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Marcado por lesionar Kaká, Cocito diz que acabou 'esteriotipado' por lance

Cocito (esq.) participa do jogo festivo dos 10 anos do título brasileiro do Atlético-PR - Divulgação/Atlético-PR - Divulgação/Atlético-PR
Imagem: Divulgação/Atlético-PR

Marcello De Vico e Vanderlei Lima

Do UOL, em Santos (SP)

04/11/2017 04h00

5 de dezembro de 2001. Atlético-PR e São Paulo se enfrentavam pelas quartas de final do Campeonato Brasileiro, na Arena da Baixada. Kaká ainda era um menino de 19 anos quando, ainda no primeiro tempo deste jogo, sofreu uma das entradas mais duras de sua carreira e precisou deixar o campo chorando, de maca. O responsável pela falta foi o volante Cocito, que ainda hoje, já aposentado dos gramados, é lembrado por esse lance que, segundo ele, acabou o ‘estereotipando’ demais e o deixando com uma fama de jogador desleal. O que ele nega.

“Eu era um cara muito forte, pesado, e às vezes aconteciam algumas jogadas, e aconteceu aquele lance com o Kaká, nas quartas de final do Brasileiro de 2001, que ele saiu chorando do campo, e acabaram [me] estereotipando demais devido a esse lance. Mas é que nem eu falo: a dedicação e a raça eu sempre tive, chegar forte... Só que às vezes, pela posição que a gente joga, tinha que parar uma jogada, fazer uma falta excessiva, mas nada por deslealdade”, afirma.

Acabaram [me] estereotipando demais devido a esse lance"

Cocito - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução
Na jogada em questão, ocorrida aos 32min do primeiro tempo, Cocito inicialmente agarra o shorts de Kaká e depois lhe aplica uma tesoura. A ideia era apenas parar o ataque são-paulino, mas fez o meia tricolor parar imediatamente nos vestiários, de onde inclusive acompanhou a derrota por 2 a 1 de seu time – o Atlético-PR avançou às semifinais da competição nacional.

Apesar das consequências da entrada e da eliminação do São Paulo, Cocito diz ter sido ‘inocentado’ por Kaká, com quem conversou depois do lance – ao vivo e em programas de TV.

O próprio Kaká, nos programas, me inocentou"

“[Conversei] com ele durante o momento e após o jogo, até pelos programas de TV, até com eu me desculpando, embora eu não tivesse a intenção de machucá-lo e nem tirá-lo do jogo, como muitos acabaram pensando. O próprio Kaká, nos programas, me inocentou. Consta que o Kaká já estava com o tornozelo meio machucado, isso eu fiquei sabendo depois, e quando eu fui levantando ele acabou de torcer o tornozelo. Eu não tive maldade”, garante o ex-jogador, que pelo Atlético-PR conquistou o Brasileiro de 2001 e chegou à final da Libertadores 2005.

Fama de ‘chega junto’ não o prejudicou

Cocito diz que a fama de ‘chegar junto’ não o atrapalhou ao longo da carreira. Pelo contrário. “Só ajudou. A vontade, a raça... não só no futebol, mas em qualquer questão da vida. Isso foi fundamental para que eu pudesse chegar onde cheguei. Acredito que até errei, e errei muito, e às vezes acabo pecando até hoje em algumas situações, errando por excesso, mas não por omissão. O pior sentimento que nós podemos ter é o arrependimento, você ter tido a oportunidade de fazer algo e deixar de fazer, deixar de se dedicar ao máximo”, acrescenta.

O pior sentimento que nós podemos ter é o arrependimento"

Ex-jogador Cocito e a esposa - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Cocito hoje é casado e tem dois filhos
Imagem: Reprodução/Facebook
Desta forma, Cocito garante não ter se arrependido de nada que fez durante os anos em que foi jogador de futebol profissional – fora o Atlético-PR, ele defendeu Botafogo-SP, Corinthians, Grêmio, Fortaleza, Avaí, Boavista-RJ e Vila Nova, além de Tenerife e Real Murcia, da Espanha.

“De maneira alguma [se arrepende], nem por ter feito demais. Por exemplo, parei [de jogar] precocemente devido a uma lesão no joelho, porque acabava os treinamentos e eu ia para a esteira correr mais. Eu corria à noite, depois de jogos. Quando eu estava no Fortaleza eu ia para beira mar correr na rua, sozinho, essas loucuras, mas tudo por excesso. Claro, não precisa chegar a esse extremo, mas pelo menos eu não me arrependo. Eu prefiro ter errado por excesso, excesso de treinamento, excesso de dedicação, do que por deixar de treinar”, completa.

VEJA MAIS TRECHOS DA ENTREVISTA:

PAI DE COCITO JOGOU COM PELÉ. E ERA O CAMISA 10

Moisés Cocito (em pé, segundo da esq. pra dir.), pai de Thiago Cocito, jogou no mesmo time que Pelé, o Bauru Atlético Clube - Reprodução/O Site Z Castel - Reprodução/O Site Z Castel
Moisés Cocito (em pé, segundo da esq. pra dir.) jogou com Pelé no Bauru Atlético Clube
Imagem: Reprodução/O Site Z Castel
Eu sempre fui ligado ao esporte porque o meu pai foi jogador também. O meu pai foi profissional, jogou no Botafogo de Ribeirão Preto, jogou no Corinthians de Prudente, jogou no Noroeste, jogou no Santos, com o Pelé inclusive... Meu pai é o Moisés Cocito. Ele jogava de volante também. O meu pai começou com o Pelé no Baquinho de Bauru, e inclusive na época o meu pai era o 10 e o Pelé era o 8. O meu pai vai fazer agora, dia 9 de novembro, 78 anos. Meu pai foi o presidente do Batatais FC por três mandatos.

ÍDOLO DUNGA FOI INJUSTIÇADO E DEU VOLTA POR CIMA

Quem eu sempre tive como ídolo, não só pelo futebol, mas pela garra, pela dedicação e pela personalidade, é o Dunga, até pela força mental dele. O Dunga foi execrado por todo mundo e depois deu a volta por cima e ergueu a taça de campeão do mundo para nós, em 94. Num todo, o Dunga foi muito injustiçado. Geralmente o pessoal só quer ver os gols, e não aquele que dá os passes, aquele que carrega o piano. Quem carrega o piano fica às vezes até desvalorizado, até em termos financeiros. Os jogadores que ganham mais são aqueles que fazem os gols. As pessoas não veem o cara que fez aquela ultrapassagem, que levou a marcação para o cara poder fazer o gol, as pessoas só veem o cara que colocou a bola na rede, e nós que estamos ali, do meio para trás, acabamos, na maioria das vezes, injustiçados.

CORINTIANO QUANDO PEQUENO, COCITO REALIZOU SONHO

Eu cheguei ao Corinthians depois do Paulistão de 2003, a pedido do Geninho, depois da lesão do Vampeta no joelho. Eu já tinha sido campeão brasileiro com o Geninho em 2001 e o Corinthians foi até uma das melhores experiências que eu tive no futebol, até porque a minha família é toda corintiana: meu pai, dez irmãos, e todos são corintianos. Quando criança eu era corintiano, e era um sonho de criança jogar no Corinthians. É um clube que eu tenho carinho. A minha estreia foi contra o Flamengo; eu estreei muito bem, um dos melhores em campo. Já o meu segundo jogo pelo Corinthians foi contra o River Plate, pela Libertadores. Nós estávamos ganhando de 1 a 0 até pouco mais de 30 minutos do segundo tempo até o lateral esquerdo Kleber acabar sendo expulso.

O River tinha o D’Alessandro, que eu cito como um dos mais difíceis que eu marquei na minha carreira. Nós tomamos uma virada em poucos minutos; o jogo estava bem tranquilo, bem controlado, e depois teve o jogo da volta com a entrada do lateral esquerdo Roger, que o Geninho ficou falando ‘pega, pega, pega’ e o Roger, no começo do jogo da volta, no Morumbi, foi expulso e nós saímos da Libertadores. Eu joguei a partida de ida, a da volta, não. Depois do jogo de ida pela Libertadores nós tivemos o jogo contra o Fortaleza, no Castelão, onde eu tive a minha primeira lesão no Corinthians; torci o tornozelo e não joguei a partida da volta contra o River Plate e fiquei de fora de mais alguns jogos. Eu fiz 14 jogos no Corinthians e não fui mal em nenhum desses 14 jogos. Devido às lesões eu tive poucas oportunidades de jogar no Corinthians, mas foi um sonho realizado ter jogado no Corinthians.

NÃO PENSA EM SER TREINADOR E FAZ TRABALHO COM A BASE

Não [penso], como treinador, não, inclusive hoje eu estou trabalhando no Atlético-PR, vai fazer cinco meses. A minha função é trabalhar com a formação nas categorias de base. Criaram um projeto para que eu voltasse lá, que chama "Rubro Negro, é quem tem raça", que faz parte de uma estrofe do hino do Atlético-PR, para poder criar novamente essa identificação dos atletas das categorias de base que muitas vezes ficam dispersos. Não só no Atlético-PR, eu digo em qualquer equipe. O cara não pensa no time, ele quer ser profissional lá no Barcelona, Real Madrid. O cara está querendo sair, mas primeiro tem que subir degrau por degrau, então tem que ter essa identificação, essa gratidão com o clube, é isso que eu tento passar no dia a dia para eles. O projeto foi criado mais ou menos nesse sentido. Quiseram usar a minha experiência, a minha bagagem e a identificação que eu tenho com o Atlético-PR para poder ajudar os meninos, até na questão pessoal. Eu estou sempre conversando. Não há dinheiro que pague resolver problemas de questões pessoais, problemas familiares... Tem menino de 14, 15 anos, que sai de casa cedo, não tem a imagem do pai por perto, não tem outras pessoas para conversar.

TER TATUAGEM VIROU PRIORIDADE ENTRE OS JOVENS JOGADORES

Hoje em dia, não generalizando, mas em sua grande maioria, parece que se não tiver tatuagem o cara não pode ser jogador profissional, parece que é obrigado a ter tatuagem ou brinco. Não que eu seja contra, mesmo porque muitos dos meus amigos têm, inclusive jogadores que foram campeões brasileiros comigo no Atlético-PR, mas não era nessa grande incidência que tem hoje. Às vezes estão mais preocupados com o cabelo, com a chuteira, com o brinco, o cara passa perfume para jogar, essas coisas assim que na minha cabeça não consegue entrar. Eu não sou contra isso, mas primeiro ele tem que ganhar o jogo, se concentrar e ganhar a partida, treinar bem e ser campeão, e depois ele coloca o brinco, o piercing, o cabelo da cor que ele quiser. Isso fica em segundo plano e não o contrário. Então é essa inversão de valores que tem acontecido demais.