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Maior goleiro da história do City foi soldado nazista na Segunda Guerra

Bert Trautmann foi paraquedista pela Alemanha nazista antes de chegar ao City - Reprodução
Bert Trautmann foi paraquedista pela Alemanha nazista antes de chegar ao City Imagem: Reprodução

Bruno Freitas

Do UOL, em São Paulo

16/02/2018 04h00

A posição que é ocupada hoje pelo brasileiro Ederson no Manchester City tem em Bert Trautmann a sua maior figura na história. Considerado o maior goleiro do clube inglês em todos os tempos, o alemão é dono de uma das biografias mais pitorescas do futebol. Tudo porque, antes de virar um ídolo na Inglaterra, com direito a título com o pescoço quebrado, o jogador defendeu o exército nazista de Hitler na Segunda Guerra Mundial.

Nascido em 1923, Trautmann era um rapaz da cidade de Bremen no início da Segunda Guerra. Como tantos jovens da época em seu país, foi seduzido pelo discurso ideológico nazista e se envolveu com a Juventude Hitlerista. Adiante, o então futuro jogador do City se alistou na Luftwaffe, a divisão aérea das Forças Armadas alemãs da época. Em pouco tempo seria enviado para lutar na Frente Oriental e ganhou cinco medalhas de honra por missões executadas no Leste europeu, inclusive ao sobreviver a um massacre imposto pelos rivais do Exército Vermelho soviético.

Mais para o fim da guerra, Trautmann foi promovido a sargento e transferido para a Frente Ocidental, onde acabou capturado por forças britânicas em uma batalha em que apenas 90 de mais de mil soldados alemães sobreviveram. O jovem então passou um período num campo de prisioneiros na Bélgica, mas logo foi transferido para território inglês. Ficou então em Malbury Hall, onde combinava o trabalho agrícola como detento com a atividade esportiva.

Com um preparo privilegiado e aptidão por atividades físicas, tralhada nos tempos de Juventude Hitlerista, o alemão se destacou como goleiro em partidas de futebol organizadas dentro do campo de prisioneiros. Logo seria convidado para defender o time amador do St. Helens Town, nas imediações da cidade de Wigan.  

Em 1948, Trautmann recusou uma oferta de repatriação e foi definitivamente libertado. Então, com 25 anos, iniciava tardiamente sua carreira no futebol. Em pouco tempo, chamou a atenção de alguns clubes maiores da Inglaterra e acabou acertando contrato com o Manchester City. 

No início, protestos. Depois veio a idolatria

A contratação de Bert Trautmann pelo City em 1949 foi tratada como um escândalo na Inglaterra pós-guerra, ainda em meio às feridas abertas no embate com Hitler. O goleiro inicialmente assinou por uma temporada e, logo nos primeiros treinos, foi recebido por faixas de torcedores com a inscrição: “fora alemão”. A imprensa local também foi crítica à presença do ex-soldado nazista, assim como alguns jogadores da elite do Campeonato Inglês.   

Bert Trautmann recebe homenagem do Manchester City dentro de campo - Reprodução - Reprodução
Bert Trautmann (direita) recebe homenagem do Manchester City dentro de campo
Imagem: Reprodução

Mas, aos poucos, o goleiro foi dobrando a resistência através de grandes atuações. Com estilo destemido, Trautmann brilhou em sua primeira partida em Londres, sendo aplaudido pelos adversários do Fulham após a vitória do City por 1 a 0.

O auge da carreira do alemão aconteceu na temporada 1955-1956, quando foi eleito o melhor jogador do Campeonato Inglês, com o City terminando na quarta colocação. O goleiro levou sua carreira no clube até 1964 – ao todo foram 15 anos vestindo a camisa azul. O antigo prisioneiro de guerra é o 4º jogador que mais defendeu o time de Manchester na história (o primeiro entre os estrangeiros), com 545 jogos. 

A lendária final: campeão com o pescoço quebrado

Apesar dos 15 anos de serviços prestados ao Manchester City, Bert Trautmann virou uma lenda do futebol inglês graças a um episódio específico. Trata-se da final da Copa da Inglaterra de 1956, diante do Birmingham City, no estádio de Wembley, diante de um público estimado em 100 mil pessoas.

Capa do jornal The Sun retrata o dia em que Bert Trautmann jogou pelo City com o pescoço quebrado - Reprodução/The Sun - Reprodução/The Sun
Capa do jornal "The Sun" retrata dia em que Trautmann jogou com pescoço quebrado
Imagem: Reprodução/The Sun

Restando 17 minutos para o final da partida, o goleiro sofreu uma grave lesão após se chocar com Peter Murphy. Mesmo desta maneira, seguiu em campo. Com muitas dores, Trautmann levou a mão à altura do pescoço diversas vezes, mas ainda assim foi fundamental nos minutos decisivos para preservar o placar de 3 a 1 a favor do campeão Manchester City.

Três dias depois do jogo, um raio-X mostrou que havia cinco vértebras do goleiro deslocadas, sendo que uma delas estava partida em dois. A grave lesão afastou Trautmann do futebol por mais de um ano.

"Herói da final da Copa da Inglaterra esteve próximo da morte, diz médico", estampou a capa do jornal "The Sun", após a confirmação da gravidade da lesão do jogador do Manchester City.

Um diplomata nas relações anglo-alemãs

Depois de deixar o futebol profissional em 1964, o ídolo do Manchester City se reconciliou com o país de origem graças ao esporte. Aposentado como atleta, Trautmann se envolveu em missões de divulgação da federação alemã em projetos na Birmânia, Libéria, Tanzânia e Paquistão.

Jogadores e torcida do Manchester City homenageiam Bert Trautmann no dia de sua morte - Alex Livesey/Getty Images - Alex Livesey/Getty Images
Jogadores e torcida do City homenageiam Bert Trautmann no dia de sua morte
Imagem: Alex Livesey/Getty Images

Informalmente, serviu também como uma espécie de diplomata em ações de relacionamento entre a Alemanha e a Inglaterra, trabalhando como técnico de categorias de base em ambos os países. Em 2004 foi nomeado como honorário oficial da Ordem do Império Britânico por promover o futebol anglo-alemão.

Bert Trautmann morreu em 2013, aos 89 anos, em sua casa na cidade de Valência, na Espanha, vítima de problemas de coração. Na oportunidade, o antigo goleiro recebeu uma série de homenagens, principalmente da parte do Manchester City e da federação alemã. O ídolo é até hoje um dos poucos não-britânicos a figurar no hall da fama do futebol local.