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Como modelo geométrico quer ajudar a aprimorar posicionamento de goleiros

Gianluigi Buffon, goleiro da Juventus, foi alvo de estudo  - Glyn Kirk/AFP
Gianluigi Buffon, goleiro da Juventus, foi alvo de estudo Imagem: Glyn Kirk/AFP

Lucas Pastore

Do UOL, em São Paulo

23/03/2018 04h00

A preparação de goleiros profissionais pode ganhar um aliado matemático se assim desejar. Trata-se de modelo geométrico publicado por Leonardo Lamas, Rene Drezner, Guilherme Otrato e Junior Barrera, que busca indicar o melhor posicionamento para um jogador da posição para executar uma defesa tomando como referência o lugar em que a bola está.

A ideia surgiu com motivação familiar de Barrera, recentemente eleito diretor do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (IME-USP). Seu filho, ainda criança, pareceu "diminuir" quando trocou o futsal pelo futebol de campo. Por isso, o pesquisador pensou: como otimizar seu desempenho sabendo que o gol defendido passou a ser bem maior?

Em 2009, durante processo para trabalhar e refinar modelo de posicionamento para goleiros, Barrera conheceu Lamas, atualmente na Faculdade de Educação Física da Universidade de Brasília (UnB), por meio de Fernando Seabra, hoje assistente do sub-20 do Corinthians, que na época fazia seu mestrado co-orientado por Barrera. Depois, se juntaram ao trabalho Otranto, também do IME-USP, e Drezner, pesquisador da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (EEFE-USP).

Drezner já trabalhou como consultor em departamentos de análise de desempenho de clubes profissionais. Sua experiência ajudou o quarteto a pesquisar e refinar situações ofensivas para relacioná-las ao posicionamento de goleiros em cada lance. Além disso, o projeto teve apoio da FAPESP.

A primeira tentativa tomou como base uma edição do Campeonato Brasileiro. Porém, o artigo foi rejeitado na primeira tentativa de publicação, e a observação feita pelo avaliador alavancou o trabalho a um nível superior e ainda mais original ao abordar o problema.

Isso porque os pesquisadores, a princípio, tomaram como base o resultado final do lance para avaliar se o posicionamento do goleiro tinha sido bom. A crítica feita pelo revisor atacava justamente esse ponto. Avaliar a decisão do goleiro a partir do resultado é diferente de analisar a decisão do goleiro no momento em que ela acontece, ou seja, no momento do chute. Assim, havia a possibilidade de avaliar a qualidade das decisões do goleiro, avaliando-o apenas pelo seu posicionamento no instante de uma finalização.

"Avaliar decisão é crucial em qualquer esporte coletivo. No caso do goleiro, ele pode levar um gol estando bem posicionado, muitos ‘frangos’ acontecem assim. Da mesma forma, ele pode fazer uma defesa performática para um lance que poderia ter sido resolvido de maneira mais fácil, simplesmente por estar mal posicionado e ter que se esticar todo para chegar na bola. Isso quando não acaba tomando o gol", disse Lamas, ao UOL Esporte.

Foi sob este mote que o estudo foi atualizado. Com uso de enorme banco de dados de lances, buscou-se calcular a probabilidade de uma defesa, tomando como referências a posição da bola e dos jogadores envolvidos. O novo texto foi aprovado e publicado em um periódico americano.

Leonardo Lamas, pesquisador da Faculdade de Educação Física da UnB - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Leonardo Lamas, pesquisador da Faculdade de Educação Física da UnB
Imagem: Arquivo Pessoal

Aplicações práticas

De acordo com Lamas, primeiro autor do projeto, o resultado do estudo tem duas aplicações práticas para clubes profissionais. A primeira é na preparação de goleiros por meio de treinos, e o segundo na análise de desempenho de jogadores da posição. 

"Hoje, em muitos contextos de prática, os treinos de goleiros têm ênfase técnica e física muito grande e pouco treino de inteligência, posicionamento. Pensando na motivação inicial da pesquisa, o desafio do filho do Junior quando migrou do futsal para o futebol de campo é semelhante ao que se apresenta a qualquer goleiro. Quanto melhor se posicionar, menor fica o gol", declarou.

A segunda aplicação prática do estudo tem a ver com análise de desempenho. Tomando como base o modelo, é possível corrigir possíveis problemas dos goleiros de um clube, procurar falhas recorrentes de posicionamento de adversários e refinar a busca por reforços para a posição.

"É possível buscar em uma base de dados lances semelhantes ao que se está analisando. Em um exemplo simplificado, você pega cem lances com a bola sendo chutada do mesmo lugar por jogadores da mesma característica. Em 95 lances, o goleiro que estava em determinada posição defendeu. Obviamente esse posicionamento dá indícios de uma alta probabilidade de defesa comparado a outro posicionamento no qual em cem lances, defende-se apenas cinco vezes", comparou o estudioso da UnB, sempre fazendo a ressalva sobre a importância de se separar a ação técnica da avaliação, que tem foco em posicionamento.

“Essa análise não leva em conta a ação técnica. Cada lance tem uma particularidade: o goleiro pode estar bem posicionado, mas levar um frango. É importante diferenciar o desempenho cognitivo, de posicionamento, do técnico”, explicou.

Por enquanto, o estudo leva em consideração apenas a posição da bola. Esta primeira versão não leva em conta, por exemplo, se o atacante era destro ou canhoto, ou se a bola estava no chão ou pingando.

Objetos de estudo

Julio Cesar, goleiro do Flamengo - Gilvan de Souza/Flamengo - Gilvan de Souza/Flamengo
Julio Cesar, goleiro do Flamengo
Imagem: Gilvan de Souza/Flamengo

Para validar o artigo, o quarteto de pesquisadores comparou o modelo desenvolvido ao posicionamento de goleiros de elite, como Gianluiggi Buffon, da Juventus, e Julio Cesar, do Flamengo. O resultado ajudou a dar credibilidade ao estudo.

"Na sessão de resultados, boa parte é validada ao se colocar Buffon e Júlio César à luz dos dados. Na maioria das situações, o Julio tem desempenho semelhante aos resultados do modelo", contou Lamas.

Mesmo se tratando de goleiros de elite, o estudo ainda podia ajudar em pequenas correções visando a melhoria do desempenho de jogadores da posição.

"Em diferentes lances, os dois profissionais têm certa variabilidade de posicionamento para situações ofensivas semelhantes. Mesmo com desempenho bom, variam o posicionamento mais do que o necessário. Talvez como resultado de uma tentativa de ludibriar os atacantes, que pode ser arriscada porque pode prejudicar o melhor posicionamento", avaliou.

Por enquanto, os pesquisadores não foram procurados por clubes profissionais para a aplicação do modelo. Segundo Lamas, o estudo já é utilizado na Academia Fechando o Gol, escola de goleiros de Zetti, ex-jogador que fez história na posição.