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Atento e versátil, xodó de Guardiola saiu da Maré para ser futuro do City

AP Photo/Annie Rice
Imagem: AP Photo/Annie Rice

Arthur Sandes*

Do UOL, em São Paulo

11/08/2018 04h00

Uma história comum no futebol diz respeito àquele jogador que saiu da pobreza para viver a fama e ser reconhecido mundialmente. O brasileiro Douglas Luiz chegou à metade deste caminho em apenas dois anos de bola. Revelado pelo Vasco da Gama, ele saiu de uma favela do Complexo da Maré para ganhar a confiança de Pep Guardiola, sendo cercado de enorme expectativa no Manchester City — ainda que sua estreia pelo clube inglês tenha sido adiada nesta semana.

Na última quinta-feira (9) Douglas teve seu visto de trabalho negado pela Football Association, a federação de futebol inglês, por não cumprir todos os requisitos impostos pela entidade. A decisão enfureceu Guardiola, que havia enviado uma carta, também endossada por Tite, em favor do jogador. “Estou muito triste e decepcionado pelo que aconteceu, porque Douglas mostrou que poderia nos ajudar”, disse o treinador do City em entrevista coletiva.

Tal obstáculo adia em ao menos uma temporada a real chegada de Douglas ao Manchester City, mas não inviabiliza seu sonho. Segundo seu estafe, o jogador está tranquilo e satisfeito por ter ido bem na pré-temporada, ainda que haja a chateação pelo visto negado. O objetivo natural nos próximos meses é se destacar no time para o qual for emprestado, e assim ganhar espaço na seleção brasileira, o que viabilizaria a aprovação do visto de trabalho no ano que vem.

Mas como foi que Douglas conseguiu, em dois anos, sair de uma favela da cidade do Rio de Janeiro para virar o xodó de um dos técnicos mais brilhantes da atualidade? O jogador ainda vivia em Nova Holanda, uma das comunidades do Complexo da Maré, quando virou titular do Vasco em agosto de 2016. Com sucesso meteórico, brilhou muito em um time enfraquecido e foi essencial até se tornar o atleta mais caro a ser vendido pelo clube da Colina — 13 milhões de euros (R$ 49 milhões).

Os tiroteios no Complexo da Maré

Jogar bola nas categorias de base do Vasco foi, para Douglas, a parte mais fácil de sua juventude. Em entrevista dada ao UOL Esporte há pouco mais de um ano, ele admitiu ter perdido treinos na categoria de base do Vasco por causa de tiroteios em Nova Holanda. Disse ter “aprendido também com o sofrimento”, rejeitando o universo ao redor e as barreiras que a vida e a sociedade lhe impuseram. Quando pôde, já no profissional, mudou com o núcleo da família para um condomínio de classe média, “bem melhor", para os familiares "poderem ir à praça, brincar na piscina”.

Conselhos de Nenê e profecia de Jorginho

douglas e Nenê - Thiago Ribeiro/AGIF - Thiago Ribeiro/AGIF
Imagem: Thiago Ribeiro/AGIF
Douglas foi pinçado pelo técnico Jorginho, que se animou durante um jogo-treino entre o time principal e o sub-20 do Vasco — à época o volante estava longe de ser um dos mais badalados da base. O novato virou titular com menos de dez jogos pelo profissional e se tornou pupilo de Nenê, a quem agradeceu pelo moral dado e pelas dicas dentro e fora de campo. Mas não confunda humildade com falta de personalidade: quando Nenê lhe cobrou em um jogo, em abril de 2017, Douglas rebateu e não se escondeu mesmo sendo chamado de “moleque”. A atitude e a atuação fizeram Jorginho apostar no volante como “o futuro Paulinho da seleção brasileira”.

O estilo que encantou Guardiola

Douglas tem visão de jogo, bom passe e ótimo porte físico para sua idade. É também voluntarioso em campo, disposto a ajudar sempre que pode. Em uma ocasião no Vasco da Gama, precisou ser recuado para a função de primeiro volante e assim o fez, sem saber que a experiência lhe ajudaria a conquistar Pep Guardiola anos depois. Durante a pré-temporada nos Estados Unidos, nas últimas semanas, o jogador sabia que precisaria impressionar para ter chance. Meia de origem, fez dois bons jogos sendo usado como cabeça-de-área e ponta. Ouviu muito, caiu nas graças do chefe e deve ser o favorito para, com o tempo, herdar a posição de Fernandinho.

Burocracia como obstáculo, e novo empréstimo

Douglas venceu a violência no Rio, bateu a concorrência no Vasco e ganhou a confiança de Guardiola, mas parou na burocracia do futebol inglês. Para um atleta poder ser profissional por lá, é requisito que tenha sido convocado a pelo menos 30% das partidas da seleção de seu país nos últimos 12 meses. Não foi aberta exceção para Douglas, que jogou o Sul-Americano sub-20 pelo Brasil, mas ainda não teve chance na equipe principal. Por isso o meio-campista será emprestado pelo Manchester City pelo segundo ano seguido; o destino ainda está indefinido.

* colaborou Bruno Braz, no Rio de Janeiro