Topo

Para juíza, renovação de Scarpa com Flu "perdoou" atrasos. Defesa contesta

Scarpa perdeu ação trabalhista na primeira instância e segue vinculado ao Flu - Lucas Merçon/Fluminense
Scarpa perdeu ação trabalhista na primeira instância e segue vinculado ao Flu Imagem: Lucas Merçon/Fluminense

Leandro Miranda e Lucas Pastore

Do UOL, em São Paulo

12/06/2018 11h17

O argumento central da juíza Dalva Macedo para dar ganho de causa ao Fluminense e manter o meia Gustavo Scarpa vinculado ao clube carioca, em sentença proferida na 70ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, foi o de que o jogador "perdoou tacitamente" os atrasos salariais ao renovar seu contrato com a equipe tricolor em março de 2017. A defesa do atleta, no entanto, contesta essa interpretação e alega que a lei é clara quanto ao direito de Scarpa de rescindir o contrato após três meses de inadimplência, e que a maioria dos atrasos que foram objeto da ação aconteceu apenas depois da renovação.

Documentos obtidos pelo UOL Esporte detalham as explicações de ambos os lados no caso, que se arrastava desde dezembro do ano passado, quando Scarpa entrou com a ação na Justiça do Trabalho do Rio. Uma liminar favorável ao jogador em janeiro anulou provisoriamente o contrato com o Fluminense, possibilitando que o Palmeiras o contratasse. Mas essa liminar foi derrubada em março, restaurando o vínculo com os cariocas, e desde então ele está sem jogar.

Segundo a juíza, ao renovar com o Fluminense em 2017 mesmo sabendo que o clube atrasava o recolhimento de FGTS e outras obrigações desde 2012, Scarpa "mostrou interesse em se manter vinculado ao clube, independente do atraso salarial, indicando de forma inequívoca o perdão tácito". Para Dalva Macedo, portanto, a ação trabalhista teve como motivação não os atrasos posteriores à renovação, e sim o único objetivo de deixar o Flu sem efetuar o pagamento da multa rescisória de R$ 200 milhões, "caracterizando enriquecimento ilícito do autor".

Ela apontou ainda que "é público e notório" que os times de futebol do Rio de Janeiro "vêm atravessando dificuldades financeiras", e que o tribunal "regularmente edita atos de centralização de execuções com cada um dos quatro grandes clubes do Rio, para auxiliar o restabelecimento da saúde financeira das entidades desportivas cariocas".

Na interpretação da defesa de Scarpa, porém, a sentença está equivocada porque a maioria dos valores em atraso que são objeto da ação diz respeito a períodos posteriores à renovação de março de 2017. No processo, o jogador reclama de atrasos no FGTS de julho a novembro, de direitos de imagem de agosto a novembro, do 13º salário e das férias de 2016 e do salário de novembro de 2017. Portanto, a renovação não poderia ter sido adotada como ponto de referência. Nem o Fluminense nem o juízo negam a existência dos atrasos.

Outro ponto levantado pela defesa do jogador é que a Lei Pelé, que rege as relações de trabalho de jogadores de futebol profissionais, não afirma em nenhum trecho que a renovação contratual implica em perdão tácito. O texto da lei diz que o "atraso, no todo ou em parte, por período igual ou superior a três meses" no pagamento de salário (incluindo FGTS, férias, 13º etc) possibilita que o atleta tenha o contrato rescindido. Além disso, um parecer do Ministério Público do Trabalho recomendou o ganho de causa a Scarpa e defendeu a validade de seu vínculo com o Palmeiras.

Para a juíza, Scarpa não obedeceu ao princípio da imediatidade, segundo o qual "o empregado, tão logo verifique a ocorrência de falta grave do empregador, deve pretender a rescisão imediata do contrato de trabalho". Já para os advogados do jogador, não houve demora: o atleta foi profissional ao terminar o ano jogando pelo Fluminense, e ingressou com a ação pedindo rescisão com base nos atrasos ocorridos nos meses imediatamente anteriores.

A decisão da 70ª Vara do Trabalho é de primeira instância e cabe recurso. Por enquanto, Gustavo Scarpa segue vinculado ao Fluminense até 2020, mas sem treinar no clube. Ele tem mantido a forma com treinos particulares em Hortolândia, cidade do interior paulista onde vive sua família. O Palmeiras, que não é parte no processo, tem monitorado a situação e prestado assistência jurídica.