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Cristiane espera apoio na Copa América: "Não só quando o masculino vai mal"

Minas Panagiotakis/Getty Images
Imagem: Minas Panagiotakis/Getty Images

Ana Carolina Silva

Do UOL, em São Paulo

03/04/2018 07h50

A Copa América feminina começa nesta quarta-feira (4), no Chile, e o Brasil estreia no dia seguinte contra a Argentina. Depois de anunciar que deixaria a seleção em setembro do ano passado, Cristiane está de volta para a disputa e tenta transmitir sua experiência para as colegas. Mas um triunfo da equipe pode depender do apoio da torcida brasileira.

“As pessoas não podem enxergar o futebol feminino só quando acontece algo ruim com o masculino. Infelizmente, em todos os anos foi assim: o masculino vai mal em uma Copa ou Olimpíada, nós nos destacamos, e as pessoas passam a enxergar o futebol feminino”, desabafou a atacante ao UOL Esporte. Durante o torneio, ela reeditará a parceria com outras duas veteranas: Marta e Formiga.

“Não tem que ser assim, o feminino tem que ser enxergado sem precisar de um tropeço do masculino. Quem realmente gosta tem que acompanhar, torcer e fazer com que a modalidade cresça mais ainda. Não só quando tiver um problema com o masculino. Isso ainda chateia a gente”, lamentou. “A Copa América sempre é uma competição chata, então vamos com força máxima". 

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Imagem: Stuart Franklin/FIFA via Getty Images

O apelo vem na voz de um dos principais nomes do futebol feminino, já que Cristiane é a maior goleadora da história do futebol nos Jogos Olímpicos, entre homens e mulheres. Em setembro do ano passado, no entanto, a demissão da treinadora Emily Lima coincidiu com uma decisão que a atacante já considerava há anos: deixar a seleção.

Na época, a jogadora tratou a decisão como “a mais difícil” de toda a sua vida profissional. “Não vejo alternativa por conta dos acontecimentos, e por coisas que eu já não tenho mais forças para aguentar. Aguentei por 17 anos, mas não consigo mais. Hoje se encerra meu ciclo na seleção brasileira”, anunciou na ocasião.

“Era uma maneira de o meu recado chegar até o presidente [da CBF, Marco Polo del Nero], coisa que nunca aconteceu antes. Isso foi uma maneira de chamar a atenção dele para o descaso quanto a algumas coisas, e o meu cansaço por tentar e não ter um retorno positivo”, explicou a artilheira, desta vez ao UOL.

"Nós temos muitas ideias para a seleção e o futebol feminino no geral. A gente meio que vira um disco virado. Todas as vezes a gente fala as coisas que precisam acontecer para a modalidade evoluir, a pessoa te escuta e depois finge que nada aconteceu. Primeiro tem que ter vontade", disse.

Em fevereiro, cinco meses depois de deixar a equipe, ela viu algo mudar e anunciou que voltaria a defender o Brasil. Questionada sobre os motivos que a levaram de volta ao time de Vadão, Cristiane disse que as coisas estão melhorando, mesmo que lentamente.

“Foi devagar, foi pouco, mas algumas coisas mudaram. Premiações e direito de imagem, por exemplo, foram coisas que eu reivindiquei quando saí da seleção. Agora em todas as categorias tem pelo menos uma mulher. É o jeito deles, da maneira deles. É devagar e pouco, mas começaram a se movimentar”, contou.

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Imagem: Rick Rycroft/AP

Ela não foi poupada das críticas nos dois momentos. "Foi uma decisão muito minha, pessoal. Fui criticada dos dois jeitos, quando saí e voltei. Mas eu não tenho como agradar todo mundo, a gente tem que procurar sempre o que é melhor para a modalidade”, ressaltou Cristiane, que afirma que não vê qualquer problema em trabalhar sob o comando de Vadão mais uma vez.

“As pessoas confundiram muito a minha decisão como uma mobilização para a Emily. Não foi isso que me fez sair, eu tive os meus motivos. Eram motivos meus, que eu carregava há muitos anos aqui. Eu e a conhecia, mas não tinha grande amizade. O meu debate com eles era voltado a todas as outras coisas, não a demissão da Emily. Não tenho problema com a Emily, nem com o Vadão”, disse.

Aos 32 anos, Cristiane já calcula que terá 35 em 2020, nos Jogos Olímpicos de Tóquio. Ainda há muito tempo até lá, mas o Japão deve ser o ponto final de sua longa história com a seleção. “Eu acho que estou mesmo no meu último ciclo na seleção, porque vou disputar minha última Olimpíada com 35 anos. Depois vamos ver até quando meu corpo vai aguentar, até quando vou ter vontade”, encerrou.

marta - Lars Baron/FIFA via Getty Images - Lars Baron/FIFA via Getty Images
Na Copa América, Marta e Cristiane vão reeditar parceria no ataque (a foto é de 2015)
Imagem: Lars Baron/FIFA via Getty Images

Leia outros trechos da entrevista com Cristiane:

Considerando as críticas às goleiras, o gol precisa diminuir?

Não tem que mudar nada, você não tem que diminuir o gol, a questão não é essa. Esse é o problema, talvez a gente não tenha uma qualidade técnica tão grande das goleiras porque a maioria começa a jogar bola um pouco mais velha.

Elas não têm categoria de base como os meninos, não começam com 7 anos de idade em um clube profissional, com todo o trabalho e desenvolvimento para não ter problemas na idade adulta.

As pessoas julgam, falam, criticam... Ninguém quer que diminua o gol, nem eu e nem a goleira. A diferença é que muitas mulheres começam a jogar futebol um pouco mais velhas. Até você ganhar todo o trabalho para se desenvolver, acaba sendo tarde.

Diferenças que sentiu quando jogou nos EUA

Nos EUA não tem nem comparação, parece até que o futebol feminino é maior que o masculino. Isso já vem desde criança, desde que a menina é pequenininha. Incentivando nas escolas e nas faculdades, porque eles têm isso muito grande, essa junção com universidade...

Eles ficam até bobos de falar que o Brasil é o país do futebol, perguntam: por que não tem isso com o futebol feminino? As meninas lá de fora ficam sem entender como é que a gente tem grandes talentos, jogadoras excepcionais, e não consegue desenvolver.

Ida para o Changchun Yatai e adaptação à vida na China

É difícil, a maioria das pessoas na China não fala inglês. Estou tentando me adaptar, porque tecnicamente o futebol aqui é mais abaixo, não dá pra comparar com Europa e EUA.

Tem esse problema de adaptação com o futebol, com a alimentação... Mesmo sendo um país com dinheiro pra investir, tem algumas coisas de profissionalismo que eles ainda precisam melhorar. Estão tentando melhorar com o tempo.

Pensa em voltar a jogar por um clube do Brasil?

Eu penso em voltar a jogar no Brasil, nunca descartei. Depende do projeto, do planejamento... Pra mim é bom porque estaria perto da família, mas não fico parada pensando onde é que vou encerrar minha carreira, não.