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Neymar traz rara dependência à seleção com terceiro ciclo como protagonista

Neymar em ação durante treino da seleção brasileira em Nova Jersey - Pedro Martins/MoWa Press
Neymar em ação durante treino da seleção brasileira em Nova Jersey Imagem: Pedro Martins/MoWa Press

Pedro Lopes e Vanderlei Lima

Do UOL, em Nova Jersey (EUA) e São Paulo

05/09/2018 04h00

Neymar tem apenas 26 anos, mas inicia nesta semana, nos EUA, seu terceiro ciclo de Copa do Mundo como grande protagonista da seleção brasileira, longe de ter seu posto ameaçado. O fato é inédito na história recente do Brasil. Um jogador ainda jovem, com possivelmente dois Mundiais pela frente, é a referência técnica absoluta da equipe, e carrega consigo um poder midiático raramente visto no esporte brasileiro.

Dizer isso não significa afirmar que Neymar não tem a seu lado bons jogadores, mas sim que não ninguém que se aproxime de ameaçar seu posto como o “cara” da seleção brasileira. O atacante é o único brasileiro constantemente mencionado na briga pela Bola de Ouro desde 2013; carrega o título de acontratação mais cara da história do futebol, e veste a camisa 10.

A seleção de 82 é conhecida como uma das maiores expressões de futebol coletivo que o esporte já teve. Na década de 90, a irreverência de Romário e lesões impediram que ele se sustentasse por múltiplos anos como “o cara” no Brasil. Ronaldo, depois, teve companhia de Rivaldo, Kaká e Ronaldinho, todos jogadores que eventualmente ocuparam o posto de melhor de mundo. O exemplo mais parecido com o de Neymar é o de Pelé, que foi o grande nome da seleção de 58 a 70.

“Eu acho que as seleções têm que ter essas referências, Em 70 tinha o Pelé, o Tostão. Outras seleções que eu trabalhei tinha o Romário, Ronaldo Fenômeno, o Kaká, o Ronaldinho. É importante ter, e é bom até que se crie outra referência e que não fique só com o Neymar. Para dividir essa responsabilidade. Não tem jeito, o cara é a referência. É bom a seleção ter não só o Neymar, mas que se crie agora o Coutinho também, duas ou três referencias. Hoje só o Neymar é a referência”, diz Carlos Alberto Parreira, treinador da seleção brasileira nas copas de 1994 e 2006.

Parreira aponta Coutinho como o principal candidato a dividir esse rótulo com Neymar, mas insiste na importância de que a responsabilidade seja compartilhada. “Tinha mais gente para dividir as responsabilidades. Tinha um Pelé, tinha um Tostão, tinha um Kaká, Romário, Ronaldinho e Ronaldo, Rivaldo, Bebeto.  Então a gente está precisando criar outras referências. Eu acredito que hoje já temos o Coutinho junto com o Neymar, e espero também outros. O Firmino, talvez”.

Um dos principais nomes a surgir nos últimos anos no Brasil, Gabriel Jesus despontava como 9 ideal para acompanhar Neymar. Com um primeiro ano excelente no Palmeiras e uma transferência milionária para o Manchester City, o atacante teve ascensão meteórica na seleção de Tite, marcando 10 gols nos primeiros 17 jogos. Na Copa, entretanto, Jesus passou em branco, foi muito criticado, e ficou de fora dos primeiros amistosos depois do Mundial.

Para outro nome experiente em seleção brasileira, o pentacampeão Edmilson, o protagonismo de Neymar é uma característica do futebol atual, em parte devido à hegemonia de Cristiano Ronaldo e Messi no posto de melhor jogador do mundo.

“Na verdade, de uns 10 anos para cá, partindo do Messi e do Cristiano Ronaldo apareceu esse tal protagonista, e coadjuvantes. Isso antigamente não existia, tinha muito mais craques. Hoje lamentavelmente tem essa: um cara é o protagonista o, outro é coadjuvante, tem que esperar a hora dele. O grande craque, o cara que conseguiu conquistar o destaque dentro do time, se não souber levar essa situação tanto internamente como externamente, pode acabar sendo prejudicial, não só pra futuras conquistas pessoais, mas também coletivas”.

Edmilson partilha da opinião de Parreira, e acha que com as novas promessas brasileiras que começam a surgir no setor ofensivo, é uma questão de tempo até que Neymar tenha com quem dividir o posto de maior estrela da seleção.

“No médio e longo prazo vai aparecer o trabalho que o Tite tem feito. Tem grandes promessas, é uma geração boa com o Vinicius Jr., com o Rodrygo do Santos, com o Arthur que chegou aqui no Barcelona e está sendo muito elogiado. Naturalmente o Brasil vai ter o protagonismo do Neymar, mas como parte da seleção brasileira, e não como jogador individual”.

Neymar não está sozinho nessa condição. Em Portugal, Cristiano Ronaldo ocupa um posto absolutamente indiscutível não só de maior jogador de sua seleção, mas da história do país. Messi tem a companhia de jogadores de alto nível como Aguero e Di Maria, mas a imprensa argentina frequentemente coloca os fracassos e sucessos da seleção nas costas de seu camisa 10.

“É igual a Argentina em relação a Messi. O grupo é fundamental, não o individualismo. Aqui não é crítica a Neymar, mas quando a gente se apega ao individualismo, isso é ruim. Em 2014 ele poderia ser o protagonista, mas ele ainda era novo e teve aquela lesão (Neymar lesionou as costas em entrada dura do Colombiano Zuñiga nas quartas de final). Na segunda Copa, ele teve a infelicidade da lesão antes e não chegou 100%. Agora, ele vai para uma terceira copa e aí o peso é muito maior, ele vai estar com 30 anos”, diz Ricardo Rocha, zagueiro campeão da Copa de 94.

“Não gosto dessa dependência em um jogador. Eu sempre falo uma coisa: a seleção na Copa de 94 jogou a eliminatória toda sem o Romário. No último jogo, contra o Uruguai, ele veio e marcou os dois gols e fomos para copa dos EUA. Isso é uma opinião minha que estava com o grupo, tá? Eu acho que a gente se classificaria para o Mundial, mas a gente não seria campeão sem o Romário. Seria muito difícil a gente ganhar aquele título, mas só que a gente tinha o Bebeto, que também decidia. Depois tinha o Ronaldo Fenômeno, mas aí nós tínhamos o Rivaldo também”, afirma.

Dunga foi pressionado a convocar Neymar já para 2010, mas não cedeu. Em 2014 e 2018 ele foi a grande esperança da seleção, mas lesões atrapalharam sua trajetória em Copas do Mundo. Nesta sexta, ele inicia um novo ciclo, novamente com o peso do protagonismo em suas costas, diante dos EUA, no Metlife Stadium, em Nova Jersey.