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Taddei relembra perda do irmão em acidente e quando recusou defender Itália

Gol de Taddei sobre o Real Madrid pela Liga dos Campeões. Foram nove anos de Roma - Jasper Juinen/Getty Images
Gol de Taddei sobre o Real Madrid pela Liga dos Campeões. Foram nove anos de Roma Imagem: Jasper Juinen/Getty Images

Marcello De Vico e Vanderlei Lima

Do UOL, em Santos (SP)

09/12/2017 04h00

Três anos no Siena, nove na Roma e mais três no Peruggia. Criado em um barraco no bairro da Brasilândia, zona norte de São Paulo, Rodrigo Taddei pode se considerar quase um italiano, ao menos no futebol. O polivalente jogador que iniciou sua trajetória no Palmeiras teve o Alviverde como único clube no Brasil. Depois, fez quase toda sua carreira no país do Velho Continente, onde viveu momentos extremos de alegria – com o inédito acesso à primeira divisão pelo modesto Siena e a longa passagem de sucesso pelo time da capital – e de tristeza – com a perda do irmão em um acidente de carro que ele inclusive estava presente.

Taddei tinha só 22 anos e havia acabado de conquistar o acesso à elite do Calcio com o Siena quando passou pelo pior momento de sua vida. O carro em que estava – acompanhado do irmão e de alguns amigos – capotou várias vezes após perder o eixo dianteiro. Taddei chegou a ficar em coma por uma semana, mas se recuperou. Já seu irmão, então com 20 anos, não teve a mesma sorte. A notícia veio assim que acordou, com a mãe ao pé da sua cama no hospital.

Rodrigo Taddei (dir.) acompanhado do irmão e da mãe - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Imagem: Reprodução/Facebook
“Foi voltando para casa, infelizmente. Acabou a final do jogo do Siena, fomos campeões da segunda divisão, festa na cidade, e fomos para casa. Pegamos as malas, ‘vamos viajar’. Iríamos partir de Milão; estavam eu, o Pinga [amigo e ainda jogador profissional com passagens por Santos, Internacional e times da Itália], o Leonardo - meu irmão - e mais dois amigos nossos, e no meio da estrada acabou estourando o eixo dianteiro do carro, carro novo. E o carro capotou. Depois eu fui saber pelos outros meninos, que não sofreram ferimentos graves, que o carro tinha pego fogo. Eles conseguiram tirar todos nós do carro, e o meu irmão faleceu no local do acidente. Eu fiquei em coma e acordei uma semana depois com a minha mãe na ponta da cama. Foi um choque para mim, é um choque ainda hoje, todos os dias, porque não vai passar nunca. É uma coisa que marca”, recorda Taddei em entrevista ao UOL Esporte.

Foi um choque para mim, é um choque ainda hoje, todos os dias, porque não vai passar nunca"

“A hora que eu acordei, que eu vi só ela e não o meu irmão, eu imaginei que não era uma coisa tão simples, até porque eu não sabia da morte do meu irmão por causa dos efeitos dos remédios. E eu olhei e só estava ela no quarto, e alguns companheiros do Siena com o meu tio”, acrescenta Taddei, que já havia perdido o pai antes mesmo de seguir para a Itália, em 2002. A infância não foi fácil, como recorda, mas já era cercado de muito futebol. E deu no que deu.

Largo da Pancada, na Vila Brasilândia, onde Rodrigo Taddei jogava bola na infância - Arquivo pessoal/Rodrigo Taddei - Arquivo pessoal/Rodrigo Taddei
Imagem: Arquivo pessoal/Rodrigo Taddei
“Eu era de família pobre. Éramos em três irmãos e minha mãe. Nós morávamos no fundo da casa dos meus avós, em 30 metros quadrados de madeira, um barraquinho de madeira na Brasilândia, zona norte de São Paulo. O meu pai faleceu antes de eu ir para a Itália, e foi difícil, como muitos jogadores, mas eu sempre lembro da Brasilândia. Foi onde eu cresci e vivi a minha infância, e tinha um time lá que a gente jogava na rua e eu tenho contato ainda com os meninos. Eu morava num lugar que tem um largo que foi nominado de Largo da Pancada [risos], mas não porque tinha ladrão ou essas coisas... Lá tinham muitas festas e num final de semana tiveram 11 brigas de bêbados, e acabou pegando, e todo mundo tinha medo de ir na Brasilândia, no Largo da Pancada, mas era um lugar que o pessoal se reunia para jogar futebol, eram 24 horas futebol. No final de ano tinha casados contra solteiros, o pessoal se vestia de mulher, essas coisas todas”, lembra o jogador de 37 anos - e ainda em atividade.

A ‘triste’ saída do Palmeiras e o quase fim da carreira

Revelado pelo Palmeiras e torcedor alviverde declarado, Rodrigo Taddei não deixou o clube de coração da forma como gostaria. Pelo contrário. Sentiu-se esquecido e por pouco não pendurou as chuteiras de maneira precoce. Um contato com um antigo treinador, porém, acabou salvando a sua carreira.

“Para mim, infelizmente, foi uma saída muito triste. Eu fiquei até 2002, saí com 22 anos... Fui treinar até o último dia do meu contrato e não tive o contato de ninguém da diretoria naquele momento, nem para falar que eu ia ficar ou que eu ia embora. A única coisa que eu tinha pedido na época era uma casa para eu sair do aluguel, porque eu morava de aluguel com a minha mãe e com os meus irmãos. Eu não pedi milhões. O meu salário poderia ser o mesmo, eu ganhava um salário de júnior ainda, até porque eu não tinha empresário e nada. Eu fui treinar até o último dia do meu contrato sem resposta nenhuma, infelizmente”, conta Taddei.

Maradona e Rodrigo Taddei - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Imagem: Reprodução/Facebook
“Aí um ex-treinador meu, de futebol de salão, conhecia o filho de um dos diretores do Siena, da Itália, e eu acabei arriscando, indo para lá, e eu fui com a cara e com a coragem. Lá eu encontrei o Pinga, que jogou aqui no Santos, no Internacional, e o Pinga me ajudou muito lá. E o Siena, um clube que na história nunca tinha ido para a primeira divisão... Começou a dar tudo certo para mim. Eu tive que jogar alguns meses nos juniores porque ninguém me conhecia, até eles pegarem confiança, e graças a Deus, naquele ano, a gente conseguiu ir para a primeira divisão. Aí eu tive dois anos na primeira divisão e depois eu fui para a Roma. E dali, graças a Deus, eu fiz uma grande história vivendo nove anos”, celebra Taddei, que defendeu o time profissional do Palmeiras na época em que Mustafá Contursi ainda era o presidente do clube.

Ninguém me contatou, ninguém veio falar comigo, se eu queria ficar ou não"

“Era o Mustafá Contursi o presidente. Ninguém conversou comigo; nem ele, nem o Marcio Araújo, que na época fazia parte da diretoria. Ninguém me contatou, ninguém veio falar comigo, se eu queria ficar ou não, até porque pelo fato de eu não ter nenhum empresário eles pensaram: ‘ah, depois o Taddei vai bater na porta’, então eu tive essa oportunidade de ir embora e falei: ‘vamos lá arriscar’. Eu deixei todo mundo aqui e fui sozinho. No primeiro período lá eu fiquei sozinho; depois meu irmão do meio foi para lá me ajudar e a gente foi campeão”, recorda.

Palmeiras conquistou o título da Copa dos Campeões em 2000 e se garantiu na Libertadores 2001 - Eduardo knapp/folha Imagem - Eduardo knapp/folha Imagem
Imagem: Eduardo knapp/folha Imagem

Apesar da saída triste, Taddei diz não guardar mágoa do Palmeiras: “Não, não, eu sou palmeirense. Absolutamente, não, muito pelo contrário. Eu tenho só que agradecer ao Palmeiras porque me profissionalizou, deu-me a oportunidade de virar jogador profissional... Podia ser diferente, poderiam ter chegado em mim e falado: ‘Ó, Taddei, a gente não vai mais contar com você, você pode procurar o seu espaço em outro lugar’. Ficaria muito mais uma coisa de homem, né, mas como não foi possível naquele período ali eu fiquei mal, porque se eu não tivesse o conhecimento do meu ex-treinador de futebol de salão eu teria praticamente encerrado a minha carreira... Mas magoado com o Palmeiras, não”, garante.

Seleções: disse não à italiana e esperou pela brasileira

O sucesso pela Roma, clube o qual defendeu por nove anos, fez Taddei ser sondado para defender a seleção italiana. O brasileiro agradeceu, mas disse não, por um bom motivo bem claro: não queria tirar o lugar de um italiano. Somado a isso, ainda aguardava por uma oportunidade para defender a seleção de seu país - oportunidade essa que nunca veio.

Taddei comemora gol pela Roma - AFP - AFP
Imagem: AFP
“Eu tive contato com o Lippi [Marcello Lippi, técnico italiano] para ir para a seleção italiana, quando a Itália foi campeã da Copa do Mundo, em 2006. Era um período que eu estava muito bem e que eu esperava uma convocação na seleção brasileira, e até por respeito aos italianos que querem jogar no seu país. Isso é um pensamento individual, eu não gostaria de ir por outro país e tirar o espaço de um jogador do país, então preferi ter esperado a seleção brasileira, que não veio por falta de comunicação minha aqui no Brasil, de contatos meus aqui no Brasil. Eu penso que naquele período poderia ter tido pelo menos uma convocação para um amistoso, para testar, poderiam ter feito, mas infelizmente não foi assim, tanto que na Roma eu estava muito bem, tinha 26 anos, e não sei porque... Vai ser difícil explicar porque eu não fui convocado. Eu acho que eu teria uma oportunidade naquele período, mas infelizmente não aconteceu”, lamenta Taddei, que garante não ter ficado arrependido com a decisão que tomou.

Eu não gostaria de ir por outro país e tirar o espaço de um jogador da Itália, então preferi ter esperado a seleção brasileira"

“Eu não me arrependi, não. Eu não gostaria de tomar posição de nenhum jogador de outro país, até pelos meus familiares, por amigos que gostariam de eu ter uma oportunidade na seleção do meu país, mas infelizmente não aconteceu”, diz.

VEJA OUTROS TRECHOS DA ENTREVISTA:

SALÃO E CAMPO PELO PALMEIRAS E MUITO APRENDIZADO

Jogador Rodrigo Taddei quando ainda criança - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Imagem: Reprodução/Facebook
Eu comecei no Nacional-SP e depois fui para o Palmeiras com 11 anos. Até os 17 anos eu joguei campo e salão, e com 17 para 18 anos eu me profissionalizei, na época em que o Felipão chegou ao Palmeiras. Aí eu larguei o salão e segui só no campo. Foi um bom início. Eu cheguei em um time que tinha muitas estrelas, um time acostumado a ganhar, e eu estava tendo a minha oportunidade no meio de muitos jogadores já de nome, de seleção, e os mais experientes, caso do Zinho, César Sampaio, Evair, e até os mais novos na época - o goleiro Marcão, o Alex, Roque Junior. Então teve uma mistura muito boa em que eu pude aproveitar as experiências dos jogadores mais velhos e aprender muito também com os mais novos que, apesar de mais novos, eram mais velhos do que eu. Então eu consegui aproveitar muito desses jogadores no início da minha carreira.

'OLHEIRO' MURTOSA E OS TÍTULOS PELO PALMEIRAS

Jogadores do Palmeiras comemoram título da Copa dos Campeões de 2000 - Eduardo Knapp/Folha Imagem - Eduardo Knapp/Folha Imagem
Imagem: Eduardo Knapp/Folha Imagem
Quando chegou o Felipão, pelas minhas características, eu pensei: ‘é agora que eu vou ter a minha oportunidade’, e deu certo. Na verdade, não foi o Felipão, foi o Murtosa, que acompanhava as categorias de base e passava para o Felipão quais eram os jogadores que poderiam ser aproveitados no time de cima, e naquele período a gente tinha um time bom na categoria de base, tanto é que subimos sete jogadores. Tinha eu, o Thiago Gentil, o Ferrugem, o Jorginho Paulista, os dois goleiros, Geovane e Fernando, o Daniel, volante... Então subiu bastante jogador e, pelo estilo de jogo que gostava o Felipão, eu soube que poderia aproveitar aquele momento, pela característica minha de jogo. Pelo Palmeiras eu conquistei o Rio São Paulo e a Copa dos Campeões de 2000. Foi um período especial porque era um período de mudança no Palmeiras em que o Felipão estava indo embora e ficou o Murtosa como o seu substituto, e a gente foi calado e desacreditado, com muitos jogadores novos. Comecei o torneio no banco e entrei contra o Flamengo e fui muito feliz com um gol - perdemos aquela partida por 2 a 1. E na segunda partida conseguimos ganhar por 1 a 0, e eu também fiz o gol, então para mim foi muito importante. Passamos nos pênaltis, chegamos à final e conseguimos ser campeões. Para mim foi a primeira conquista importante como profissional jogando, então ficou marcado.

TRÊS VICES PELA ROMA EM ‘ERA DE FENÔMENOS’

Eu joguei nove anos na Roma e conquistei duas Copas da Itália e uma Super Copa. Fomos tri vice do Campeonato Italiano. Infelizmente pegamos uma Era de fenômenos, tanto do Milan como da Inter do Mourinho, e acabamos não tendo muitas chances contra esses times.

PLANO DE ATUAR NOS EUA: “AINDA QUERO JOGAR”

Meu último clube foi o Peruggia, o contrato encerrou agora, na metade de 2017. Mas eu não encerrei a carreira, não. Ainda estou querendo jogar. Estou com 37 anos e treino todos os dias. Eu gostaria de ir para os EUA para ganhar uma experiência lá, fazer mais uns dois, três anos, mas também não quero ficar tomando o tempo de ninguém e nem enganando ninguém. Enquanto o físico aguentar, e se eu conseguir, eu gostaria de ter uma oportunidade nos EUA, até pela cultura também, aprender bem a língua para o futuro, porque 40 anos, 41, você está encerrando a carreira, então tem que tentar fazer alguma coisa de útil depois da carreira. Eu estou no aguardo. Vou aproveitar o final do ano, quando abre a janela nos EUA, e vamos ver se consigo.

ITÁLIA FORA DA COPA DO MUNDO DA RÚSSIA: “TRISTE”

É triste. É um período de mudanças, mas a Itália surpreendeu negativamente, porque tem muitos jogadores de qualidade como De Rossi, Fioretti e outros, então fiquei chateado porque é um grande que está fora do Mundial. Com todo respeito às outras seleções, mas sem a Itália perde um pouco... Seria o mesmo se a Argentina ficasse fora, ficaria um pouco murcho, sem graça; essa é a palavra certa. Perde o brilho, então fiquei muito triste pela eliminação da Itália.

PAIXÃO POR CACHORROS: “CUIDO COMO SE FOSSEM FILHOS”

Rodrigo Taddei acompanhado de seus dois cachorros - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Imagem: Reprodução/Facebook
Depois da família e dos amigos, são meus dois cachorros que me fizeram companhia, na Itália e aqui também, já trouxe para cá e está comigo. Cachorro é uma paixão que eu tenho desde pequeno, sobretudo Pastor Alemão. São presentes que eu ganhei e que eu cuido com muito carinho. Infelizmente filho eu não tive, então eu cuido deles como se fossem meus filhos. Eles te dão muito sem pedir nada em troca. Eu tenho amigos que trabalham num canil aqui de São Paulo, na GCM de Santana, que é o canil da Polícia. Eu visito muito lá porque eu tenho amigos que trabalham lá e fazem um trabalho muito bonito com os cachorros, e por eu ser um amante de animais eu vou muito lá. Eles fazem um trabalho muito sério com os cachorros.

PAIXÃO POR CRIANÇAS, QUE AINDA NÃO VIERAM

Em 2005 eu fui para a Roma e convivi com uma italiana por sete anos, mas não casei e infelizmente não tive filhos. Eu gosto muito de crianças, mas não deu, não era para ser, vamos dizer assim... Eu tinha outras prioridades, a cultura de lá é diferente, e acabou não dando certo.