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Dani Alves, Fred... Por que brasileiros estão comprando times em Portugal

Jean-Paul Pelissier/Reuters
Imagem: Jean-Paul Pelissier/Reuters

Marcus Alves e Thiago Fernandes

Do UOL, em Lisboa e Belo Horizonte

06/04/2018 04h00

Porta de entrada para craques, promessas e refugos vindos do Brasil na Europa, Portugal agora atrai também investidores brasileiros que percorrem as suas duas divisões principais atrás de um clube com as condições ideais para a compra de suas ações.

Entre outros, os empresários de Daniel Alves e Fred, Fransérgio e Francis Melo, respectivamente, trabalham juntos na caça por uma equipe no país. Passaram pelo Leixões, visitaram o Famalicão e estiveram mais recentemente no Penafiel. O BMG, mecenas de Cruzeiro, Atlético-MG e outros times, tem acordo fechado com o Vitória de Guimarães. E outros agentes trabalham em sigilo para também assegurar um lugar para desenvolverem seus projetos.

O preço para entrar nesse mercado?

Ele pode variar, claro, a depender de diversos fatores, que passam por ter as contas em dia, a abrangência de sua influência no departamento de futebol, os seus ativos no elenco, o desempenho em campo e o escalão em que se encontra, entre outros.

Conforme apurado pelo UOL Esporte, o negócio alinhado pelo BMG para entrar no Vitória de Guimarães, um dos mais tradicionais clubes portugueses, gira em torno de 10 milhões de euros. Ao mesmo tempo, os agentes de Dani Alves, Fred e seus parceiros discutem pagar 2 milhões de euros por uma equipe mais modesta e que milite na Segundona local.

Eles se juntariam, assim, a outras figuras do Brasil que já se encontram estabelecidas em Portugal, caso do fundo de investimentos Traffic (rebatizado de TFM), do agente Teodoro Fonseca, que trabalhou com Hulk e outros jogadores, e da empresa Galaxy Believers, que é comandada por sócios brasileiros e chineses. Os três estão ligados, por ordem, a Estoril, Portimonense e Deportivo Aves, para ficar apenas na primeira divisão.

É cada vez maior o número de estrangeiros vinculados aos clubes portugueses. Além do trio supracitado, o Feirense está nas mãos de um grupo nigeriano.

Por que comprar em Portugal e não no Brasil?

Desde a temporada 2013/14, os times participantes de qualquer competição profissional em Portugal têm obrigatoriamente de escolher entre dois modelos de administração: SAD (sociedade esportiva anônima) ou SDUQ (sociedade esportiva unipessoal por cotas). Enquanto a primeira abre uma nova alternativa de receita com a entrada, em sua maior parte, de dinheiro estrangeiro, a outra restringe o seu capital ao clube fundador e separa a parte social do futebol.

Naquela altura, defendia-se o modelo de SDUQ como a saída para conservar a identidade dos clubes.

O cenário hoje é outro, no entanto: somente três das 18 equipes da primeira divisão seguem presas a ele, o Rio Ave, o Tondela e o Paços de Ferreira.

Desses três, o Rio Ave, que é famoso por manter laços estreitos com o superagente Jorge Mendes, que cuida da carreira de Cristiano Ronaldo e outros craques, já tem acordo com o fundo de investimento chinês Fosun, parceiro do próprio Mendes, e se converterá em SAD. O Tondela, por sua vez, passará a ser controlado pelo grupo também chinês Desports, principal acionista de Parma, Granada e Chongqing Dangdai.

Não é difícil explicar a cobiça de estrangeiros por Portugal. Ainda que tenha menos visibilidade que outros países, o seu campeonato é um dos que mais valoriza atletas na Europa. Somente em 2017, de acordo com relatório da Fifa, o lucro global de seus clubes com vendas de jogadores chegou a 571 milhões de euros.

No Brasil, por outro lado, os times ainda não funcionam como sociedades anônimas. A exceção é o Figueirense, cujas ações pertencem quase em sua totalidade a holding Elephant, do advogado Cláudio Vernalha. No fim dos anos 90, a dupla Ba-Vi esboçou o mesmo modelo, mas fracassou.

Não estão comprando estádio, elenco e todo o resto

Em Portugal, as SADs, como são chamadas, são soberanas no futebol, o que não impede eventualmente conflitos com a outra parte que coexiste em paralelo, os clubes, que conservam o patrimônio e um capital mínimo. Reeleito presidente do Vitória de Guimarães, Julio Mendes deixa claro que o BMG está consciente de que o seu poder não será total a partir do momento que o acordo entrar em vigor, previsto para o meio do ano.

“O BMG sabe muito bem qual é o critério de tudo isto. Trabalhar com o Vitória no sentido de fazer investimentos e construir elencos competitivos. Sendo sócio, poderá tirar vantagem quando houver resultados líquidos positivos, o que será bom para todos”, explicou Mendes.

O banco que mantém laços com os empresários Giuliano Bertolucci e Kia Joorabchian deve assumir 52% das ações da sociedade anônima. 40% seguem com o Vitória e outros 8% com investidores menores. O mecenas brasileiro é peça-chave no objetivo da equipe de fazer o seu orçamento anual chegar a 20 milhões de euros nas próximas temporadas.

Com metas inicialmente mais modestas, os agentes Fransérgio e Francis Melo prospectam o mercado local com outras partes, porém, ainda não conseguiram chegar a acordo para avançar com as investidas.

Pouco depois do UOL Esporte revelar a participação dos agentes de Dani Alves e Fred, o jornal Record publicou foto com visita do lateral direito do PSG ao Oliveirense em fevereiro. O presidente da equipe não confirmou nem desmentiu qualquer conversa com o atleta. Os representantes rechaçam qualquer tratativa que envolva os seus dois clientes.

Nem sempre a convivência entre o clube e a SAD acontece de forma harmoniosa. Os Belenenses tentam através de seus sócios retomar o controle acionista de seu capital financeiro por causa de divergências.

Fransérgio e Francis Melo negociam compra de clube em Portugal - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Fransérgio e Francis Melo buscaram compra de clube em Portugal
Imagem: Arquivo Pessoal

Quero revolucionar o mercado de Portugal, diz Francis Melo

“Na verdade, não são apenas os brasileiros que têm procurado Portugal para investir no futebol. De uns quatro anos para cá, o país tem despertado o interesse em muita gente nos quatro cantos do mundo, sobretudo nos chineses, que compram as SADs para, entre outros negócios inerentes e lícitos do futebol, proporcionarem experiência internacional aos atletas daquele país. Com isso, eles voltam para a China muito mais valorizados.

Já os brasileiros têm Portugal como a principal porta de entrada para a Europa. Com o fim dos direitos econômicos de atletas para terceiros, a única forma legal de garantir esse direito para agentes é sendo dono de um clube empresa.

Simplificando, três fatores são determinantes para que o país seja tão atraente para nós: a legislação vigente, que permite a criação, gestão e transparência nas SADs; a fácil adaptação dos brasileiros à cultura e aos costumes do país pelo fato de falarmos o mesmo idioma; e, principalmente, por haver um limite considerável para a inscrição de atletas estrangeiros nas equipes.

Mas, no meu caso, particularmente, o interesse extrapola o trivial. Um grande diferencial para mim é a qualidade de vida. Fiquei encantado pelo país, que é lindo, e por seu povo, que é hospitaleiro.

Tenho o desejo de revolucionar o mercado de futebol em Portugal. No meu entendimento, não é só futebol. Uma partida deve ser uma experiência única para toda a família. Podemos transformar um simples jogo em um evento cultural, gastronômico, musical... sem nunca esquecer do enorme poder de transformação social que o futebol detém. As possibilidades são infinitas.

Mesmo com todas as dificuldades financeiras enfrentadas por Portugal ao longo das últimas décadas, o país supera com folga a precariedade de todos os serviços básicos e a corrupção existentes no Brasil. A economia portuguesa voltou a crescer em diversos setores e, com a provável retomada consistente do PIB, Portugal se torna muito atraente para investidores de diversos segmentos. Bom para quem quer investir e melhor ainda para o país”.