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Na Ásia, brasileiro vira Pantera Negra e 'mita' em gol com 10 na barreira

Marcello De Vico

Do UOL, em Santos (SP)

13/05/2018 04h00

Lançado neste ano de 2018, o filme "Pantera Negra" foi - e ainda vem sendo - um sucesso de bilheteria nos cinemas. Com uma temática racial e um elenco composto majoritariamente por atores negros, o longa debate questões sociais importantes e conquista cada vez mais fãs pelo mundo afora. E um deles não se limitou a apenas apreciar o filme. O brasileiro Heberty, de 29 anos, jogador de um dos principais times da Tailândia, aproveitou o filme – mais especificamente a máscara do personagem principal e um gesto usado pelos personagens – para fazer um protesto contra o racismo. Em 2015, ele foi vítima de insultos racistas em campo.

Na época, Heberty foi ofendido por um adversário durante uma partida do Campeonato Tailandês. Após o jogo, fez uma postagem nas redes sociais contando o que aconteceu e imediatamente recebeu apoio de amigos, familiares e torcedores. “Ele começou a me provocar depois que eles estavam perdendo, acho que já estava 3 a 0. Começou a falar ‘você é negro’, mas não registrei nenhuma ocorrência. Apenas postei nas redes sociais lamentando sobre o caso”, recorda Heberty, revelado pelo Vasco da Gama, em entrevista ao UOL Esporte.

Brasileiro Heberty, atualmente na Tailândia, comemora gol usando máscara referente ao filme Pantera Negra - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Imagem: Reprodução/Instagram
“Muitos torcedores, não só do clube que eu jogava, apoiaram a causa. Teve uma repercussão muito grande, mas não houve penalidade. Muita gente me apoiou, mas graças a Deus foi o único caso em todos os lugares que eu passei”, conta Heberty. Já nesta temporada, o atacante do Muangthong tirou ideias do filme para fazer um protesto contra o racismo. Apoiado pela mulher, comprou a máscara do Pantera Negra e adotou uma comemoração especial em seus gols – não só usando o objeto como também fazendo o sinal de cumprimento dos personagens (veja vídeo acima).

“Foi um pouco antes de sair o filme. Eu dei uma olhada e vi que era só com personagens negros, exaltando a cultura africana, e logo depois que eu assisti ao filme, acho que não só eu, mas muitas pessoas ficaram encantadas. E eu comecei a fazer o sinal que eles se cumprimentam, e a torcida adorou. Toda vez quando vem tirar foto pede para fazer o sinal. Eu e minha esposa acabamos tendo a ideia de comprar a máscara e, quando eu usei depois de um gol, repercutiu muito e até hoje, sempre quando faço o gol, eu comemoro desse jeito [com o sinal]”, diz.

Máscara proibida pela Federação

Semanas depois de começar a usar a máscara em seus gols, a Federação Nacional de Futebol da Tailândia resolveu proibir o ato, como explica Heberty: “A máscara foi banida. Não só a máscara, mas qualquer tipo de uso externo: máscara, óculos... Por isso que o futebol está ficando chato. Não pode nem mais comemorar. Mas o sinal eu ainda continuo fazendo normalmente”.

O futebol está ficando chato. Não pode nem mais comemorar"

De acordo com o atacante brasileiro, a decisão tomada pela Federação já era, de certa forma, esperada. “Na verdade eu já esperava, porque tudo que você faz, tira a camisa, bota uma touca, óculos, já leva amarelo. Se eu usar outra vez a máscara é uma multa. O que eu posso fazer? São leis que o futebol está incluindo que está tornando o futebol cada vez mais chato”, lamenta.

Dez na barreira? Podem vir!

No fim de semana retrasado, Heberty foi autor de um gol, no mínimo, curioso. O jogo era contra o Ratchaburi, time hoje defendido pelos brasileiros Bill (ex-Botafogo) e Felipe Menezes (ex-Palmeiras), e o placar apontava 2 a 0 para o adversário. Foi quando o Muangthong teve uma falta a seu favor, na meia-lua. Ciente da qualidade de Heberty – que jogou por três temporadas no Ratchaburi –  em cobranças de falta, o goleiro optou por colocar seus dez jogadores na barreira, sendo nove de pé e um deitado, para evitar a cobrança por debaixo da barreira. Não adiantou.

“Estavam os dez de pé, mas aí saiu um e abaixou atrás da barreira, para eu não bater por debaixo, porque aqui eu já fiz alguns gols por debaixo, tipo o Ronaldinho Gaúcho. Então ficaram nove de pé e um atrás. Só que como tinha muita gente o goleiro não via muito bem a bola. Então eu pensei: ‘se eu somente acertar o gol, com um pouco mais de força, é certeza que vai sair o gol’. E como eu já conhecia o goleiro desde 2014, e ele costuma sair antes, gosta de adivinhar, eu falei: ‘vai ser ali mesmo’. E acabou dando certo”, comemora Heberty, que ainda marcou outro golaço na sequência da partida e garantiu o empate por 2 a 2 para a sua equipe.

Do Brasil para a Ásia

Nascido em São Paulo (SP), Heberty foi revelado pelo Vasco da Gama em 2008. Pouco aproveitado no time carioca, ainda passou por Juventus, São Caetano e Paulista até ir para o Japão, em 2012, depois de ser campeão e um dos destaques do time de Jundiaí na Copa Paulista de 2011.

Heberty, atacante brasileiro, começou a carreira no Vasco da Gama - Arquivo pessoal/Heberty - Arquivo pessoal/Heberty
Imagem: Arquivo pessoal/Heberty
“Meu começo de carreira foi no Vasco da Gama, meu primeiro time profissional. Não tive muitas oportunidades e acabei saindo de lá e indo para São Paulo, onde joguei no Juventus da Mooca. Fiz um ano bom e acabei indo para o São Caetano. Lá não tive muito aproveitamento na Série B e nem do Paulistão e, faltando três meses para o meu contrato, estava rolando a Copa Paulista e tinha um treinador que queria contar comigo, no Paulista de Jundiaí. Lá tive muito mais aproveitamento, fiz boas partidas, e tinha um diretor do Japão assistindo aos jogos”, lembra o jogador brasileiro.

“O treinador era o Wagner Lopes, e ele jogou muitos anos no Japão, até pela seleção japonesa, então ele tinha muitos contatos. Então tinha esse diretor assistindo aos jogos e eles gostaram muito de mim. Fomos campeões da Copa Paulista de 2011 e acabei fechando contrato com um time da segunda divisão do Japão. E numa passagem rápida, de seis meses nesse clube, tive bastante aproveitamento, gols e o Cerezo Osaka acabou me levando por empréstimo, porque eu tinha contrato de um ano. E foi aí que começou a minha ida para fora do Brasil”, acrescenta.

Encontro com Levir e o medo dos terremotos

No Japão, Heberty teve a oportunidade de ser comandado pelo técnico Levir Culpi no Cerezo Osaka. E até hoje guarda boas lembranças do técnico – que voltou para o país asiático e assumiu o Gamba Osaka após ser demitido do Santos.

Brasileiro Heberty em passagem pelo Vegalta Sendai, do Japão - Arquivo pessoal/Heberty - Arquivo pessoal/Heberty
Imagem: Arquivo pessoal/Heberty
“Eu estive por dois anos no Japão, nos seis primeiros meses nesse time da segunda [Thespa Kusatsu]. E quando eu fui para o Cerezo Osaka, o treinador era o Sérgio Soares. Logo depois de algumas rodadas ele saiu para a chegada do Levir Culpi. Um cara sensacional, eu gostava muito dele. Joguei até o final da temporada, acabou meu empréstimo e eu fui para o Vegalta Sendai, que tinha sido vice-campeão. Aí jogamos a Champions League da Ásia, em 2013”, lembra.

Assim como Levir Culpi, Heberty ainda é um apaixonado pelo Japão. “As pessoas são extremamente educadas, totalmente diferentes”, conta o atacante, que durante este período precisou se acostumar a algo não muito agradável e praticamente inexistente no Brasil.

“Lá tinha terremoto quase todos os dias. Mesmo sendo não tão forte, você sentia. No começo é complicado, até porque onde fica o time da segunda divisão que eu joguei também tem muito terremoto. Então até acostumar... Os piores são na madrugada, quando você está dormindo e, do nada, a casa começa a tremer. Eu morava em apartamento, então era mais complicado”, diz.

A chegada à Tailândia e os elefantes na rua

A ideia inicial de Heberty, ainda em 2013, era seguir atuando no Japão. Porém, após o término do contrato, não houve acerto com nenhum outro clube do país. Foi quando surgiu a oportunidade de seguir para a Tailândia. No começo, o brasileiro ficou com um pé atrás, mas depois de uma conversa com a família resolveu ir. E hoje tem a certeza de ter feito a escolha certa.

Brasileiro Heberty em jogo pelo Muangthong, da Tailândia - Arquivo pessoal/Heberty - Arquivo pessoal/Heberty
Imagem: Arquivo pessoal/Heberty
“No começo, quando acabou meu contrato, em 2013, eu esperava voltar para o Japão. Não fiz muitos gols, mas fiz bons jogos e esperava voltar, porque eu gostei muito do país. Só que não aparecia nada e acabou surgindo uma proposta da Tailândia. Eu tinha alguns amigos que já tinham passado pela mesma equipe e não deram muitas qualidades sobre o clube, sobre o presidente, então eu fiquei com o pé atrás de poder vir. Mas conversei bastante com a minha família, via que tinham muitos brasileiros e acabei aceitando a proposta. Inclusive foi o Douglas, que jogou no Santos na época do Robinho, que estava na equipe”, recorda Heberty.

“Ele deu algumas qualidades, mas outras não tão boas que eu ouvia falar: que você ia passar com o carro na rua entre os elefantes, que os campos de treino não eram tão bons... E quando eu cheguei, os elefantes, sim, eu acabei vendo frequentemente [risos]. Mas os campos não eram tão terríveis quanto eu pensei. E a qualidade também. Eu pensei que era muito inferior e não. A cada ano o futebol tailandês vem crescendo, muito forte. É o lugar que eu mais vi brasileiro fora do Brasil, mais até que no Japão”, acrescenta o brasileiro de 29 anos.

Torcida na Tailândia: “perde, ganha, somos aplaudidos”

Heberty chegou ao futebol tailandês em 2014 para atuar no Ratchaburi, onde permaneceu por três temporadas. Não demorou para se tornar ídolo do clube. Foram muitos gols (65 em 90 partidas) e recordes quebrados no campeonato nacional logo na primeira temporada.

Atacante brasileiro Heberty arrisca o chute em jogo pelo Muangthong, da Tailândia - Arquivo pessoal/Heberty - Arquivo pessoal/Heberty
Imagem: Arquivo pessoal/Heberty
“No primeiro ano acabei sendo artilheiro do campeonato e recordista. Acho que o recorde era 23 gols e eu acabei fazendo 26, e foi a melhor colocação da equipe [quarto colocado], que tinha subido há um ano da segunda divisão. Aí acabei renovando o contrato por mais dois anos”, diz.

Após uma passagem pela Arábia Saudita em 2017, Heberty voltou à Tailândia nesta temporada para atuar no Muangthong, um dos maiores clubes do país. E como brasileiro, continua a se espantar com a cultura no país, especialmente entre os torcedores.

“Eu também gosto muito de jogar aqui por causa dos torcedores. É uma coisa muito diferente, uma cultura muito diferente. Perde, ganha, somos aplaudidos do mesmo jeito, tratados com o mesmo carinho, acaba o jogo e a gente dá a volta no estádio agradecendo a torcida, até mesmo a torcida adversária. A torcida adversária, quando acaba o jogo, grita o nome do nosso time, e a nossa torcida grita o nome do time adversário. É uma cultura totalmente diferente”, conta.

VEJA MAIS TRECHOS DA ENTREVISTA

Temporada 2018: nove gols em 14 jogos

Esse ano não começamos tão bem. No ano passado nós fomos vice, mas saíram muitos jogadores, e muitos se lesionaram. Saíram os quatro melhores da seleção da Tailândia. Três foram para o Japão, emprestados, e o goleiro foi vendido para a Bélgica, então a adaptação é muito difícil. Ainda mais quando não repõe. Saem jogadores de muita qualidade e não repõe. Mas, pessoalmente, para mim está sendo bom. Estamos com 14 jogos e estou com nove gols. E sou um dos líderes de assistência. Se eu não me engano são seis, e o primeiro tem sete.

Legião de brasileiros na Tailândia

Tem muito brasileiro aqui. Muito. Acho que quase todos os times têm um brasileiro. A maioria. Tem o Bill, que jogou aí no Botafogo, o Felipe Menezes, Diogo... Inclusive o Bill e o Felipe Menezes estão no meu ex-time, que eu acabei fazendo o gol de falta. Tem o Edgar, o Jajá, que joga aqui comigo, Vitor Junior, que jogou aí no Santos, no Corinthians, no Botafogo... E de estrangeiro, bem conhecido, que jogou no Liverpool, o Sinama-Pongolle. O Ciro, que jogou no Fluminense, o Paulo Rangel, e eu acho que o Osvaldo acabou de fechar com o Buriram, time do Diogo. Tem jogadores de muita qualidade.

Voltar ao Brasil não está descartado

Enquanto eu estiver feliz por aqui eu vou seguindo minha carreira por aqui. Mas eu tenho vontade de jogar no Brasil, mas acho que mais para frente. Agora mesmo estou mais focado em fazer minha carreira aqui na Ásia, até mais olhando para esses outros países: Emirados, Coreia, Japão, China... Por agora, esse está sendo mais o meu foco. Mas quem sabe? A gente nunca sabe o dia de amanhã. Voltar para o Brasil seria uma reviravolta na minha carreira. Não estou esperando no momento, mas também não descarto.

Família, Bancoc e praia nas folgas

Eu vivo com a minha esposa e minha cachorrinha. Aqui a gente vive em Bancoc. Falando de cultura, é totalmente diferente do que eu já vi de outros lugares. A gente gosta muito de morar aqui, sempre quando dá a gente traz parentes, amigos... Não moramos tão perto da praia, mas sempre quando temos folga nós vamos.