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Comunista, militar e condenado à morte; o presidente que o Real esconde

Antonio Ortega Gutierrez foi presidente do Real Madrid na década de 30 - Reprodução
Antonio Ortega Gutierrez foi presidente do Real Madrid na década de 30 Imagem: Reprodução

Thiago Arantes

Colaboração para o UOL

18/02/2018 04h00

O Real Madrid, maior campeão da Champions League e um dos clubes mais poderosos do mundo tem um vazio em sua história. Para muito além dos títulos, dos ídolos e dos gols, o gigante europeu esconde qualquer referência a um homem que tentou mudar o destino do clube e da própria Espanha.

No site oficial, a lista de presidentes dá um salto: de Rafael Sánchez-Guerra, mandatário em 1935-36 para Adolfo Meléndez, 1939-40. Entre ambos, existe um vácuo que o museu do clube - visitado pelo UOL - também não mostra. E nada disso é por acaso.

O período equivale ao da Guerra Civil Espanhola, quando houve dois presidentes no clube. O primeiro, mais conhecido, foi Juan José Vallejo. O segundo, sobre o qual há poucas referências, é Antonio Ortega Gutiérrez, um coronel do exército, filiado ao partido comunista e defensor da Segunda República Espanhola, regime democrático que durou entre 1931 e 1939.

Mas por que o Real Madrid esconde a história de um de seus presidentes? Em sua edição deste mês, a revista catalã Sapiens, referência em conteúdo de história, explica alguns dos motivos e coloca luz sobre um período sombrio, não apenas do maior clube espanhol, mas também da história do país.

O Real Madrid da década de 1930 era bem diferente de tudo o que aconteceu antes e depois na história do clube. Em 1931, com o início da Segunda República espanhola, o clube suprimiu qualquer referência à monarquia: deixou de ser “Real” e voltou a chamar-se Madrid

Entre esses grupos estavam o exército republicano e o Partido Comunista Espanhol (PCE). Grupos que antes eram admiradores distantes, que nem sequer frequentavam o campo de Chamartín, rapidamente passaram a escalar os degraus de poder dentro do clube. Com a Guerra Civil, em 1936, tanto o exército quanto o PCE consideravam a presidência do Madrid FC uma posição estratégica.

Foi assim que, em 1937, Antonio Ortega chegou ao cargo. As informações exatas sobre como e quando ele foi escolhido não estão registradas. O que se sabe é que o general chegou com a imagem de herói de guerra - meses antes, tinha se tornado um ícone da luta contra as forças fascistas de Francisco Franco, ao comandar a defesa de Madri no embate com as tropas do futuro ditador.

No breve período da presidência de Ortega, o Real Madrid não disputou partidas oficiais - a Liga Espanhola e a Copa do Rei estavam suspensas por causa da Guerra Civil. Sem bola rolando, o estádio de Chamartín era palco de desfiles e treinamentos do Exército Republicano e de encontros da juventude socialista. O então presidente tentou incluir o Madrid FC na Liga Mediterrânea, disputada por times da Catalunha, País Valenciano e Ilhas Baleares. O Barcelona vetou a ideia, alegando que, naquele período de instabilidade, qualquer aproximação com Madri poderia causar problemas no futuro.

Negado o pedido, o então presidente passou a trabalhar em outras frentes. Sem o time em campo, concentrou-se na luta contra duas atividades que considerava nocivas para o futuro da república: as touradas - que foram banidas por dois anos - e as apostas em eventos e esportivos (principalmente corridas de cavalos), para ele um gasto de dinheiro desnecessário em época de guerra. Além disso, Ortega foi o primeiro presidente do Real Madrid a falar sobre a construção de um grande estádio. “Temos que ter o maior estádio da Europa”, disse em uma entrevista para a revista Blanco y Negro, único registro jornalístico de sua passagem pelo cargo.

Em 1939, com o avanço das forças de Francisco Franco, a situação em Madri ficou insustentável. Sem força política e militar, Ortega rumou para Alicante, de onde saíam barcos com republicanos que fugiam da Espanha. No entanto, ele não conseguiu escapar: foi preso, julgado e condenado à morte.

Antonio Ortega, o presidente que o Real Madrid apagou de sua história, foi executado em 15 de julho de 1939, aos 51 anos. A execução foi uma das primeiras de prisioneiros republicanos após o fim da Guerra Civil, e foi vista como uma mensagem do que viria nos anos seguintes.

Após a derrota republicana, a história do Madrid FC mudou outra vez. Em 1941, já sob o governo ditatorial de Francisco Franco, o clube voltou a receber a alcunha Real, com a coroa em seu escudo, passando a se chamar Real Madrid Club de Fútbol, nome que mantém até hoje. Dois anos depois, em 1943, Santiago Bernabéu assumiu a presidência. Ex-jogador do clube, ele havia passado dois anos refugiado na embaixada da França durante a guerra, temendo represálias por ser abertamente pró-monarquia e anti-republicano.  

Ironicamente, foi Bernabéu quem realizou o sonho de Antonio Ortega. Em 1944, o Real Madrid comprou - com a ajuda do governo - um terreno ao lado do antigo campo de Chamartín. O Novo Estádio de Chamartín foi inaugurado em 1947; em 1955, a diretoria votou pela troca do nome para Estádio Santiago Bernabéu, imortalizando o mais famoso presidente da história do Real Madrid.