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Opinião: Caso Robinho e quando o futebol oculta o crime

Robinho no banco de reservas do Atlético-MG contra o Santos - André Yanckous/AGIF
Robinho no banco de reservas do Atlético-MG contra o Santos Imagem: André Yanckous/AGIF

Dibradoras

Colaboração para o UOL

26/11/2017 04h00

Como jogador de futebol, Robinho é indiscutível. Ainda lembro como se fosse ontem daquelas pedaladas que entortaram o lateral Rogério, naquela fatídica final do Campeonato Brasileiro de 2002. Meu time não estava em campo - aliás, já havia sido eliminado exatamente pelo Santos de Robinho nas quartas de final, com direito a um golaço dele - mas esse foi daqueles lances que nunca vai sair da memória de nenhum amante do futebol.

Só que, para além da profissão, o atacante hoje atleticano é ser humano, é (ou deveria ser) gente como a gente, submetido às mesmas leis que qualquer outra pessoa,  nos países por onde passa. E, segundo a Justiça da Itália, Robinho infringiu essas leis, e foi considerado culpado por isso. Ao contrário dos muitos eufemismos que têm sido adotados por aí, o fato é que ele foi condenado por crime de estupro. Não é “suposto crime”, não é “abuso sexual”, é estupro.

Pode ser que ele seja inocente? Pode. E se for, ele terá inúmeros recursos e poderá recorrer a quantas instâncias a Justiça italiana permitir. Mas o fato de agora é que ele foi condenado por crime de estupro. Isso significa que é culpado? Talvez não, é possível que ele prove o contrário, como fez diante da outra acusação na Inglaterra, em que o caso sequer chegou a ir para frente, mas, por enquanto, na denúncia feita na Itália, o que se sabe é que houve um julgamento e que, diante dos fatos analisados, ele foi condenado.

Eu não defendo “apedrejamentos” em praça pública de pessoas que cometeram crimes. Mas também não acredito que eles (os crimes) possam ser ignorados. E o que mudou na vida de Robinho desde que ele foi condenado na Itália nesta semana? Absolutamente nada.

Robinho treinou normalmente na última sexta-feira entre os titulares do Atlético-MG e estará em campo contra o Corinthians no domingo. Viu companheiros e técnicos saírem em sua defesa. Oswaldo de Oliveira garantiu que ele “é um cara de família, pai e muito responsável” - mas é preciso lembrar ao técnico que muitos autores dos crimes de violência contra a mulher são pais, homens de família e até “responsáveis”.

Uma estatística que contabiliza uma mulher estuprada a cada 11 minutos e 10 estupros coletivos acontecendo por dia não pode ter como autores apenas “monstros” e “psicopatas”, as típicas imagens de estupradores que aparecem sempre em nosso imaginário.

E eu fico me perguntando: fosse outro crime o motivo da condenação de Robinho na Itália, como seria sua situação por aqui? Se ele tivesse sido condenado por um homicídio, por exemplo, será que jogaria normalmente no domingo? Ou seria afastado até que se esclarecesse o caso?

Mas, acima de tudo, o que mais me intriga aí é, fosse a condenação por uma tentativa de homicídio ou por um roubo, ou outro tipo de crime, será que estaríamos questionando tanto a PALAVRA da vítima? Será que estaríamos encontrando a “culpa” que supostamente falta em Robinho nela?

É verdade que isso já é prática comum em crimes de violência contra a mulher. Esses são os únicos tipos de crime em que a vítima chega na delegacia para fazer a denúncia e é obrigada a responder um interrogatório - não sobre o que sofreu, nem sobre o criminoso, mas sobre o que estava vestindo, onde estava andando, por que essa hora, por que ali, por que bebendo, por que dançando...

É só parar para pensar: quantas vezes você já foi à delegacia denunciar um assalto, e o policial te perguntou: mas você tem certeza que te roubaram? Mas o que você estava vestindo no momento do assalto? E por que estava ali? Andando na rua com relógio? Pediu para ser assaltado, né.

Pois as mulheres que denunciam violência ouvem isso TODAS AS VEZES que tentam depor contra seus agressores. Eu vi muita gente em comentários perguntando por que a vítima do estupro de Robinho e seus amigos demorou meses para denunciar. A resposta é simples: medo. Medo de ser julgada, de não ter sua palavra levada a sério, de ser estigmatizada. E olha só, vejam o que está acontecendo com a mulher nesse caso, não é mesmo?

De novo, é importante ressaltar que eu não sei se Robinho cometeu ou não um estupro. A Justiça Italiana acha que sim, não à toa o condenou - e esse é o único fato consumado nessa história por enquanto. Um fato que não podemos esquecer - e que temos que parar de ignorar ou relativizar, como costuma acontecer no futebol. Como já aconteceram tantas outras vezes em casos envolvendo jogadores que cometeram violência contra mulheres.

Recentemente, o atacante Juninho, do Sport, chegou a ser preso após denúncia da ex-namorada: segundo ela, o jogador a agrediu e a ameaçou com uma faca, mas pagou fiança e saiu. Saiu e voltou a treinar - e logo jogou pelo clube pernambucano, sem qualquer punição aplicada.

O caso mais emblemático de todos é o do goleiro Bruno, que foi condenado por ser mandante do assassinato de sua ex-mulher, Elisa Samudio e, logo que foi liberado da prisão (sem o cumprimento total da pena), acabou contratado pelo Boa Esporte Clube em uma ação midiática para fazer marketing às custas de um feminicídio.

Diante disso, o futebol sobrevive como um mundo à parte, que tem suas próprias leis e coloca seus ídolos acima do bem e do mal. Parece que ali tudo pode, tudo vale e, quando se tenta ir contra isso, dizem que “o futebol está ficando chato”, afinal, como já disse o goleiro Bruno em 2010, “quem nunca saiu na mão com sua mulher”, né?

Em Hollywood, as dezenas de casos de abuso envolvendo o poderoso empresário Harvey Weinstein o afastaram completamente do mercado do cinema. As acusações contra o ator Kevin Spacey o fizeram ser retirado de um filme pronto. A condenação de Robinho, por enquanto, parece sequer tê-lo atingido. Ele soltou uma nota fria negando o crime, e seguiu a vida, treinando, jogando, tudo como sempre foi. E é bem possível que, se tivesse sido afastado, torcedores apareceriam reclamando da ausência dele por um motivo tão torpe.

É preciso reinserir o futebol nas regras da sociedade em geral. Racismo é racismo, fora do estádio ou no campo. Machismo é machismo na rua ou na arquibancada. Estupro é estupro, seja ele cometido por um psicopata, por um chefe de família ou por um ídolo do futebol. E, acima de tudo, NÃO é NÃO - seja ele dito para um cara qualquer na balada ou para um jogador rico e famoso.

O futebol é gigante, é apaixonante, é o maior esporte do planeta, mas não pode estar acima de tudo (muito menos de todas). Que o futebol pare de ocultar crimes e ignorá-los.

Dibradoras é um projeto que busca dar visibilidade para mulheres no esporte. Futebol aqui também é coisa de mulher