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Abel se emociona ao lembrar morte de filho: força interior que desconhecia

Divulgação / Instagram
Imagem: Divulgação / Instagram

Do UOL, em São Paulo

02/03/2018 14h59

Sete meses após a morte de seu filho João Pedro, o técnico do Fluminense, Abel Braga, disse ter encontrado forças que desconhecia para lidar com a tragédia. Em um discurso emocionado em entrevista para o programa “Seleção SporTV” desta sexta-feira, o treinador abriu o coração para dizer como encontrou conforto nos amigos, familiares e no apoio dos torcedores.

"Primeiro que eu sou um cara extremamente religioso. Confio muito em Deus, tenho uma família fantástica. Um filho fantástico, mulher fantástica, amigos fantásticos, que são aqueles que não precisam ligar todos os dias. Consegui separar bem o momento da lagrima, do choro. Tem hora que (choro) em conjunto com a mulher, porque sabemos que essa saudade não se apaga, a dor, esse vão que fica na nossa frente que não vamos conseguir reconstruir. Você fica meio sem chão. Mas o meu trabalho e a solidariedade que recebi do país...”, disse.

Abel Braga diz que um amigo o fez enxergar o acidente – João Pedro caiu da cobertura do apartamento da família no Rio de Janeiro – de uma maneira que o ajuda a encontrar conforto.

“Ele foi cedo, e agente pergunta o porquê. E essa é a pergunta da minha mulher: ‘por que teria que ir com 19 anos se não viveu nada, não me deu neto? Por que Deus levou ele? Por que era o tempo dele?' O pai e mãe não entendem isso. Um amigo espírita me disse que ele tinha vindo fazer uma missão muito curta aqui e eu fico perguntando sempre que missão é essa”, disse.

“E essa solidariedade foi fantástica, de clube, do país e dos meus torcedores principalmente. Ele quis mostrar para o Brasil em que eu, como treinador, como ser humano... Não sei se ele quis aumentar muito essa relação marido, mulher, filho (Fábio), de a gente agora estar sempre muito mais agarrados. Apesar de tudo, com muito mais preocupação de um com o outro, até pela realidade que vivemos no Rio. Eu não consigo entender. É um tempo muito curto. Mas creio que isso (aconteceu), me senti forte de uma coisa que eu desconhecia”, completou.

A saudade do filho faz Abel, inclusive, fazer alterações em sua rotina. O treinador contou que frequentemente muda de caminho quando está voltando dos treinos do Fluminense porque recebeu o telefonema sobre o acidente quando estava no túnel Lagoa-Barra.

“Quando recebi a notícia de que ele tinha caído, estava indo de volta do treino, no túnel Lagoa-Barra. E muito difícil passar ali, quando eu estou muito sensível faço (o caminho) pela (avenida) Niemeyer. Tem hora que estou entrando bem no túnel e não consigo parar de ouvir a voz do meu filho (Fabio). Foi o Fabio que (ligou) e ficou com ele no play (playground, onde João caiu)”. João estava no play. (Daí pensei) Eu moro no andar tal, caiu, perdi meu filho. Tem hora que vem essa voz, essa coisa, muito duro”, disse.

Ele ainda disse que tem dificuldades para voltar a tocar piano, uma de suas paixões desde jovem. "Minha mãe tocava piano e meu pai adorava música e seresta. Comecei a aprender piano, depois estudei e até hoje toco alguma coisa. Eu tenho um piano que ganhei de Dias dos Namorados da minha esposa. Eu só toquei duas vezes porque sempre no dia 29, que é o dia do falecimento do João, os amigos sempre postam algo nesta data. E uma foto que ficou muito marcante foi de ele sentado no piano”, disse.

Para Abel, a força que recebeu e a certeza de que ajudou outras pessoas que passaram por situação parecida também o ajudaram a sentir mais conforto. Ele até hoje recebe mensagens de apoio e agradecimento por ter sido exemplo de força em um momento de extrema dor. 

“Mas vim ter essa força interior principalmente pela minha religiosidade, mas acima de tudo está sendo um exemplo a ser seguido para quem tem a perda, para quem perde um jogo com ontem. Isso não abala, tem que continuar melhor para nunca fazer amanhã igual fez hoje. Procurar cada vez mais autenticidade que tenho muito, clareza, convicção das minhas decisões, certas ou erradas, como ontem, na substituição. Mas é uma força que eu desconhecia e ele me fez saber que eu tenho isso o que é legal porque até hoje eu recebo uma solidariedade. Recebi muitas cartas enviadas e isso serviu de exemplo para quem passou por situações como essa", finalizou.

Confira mais declarações da entrevista de Abel Braga:

Sobre trabalhar no futebol paulista

“Quando eu tive convite? O Andrés (Sanchez, atual presidente do Corinthians) me chamou antes da ida do Tite (para a seleção, em 2016). Eu estava com contrato em vigor (com o Al-Jazira, dos Emirados Árabes). Nunca fiz isso na minha carreira, por maior que fosse o dinheiro. Acho que é por isso que eu sou uma pessoa abençoada nesses 24 títulos da minha carreira – 25 com a Taça Guanabara do ano passado.”

“Eu sempre menciono isso, e quero citar a pessoa: era o diretor de futebol do Palmeiras (em 2008), o Toninho Cecílio. Ele me chamou assim que eu fui para os Emirados Árabes pela primeira vez. Quando eu voltei de férias no ano seguinte, ele me chamou de novo e eu disse: ‘Acabei de assinar um contrato de dois anos agora com o Al-Jazira’.”

“Conheci uma pessoa que eu não sei dizer se faz parte da direção do Santos hoje ou não, mas me encantou pela autenticidade, o José Carlos – não lembro o sobrenome. Ele me ligou nos Emirados e disse: ‘Abel, queremos que você venha para cá’. Eu falei: ‘Não é impossível, (mas) meu contrato não acabou, não vou romper meu contrato agora para ir ao Santos’. E eu tenho uma admiração diferente pelo Santos. Por quê? Em 1962, a primeira vez que eu entrei no Maracanã, foi para ver Santos x Milan.”

“Teve depois o Palmeiras novamente, vocês sabem. O São Paulo, em 2014, foi depois que eu deixei o Inter - eu estava nos EUA, mas estava acertada minha ida ao Al-Jazira em 2015. O Gustavo, filho do Sócrates era o executivo.”

Um Adriano Gabiru decidindo um Mundial em 2018?

“Hoje seria difícil para ele. Naquela oportunidade (em 2006), não. Doze anos atrás, futebol era diferente. Se você quer uma explicação, tenho certeza absoluta de que você leu a entrevista do Cristiano Ronaldo. Ele retrata ali o que se passa. ‘Nós só tínhamos que ser nós mesmos, porque não tinha condição de o Grêmio ganhar da gente’. É um futebol com uma intensidade completamente diferente.”

Por que o Alexandre Pato de 2006 não virou craque?

“Ele teve uma preparação muito especial (em 2006). Quando existia coletivo, (o time) jogava quarta-feira e ia fazer coletiva na quinta para dar ritmo a quem não vinha jogando. Eu chamava o Pato, ele vinha treinar dentro do Beira-Rio com portão fechado, para ninguém ver o que ele estava fazendo. Isso levou meses. Ele e o empresário, o Gilmar Veloz, eles não queriam renovar, não estava havendo de renovação de contrato, e nós sabíamos o que seria aquele cara. Aí houve a renovação de contrato, mas eu não queria que ninguém visse ele.”

“No dia do jogo com o Palmeiras (estreia de Pato em 2006), ninguém viu (antes) e ele entrou em campo. Todo mundo viu o que aconteceu (vitória por 4 a 1 do Inter em SP, com um gol de Pato).”

“Ele continuou sendo esse jogador fenomenal e foi para a Itália (em 2007). Depois de alguns anos, encontrei o (empresário) Jorge Mendes em um hotel em Ipanema com o Deco. Já conhecia um pouco o Jorge, mas não tinha uma relação próxima. Fomos para a piscina do hotel, conversando de costas para a piscina. Conversar com o Jorge é impossível – ele anda com dois telefones, fala em um, fala no outro, não dá uma palavra contigo. Daqui a pouco, o Deco me fala: ‘Olha quem está lá’. Era o Pato dentro da piscina. Fui abraçar o cara. Quando eu abracei, ele parecia ferro. Eu disse: ‘Ô, Pato, está ficando robô, vai perder o que tinha, estão te botando massa em excesso’. Ele disse que estava tendo algumas contusões, bem no início. Acho que isso atrapalhou muito ele. Se ele estivesse num futebol mais leve, como o francês, o espanhol, ele teria – creio eu – uma situação de chegar onde ele chegou, mas não conseguiu manter. È um cara do bem.”