crime”, descreveu Paulo Marco, “Foi solicitada a investigação. Existem sentenças criminais que servem como título executivo no cível para danos morais. O órgão mais sensível do ser humano é o bolso”, projeta o procurador, alertando que os identificados serão criminalizados e processados pelos atos.

"Ofensas pessoais são intoleráveis, extrapolam o direito de crítica e a liberdade de manifestação do pensamento. Além da responsabilidade civil, o ofensor poderá responder por seus atos na esfera penal, conforme os artigos 139 e seguintes do Código Penal”, explica o advogado Dr. Marco Felipe Saudo, que representa Mauro Cezar Pereira.

“É algo que vai se acumulando. Chegou ao máximo quando no ano passado descobriram o número do meu telefone e comecei a receber ameaças”, relatou Mauro Cezar, “insultos em quantidades industriais, de todas as maneiras possíveis. E isso não parava, eu era colocado em grupos de torcedores no WhatsApp sem a minha anuência. Eles se organizavam para mandar mensagens simultâneas em horários específicos, como por exemplo se eu estivesse no ar”.

Mauro 2 - Twitter/Reprodução - Twitter/Reprodução
Imagem: Twitter/Reprodução

“Não dá para tolerar mais. Eu passei a printar via blog, no Twitter e no WhatsApp. Juntei tudo e levei ao Ministério Público e lá tem um núcleo que trabalha com crimes digitais. Viram que há crimes cometidos: é crime você ofender as pessoas simplesmente. O cara acha que ele pode chegar em um ambiente aberto e xingar, pior ainda quando tem ameaças”, argumentou o comentarista.

Ameaças e ofensas mudam a rotina pessoal e causam até depressão

A repórter Ana Thaís Matos, da Rádio Globo de São Paulo, viveu semanas de terror após a divulgação de mensagens antigas nas redes sociais, dos tempos em que sequer era formada em jornalismo. Nelas, brincava com amigos torcedores, em uma época em que estava longe de trabalhar com jornalismo esportivo, nos bancos da faculdade.

“Eu me lembro exatamente o dia, 25 de fevereiro do ano passado (2016)”, conta Ana Thaís, “Eu cheguei mais cedo à rádio para me preparar para uma transmissão. E aí eu percebi que já tinham acontecido os primeiros ataques. Mas não imaginei que pudesse acontecer esse tipo de coisa. Eu fui um dos assuntos mais comentados em São Paulo, fui pro jogo me sentindo muito mal. Naquele dia eu recebi mais de 300 mensagens me dando apoio. E na sexta-feira todos os programas, todos os canais de TV tocando no assunto".

Flávio Gomes, da Fox Sports, também já viveu na pele as ameaças vindas de perfis anônimos ou protegidos pela distância das redes sociais. Na ocasião, ainda trabalhando na ESPN Brasil, se envolveu em discussão com torcedores do Grêmio após um jogo contra seu time do coração, a Portuguesa. Gomes é especialista em Formula 1, mas nunca limitou sua atuação ao automobilismo, falando também de futebol. Entendia que ali estava fora de seu ambiente profissional ao acirrar os ânimos com gremistas. Acabou deixando a emissora.

MP contra crimes cibernéticos - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

“Faz 4 anos. As pessoas têm que entender que o jornalista tem vida pessoal, fora de seu ambiente de trabalho. E essa história das empresas policiarem seus empregados nas redes sociais, como forma de controle, não só as empresas de comunicação, com o argumento de que você se confunde com o lugar em que trabalha, com a empresa, é uma muleta para manter todo mundo sob controle”, defende, para relembrar: “Foi algo muito específico: o caso de um torcedor da Portuguesa que xingou o time adversário como se estivesse na arquibancada, e acabou ali. O que aconteceu depois é que passei a receber ameaças e inclusive com pessoas dizendo que sabiam onde meus filhos estudavam. Não foi nada contra o Grêmio ou toda a torcida gremista. Foi como se eu estivesse de um lado de uma grade na arquibancada".

Gomes e Thaís temeram pelas reações com seus familiares. A repórter conta que emagreceu e passou dias sem dormir. “Eu desenvolvi uma crise de ansiedade muito grande. Eu meio que blindei o que estava acontecendo, mas foi um momento muito difícil. Foi o mês do meu aniversário, eu tinha marcado uma comemoração com minhas amigas e não fui, por medo de encontrar pessoas. Não conseguia dormir, acordava de madrugada pra ver se as pessoas estavam me xingando, bloqueei um monte de gente. Minha mãe achou que eu tinha que andar com seguranças, minhas irmãs querendo saber se iam me matar. E isso foi o mais delicado, explicar para minha mãe, de 69 anos, que o que estava acontecendo era uma coisa do mundo online?”

Diante das ameaças, o pedido pela resposta da Justiça e uma relação mais sadia

Insinuações, como as de que os jornalistas recebem dinheiro para dar opiniões, ou mesmo ofensas pessoas, são as práticas mais comuns. “É preciso uma ação educativa, para as pessoas entenderem que as redes sociais ela permite interatividade entre as pessoas, a aproximação com uma pessoa que trabalha na TV, no rádio, enfim. Agora, tem que ser usada dentro dos limites. Você não pode pegar e ir na casa da pessoa e falar, ‘vá tomar no seu c*, vou te arrebentar’. Na rede social, também. O cara tem que entender a diferença da crítica ao trabalho e a ofensa pessoal ou ameaça”, defende Mauro Cezar.

O comentarista da ESPN é conhecido por bloquear seguidores nas redes sociais, fato que ele fez questão de explicar: “As pessoas falam, ‘mas o Mauro bloqueia todo mundo!’ Tem horas que você está sendo xingado sem mais nem menos, existem as ações orquestradas, vem gente que nem te conhece e começa a te xingar. Tem horas que você não aguenta. O cara vem ofendendo, eu bloqueio, eu não quero ter contato. É pura provocação. O intuito é que ele veja que está bloqueado e a mensagem é muito clara: não quero papo com você".

Flávio Gomes, da Fox Sports, lamenta o comportamento irascível nas redes sociais. “O cara que se dirige em redes sociais falando de futebol com um jornalista, ele se sente no direito de agredir, ameaçar ou ofender pelo simples fato de que o jornalista emitiu uma opinião ou uma notícia que supostamente é contra o time que ele torce. O cara acha que você é um inimigo e do mesmo jeito que ele se comporta com o torcedor adversário, que se ele pudesse espancaria até a morte, ele acha que tem o direito de fazer isso com jornalistas também”.

As denúncias podem ser encaminhadas ao Nuciber por qualquer pessoa que se sentir ameaçada. “As pessoas precisam saber que há um núcleo de crimes cibernéticos. É preciso acabar com a sensação de impunidade”, indicou o procurador Paulo Marco.