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Novo diretor do Vitória ajudou Palmeiras a ter 'ano perfeito' na base

Erasmo Damiani trabalhou como coordenador de base da CBF entre 2015 e 2017 -  Lucas Figueiredo / MoWA Press
Erasmo Damiani trabalhou como coordenador de base da CBF entre 2015 e 2017 Imagem: Lucas Figueiredo / MoWA Press

Marcello De Vico

Do UOL, em Santos (SP)

21/12/2017 04h00

Dezesseis títulos e oito vice-campeonatos em 38 competições disputadas desde o mês de janeiro. Os meninos do Palmeiras deram show em 2017 e proporcionaram ao clube o melhor ano de sua história nas categorias de base. Fruto de um trabalho que, obviamente, não vem de hoje e passa pela mão de diversos profissionais, entre eles Erasmo Damiani, escolhido pelo recém-eleito presidente do Vitória (Ricardo David) para ser o novo homem forte do futebol rubro-negro.

Com larga experiência nas categorias de base, Erasmo Damiani tem no currículo títulos de grande expressão, o maior deles - segundo o próprio - o inédito ouro olímpico conquistado pela seleção brasileira em 2016, na função de coordenador das categorias de base da CBF. Bem antes disso, ele ajudou o Figueirense a conquistar a sua primeira e única Copa São Paulo de Futebol Júnior, em 2008, com o técnico Rogério Micale - aliás, descoberto pelo próprio Damiani.

Em entrevista exclusiva concedida ao UOL Esporte, o novo dirigente rubro-negro - que foi atleta de atletismo em sua juventude - conta detalhes de sua trajetória no futebol e fala sobre o trabalho de dois anos realizado no clube alviverde. Contratado em 2013, ele ainda aponta o ex-presidente Paulo Nobre como o grande responsável por mudar - para melhor - o pensamento do clube no que diz respeito à base.

O Palmeiras venceu o primeiro jogo contra o Corinthians na Copa do Brasil sub-17 - Fabio Menotti/Ag Palmeiras/Divulgação - Fabio Menotti/Ag Palmeiras/Divulgação
Sub-17 do Palmeiras conquistou o título inédito da Copa do Brasil, com direito a vitória sobre o Corinthians na decisão
Imagem: Fabio Menotti/Ag Palmeiras/Divulgação
"Começou com o Biasotto [Marco Antonio, ex-coordenador das categorias de base do Palmeiras], e depois chegou a minha vez e a do João Paulo [Sampaio, atual coordenador das categorias de base do Palmeiras]. Cada um foi dando o seu toque, melhorando... Se eu peguei o Palmeiras em uma condição não tão boa, o Biasotto pegou numa condição muito pior e ele tentou melhorar algumas coisas, e eu também fui melhorando do meu jeito como o João Paulo melhorou do jeito dele. É um conjunto nisso aí. Eu fico muito feliz quando eu vejo essa questão do Palmeiras porque era um clube grande desacreditado na questão da base, e hoje o Palmeiras está aí, brigando por tudo a nível nacional e estadual", diz.

A principal mudança foi que o Paulo Nobre pensou a base um pouco diferente dos outros presidentes"

"É um trabalho não só feito por mim, é um trabalho que vem lá de trás. Volto a falar do Biasotto. Eu só dei uma pitada de uma situação que eu achava e o João Paulo deu a dele. Foi um conjunto de cada um que culminou nisso. Mas eu acho que a principal mudança foi que o Paulo Nobre pensou a base um pouco diferente do que os outros presidentes do Palmeiras pensavam. Ele foi fundamental nisso. O Paulo Nobre deu condições para que nós pudéssemos começar a desenvolver um trabalho para que o Palmeiras, lá na frente, pudesse estar colhendo, dando uma sequência de trabalho", acrescenta o dirigente, que deixou o Palmeiras em 2015 para assumir a função de coordenador da base da CBF.

Início na CBF: "o que se tem num clube nós criamos ali"

Ao chegar na CBF, em 2015, Erasmo Damiani viu um cenário propício para mudanças. E trabalhou junto com o departamento de TI para implantar inúmeras melhorias na entidade.

"Nós começamos, na CBF, a implantar algumas coisas que não tinham dentro da casa: banco de dados, observação de jogadores, prospecção de crescimento desses atletas, metodologia de como se trabalharia o futebol... Foram vários itens que nós fomos, junto com o departamento de TI da CBF, fomos criando. Padronizamos o departamento pessoal da supervisão, contratamos profissionais, então treinador da 15, 17 e 20 eram profissionais da CBF, analista de desempenho. O que se tem num clube nós criamos ali e começamos a desenvolver o trabalho para que, daqui a quatro, cinco anos, você olhar quem são os jogadores que você tem no banco de dados", conta.

Ouro olímpico: sonho de quando ainda praticava atletismo

Em 2016, Erasmo Damiani, então coordenador das categorias de base da CBF, fez parte de um momento histórico na história da seleção brasileira olímpica: a conquista de sua única medalha de ouro, após vitória sobre a Alemanha na grande decisão, no Maracanã. Sem titubear, Damiani classifica este momento como o 'ápice' de sua carreira profissional até aqui.

Jogadores da seleção brasileira sobem ao pódio para receber a medalha de ouro - AFP - AFP
Imagem: AFP
"Ser campeão olímpico é bom demais. Eu fui atleta de atletismo e o meu sonho era disputar uma Olimpíada e ser campeão olímpico. Não consegui realizar como atleta de atletismo, mas realizei como coordenador de futebol. A sensação é indescritível. Se você pega o maior roteirista, maior diretor de filmes do mundo e fala: 'quero que tu faça um filme contando uma história de Brasil x Alemanha, de um 7 x 1, e daqui a dois anos você vai fazer de uma final de Olimpíada, no Maracanã, Brasil x Alemanha'. O cara ia fazer: 'é uma história, realmente, é uma utopia', e aconteceu. Os Deuses do futebol quiseram que esse confronto fosse realizado dois anos depois do 7 a 1", acrescenta Damiani, citando a vexatória derrota da seleção brasileira na semifinal da Copa de 2014.

Eu fui atleta de atletismo e o meu sonho era disputar uma Olimpíada e ser campeão olímpico"

De acordo com o dirigente, a chegada a Salvador na fase de grupos foi essencial para que a seleção reagisse depois de dois empates nas duas primeiras rodadas - contra África do Sul e Iraque. No terceiro jogo, na Fonte Nova, o Brasil passeou em campo e goleou a Dinamarca por 4 a 0: "Os dois resultados no início não abalaram o grupo, e a chegada a Salvador foi fundamental. Acho que o clima de Salvador contagiou o grupo dentro de campo e aí foi um crescimento enorme até a final. É a maior conquista minha. Não tem nem o que falar".

Saída da CBF: "a gente nunca fica satisfeito"

Damiani foi demitido da CBF em fevereiro deste ano. Pesou para a demissão a campanha ruim no Sul-Americano Sub-20, em que o Brasil ficou na quinta posição e perdeu vaga para o Mundial. Pelas palavras do ex-coordenador, uma atitude não muito justa por parte da entidade.

"A saída faz parte. Claro que a gente nunca fica satisfeito, porque eu era coordenador geral das categorias de base, e não da seleção sub-20. Mas a direção entendeu que teria que ser feita uma mudança, e fez. Ela tem seus motivos para que isso seja feito, então tem que se respeitar", disse.

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Parceria com Micale e título da Copinha com o Figueirense

Eu trabalhei no Figueirense como auxiliar de preparação física, preparador físico do profissional e depois eu saí e voltei em 2004, a convite do Edson Lima, para que eu pudesse trabalhar numa parte de reestruturação do departamento de base. Em 2005 nós trouxemos o Rogério Micale para ser treinador dos juniores depois que fomos ver um jogo do Londrina com o Atlético-PR na final do Campeonato Paranaense. Eu fui analisar o treinador, gostei do que tinha visto, a forma de jogar, postura fora de campo. Meu primeiro contato com o Rogério foi em 2005. E aí culminou, em 2008, com a conquista da Taça São Paulo.

Recusa ao Cruzeiro por 'continuidade de trabalho' na CBF

Quando eu recebi o convite do Cruzeiro nós já estávamos com a seleção montada para o Sul-Americana. Nós iríamos começar o trabalho. Eu coloquei prós e contras, e eu sempre falo em continuidade de trabalho. Eu também pensava nisso. Até então nós tínhamos convicção que o trabalho teria êxito, com a sub-15, a sub-17, a sub-20, mesmo com altitude, com todos problemas, nós achávamos que o Brasil poderia chegar ao Mundial. Claro que mexe você receber um convite de uma equipe como Cruzeiro, mas pensei muito na questão da continuidade. Pensei o seguinte: 'Comecei um ciclo em 2015 com dois Mundiais. Quero terminar 2017 com dois Mundiais, e aí sim, minha passagem na CBF teve início, meio e fim'.

Força do Vitória na base ajudou na decisão: "tem todo um atrativo"

Você vir trabalhar num clube que tem muita força na sua categoria de base, que acredita e que você gosta, fica mais fácil de trabalhar. Mas, principalmente, pela leitura do presidente. Ele quer que o clube se volte para a categoria de base, ele acha que o clube precisa olhar a base com mais carinho. E não só o Vitória. Os clubes do Brasil estão precisando. Está uma escassez financeira muito grande. Você hoje está tendo dificuldade de contratar, é só ver o mercado como está. Então você tem que ter essa criatividade de buscar na sua categoria de base atletas que possam estar suprindo eventuais contratações, você diminuindo a sua folha, um jogador que mais para frente pode dar um retorno financeiro para o clube. O Vitória tem todo um atrativo para quem gosta desse tipo de trabalho.

Início de trabalho no Vitória: "tenho que entender como funciona"

Cinco dias desde quando assumimos. Conheci um pouco... Como é a metodologia de trabalho, como é que pensam aqui... Não posso chegar aqui, achar que está tudo errado e mudar tudo. Eu tenho que entender como funciona aqui, respeitar a tradição, a forma da cultura do povo baiano, então eu não posso simplesmente chegar aqui e mudar tudo. Eu tenho que conhecer. Conhecer como é que se faz, como que se trabalha aqui dentro, conhecer as pessoas, dar condições para que as pessoas possam trabalhar para que a gente possa ter um sucesso dentro do ano.

Calma na hora de contratar: "não posso trazer dez jogadores"

O mercado está difícil para todo mundo. É claro que a gente está tentando trazer jogadores que venham qualificar o plantel. Não é fácil porque o Vitória, como qualquer outro clube, passa por uma condição financeira não muito boa. Você tem que ter um equilíbrio. Ainda não tenho o orçamento para que eu possa trabalhar, do que eu posso fazer. Então é prometer que nós vamos, aos poucos, trazer jogadores que possam estar honrando a camisa, jogando com vontade, que queiram jogar pelo Vitória para que dê alegria para a torcida e, aí sim, nós termos tranquilidade de montar a equipe. Eu não posso em um primeiro momento trazer dez jogadores. Agora é um período de férias, Natal, Ano Novo, e fica difícil. O mercado está muito agitado. Muita especulação e pouca movimentação. Ofertas tem várias. Mas a gente tem que analisar se vale a pena, conversando sempre com o Mancini. Não posso trazer um jogador sem ter conversado com o treinador porque, lá dentro de campo, pode trazer problema para o treinador.