Topo

Chape: Associação divide opiniões e gera dúvidas entre famílias das vítimas

Zanone Fraissat/Folhapress
Imagem: Zanone Fraissat/Folhapress

Luiza Oliveira e Napoleão de Almeida

Do UOL, em São Paulo (SP)

01/12/2017 04h00

Foi a partir de um telefonema de Tulio de Mello, então no Sport, que Gabriel Santos Cordeiro de Andrade, um advogado mineiro de 38 anos, decidiu criar a Abravic (Associação Brasileira das Vítimas do Acidente com a Chapecoense), em março deste ano. Mesmo sem nenhum parentesco com nenhuma das vítimas, Gabriel tomou a frente das ações e tem colhido doações para repassar às famílias. A próxima é o jogo entre jogadores famosos comandados por Fábio Carille, do Corinthians, e Tite, da Seleção Brasileira, dia 22 de dezembro, na Arena Condá.

Entre as famílias, porém, há uma cisão quanto ao comportamento da Abravic. Tanto que em junho de 2017, descontentes com o que consideram uma morosidade na busca por direitos e respostas, as viúvas de Mário Sergio Pontes de Paiva, ex-jogador e comentarista da FOX Sports, e do fisiologista Cesinha, Mara Paiva e Fabienne Martins, fundaram a AFAV-C. As associações convivem simultaneamente e até trocam informações, mas por vezes atritam, como no episódio do documentário sobre o desastre áereo, produzido pelo uruguaio Luiz Ara.

Familiares relatam que, após o choque tomado pelas famílias ao ver o trailer nos cinemas, sem conhecimento ou contrato assinado de cessão de direitos por parte de nenhuma delas, Gabriel teria dito no grupo de WhatsApp que Ara o procurou após a confusão oferecendo 50% da bilheteria como forma de compensação, o que foi recusado. O presidente da Abravic nega que tenha defendido a continuidade da exibição do filme em qualquer momento. “Esse rapaz só apareceu pra Abravic ao mesmo tempo em que apareceu para as famílias. Infelizmente a mentira existe, ele nunca ofereceu nada pra gente. A única coisa que ele falou depois é que ele iria dividir e que iria fazer bem pras famílias”, afirmou Gabriel.

Na visão de Mara Paiva, que está na diretoria da AFAV-C, a Abravic ainda é necessária, porém precisa ser mais transparente. “A diferença é a origem. A AFAV-C é das famílias, nós também somos vítimas. O Gabriel não tem vínculo nenhum, me parece que ele faz um trabalho com jogadores, um trabalho puramente assistencialista. É um trabalho importante, com sinceridade. Estamos há quase um ano sem vencimentos. O acidente matou os provedores. É importante, mas não é só isso que vai nos atender. Com R$ 400 que tipo de assistência médica você consegue para as suas famílias? Por isso que a AFAV-C faz uma auditoria desses processos todos”, comentou.

Há também diferenças na relação com a Chapecoense. Alguns familiares entendem que o clube falhou nas indenizações e relatam que a Abravic não toma frente desses casos, que acaba funcionando como um escudo do clube, uma vez que tem até sala na Arena Condá. “Nós resolvemos assumir a liderança por achar que as coisas não estavam acontecendo. A maior catástrofe do futebol mundial. Esse assistencialismo não é suficiente. Como estamos ligadas a muitas questões processuais, estamos atrás de informações do seguro, do acidente, do clube que não nos passava informação nenhuma sobre isso. Enxergavam o clube como maior vítima de tudo isso”, explica Mara.

Fabiene Belle e Mara Paiva - UOL - UOL
Mara Paiva e Fabienne Belle tem dúvidas sobre alguns procedimentos da Abravic
Imagem: UOL

Abravic defende que faz assistência social às famílias

Gabriel Santos, por sua vez, deixa claro que não vê a Abravic com esse papel combativo. "A Abravic tem o foco em atuar só na assistência social. A gente nunca quis entrar nessa discussão jurídica. Todas as famílias que entenderem que seus direitos forem lesados, é um direito de cada cidadão e dessas famílias particularmente buscar isso", relata. O advogado, que tem escritórios em Belo Horizonte, Montes Claros, Patrocínio (MG) e Vitória (ES), também tem empresas no ramo de cosméticos e pecuária e diz que está ocupando o cargo de presidente de maneira integral pelos três anos de gestão: "Depois que acabar essa missão aqui eu volto a me concentrar na minha família e nos meus negócios".

Ele acompanhou as famílias na viagem à Roma, quando a Chape enfrentou o time italiano e visitou o Papa Francisco. É também da Abravic o controle da renda do "Jogo das Estrelas", descrito por Fábio Carille como "da associação que ajuda mesmo", o que causou desconforto na AFAV-C. "O jogo não é da associação das famílias. Esse tipo de trabalho, embora importante nesse momento, apequena o clube", reclamou Mara, que pretende contar com a Chapecoense e com os governos de Chapecó e Santa Catarina para criar uma fundação oficialmente ligada aos clubes e às famílias, como existe na Espanha com Real Madrid e Barcelona.

As contas das doações são outro ponto de atrito. Como há dois perfis de falecidos, os que já tinham uma carreira sólida no futebol e deixaram algum patrimônio, e os que estavam começando ou eram de outros setores menos badalados e não deixaram renda, há uma necessidade imediata da entrada de recursos, o que vem sendo garantido pela Abravic. Questionado sobre quanto dinheiro a associação já movimentou nesses nove meses, Gabriel respondeu: “Não vou conseguir te falar, mas sei te falar o benefício. Ajuda nas escolas das famílias em até R$ 800 por criança, a gente paga também psicólogos para as famílias que requerem, os remédios psiquiátricos para os pais das vítimas".

Familiares relatam que até aqui nenhum recibo ou conta das doações foram apresentados às famílias. Gabriel prometeu cumprir com isso quando a Abravic completar um ano: “A Abravic está sujeita a lei, é uma fundação sem fins lucrativos. O balanço é feito anualmente e será feito e serão cumpridas todas as finalidades legais. Esse tipo de dúvida é até incompreensível. São 68 famílias brasileiras, 64 falecidos e 4 sobreviventes. Se você multiplicar por 5, por família, são mais de 300 pessoas. Óbvio que não se agrada a todos, a desconfiança é natural".

Ele garante que não tem salários e que o estatuto deixa claro o objetivo filantrópico da associação, que tem ainda na diretoria o ex-goleiro e sobrevivente Jakson Follmann, Susana Ribas (viúva de William Thiego) e Sirliane Freitas (viúva de Cléberson Silva, assessor de imprensa).