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Entre artilharia e hambúrgueres, Dagoberto renasce em Londrina

Artilheiro da Série B, Dagoberto reencontrou boa fase com a camisa do Londrina - Gustavo Oliveira/Londrina EC
Artilheiro da Série B, Dagoberto reencontrou boa fase com a camisa do Londrina Imagem: Gustavo Oliveira/Londrina EC

Ana Carolina Silva e Napoleão de Almeida

Do UOL, em São Paulo

14/09/2018 04h00

Os ares de Londrina fizeram bem a Dagoberto. Campeão brasileiro por Atlético-PR, São Paulo e Cruzeiro, o atacante de 35 anos redescobriu o caminho do gol com a camisa do time da cidade, que joga a Série B do Brasileiro. Pelo Tubarão, já são 11 gols em dez jogos e a artilharia da divisão. Na vida pessoal, suas quatro hamburguerias também vivem boa fase.

"Estou feliz, cara, a minha vida aqui está sendo como a minha carreira: saindo de dificuldades e revertendo situações. Hoje, consigo jogar de uma forma saudável que há muito tempo não jogava, bem fisicamente... Momento muito gostoso, muito bom", disse o jogador, ao UOL Esporte, na semana em que voltará à Curitiba para enfrentar o Coritiba, seu antigo rival, pela 27ª rodada, em confronto no meio da tabela. O jogo acontece nesta sexta-feira (14), às 19h15, no Couto Pereira.

Paralelamente à carreira nos campos, Dagoberto toca outro projeto: o atacante é dono de uma rede de hamburguerias em Curitiba.

"A hamburgueria é o projetinho que nós temos em Curitiba, temos quatro restaurantes lá. Está super bem! Ganhamos mais um título como a melhor de Curitiba. Quando você faz as coisas com amor, respeito e dedicação, as coisas só tendem a fluir. É uma coisa paralela que a gente tem e que está andando super bem", comemora.

Curitiba é a casa do jogador, que nasceu para o futebol no Atletico-PR, mas deixou o clube rompido com diretoria e torcida para ser um dos destaques em dois dos três títulos nacionais do São Paulo nos anos 2000. Considerando o histórico desde 1971 - a exceção é a Copa União de 87 - Dagoberto é o maior campeão nacional, com cinco taças.

Ele ainda esteve no bicampeonato do Cruzeiro, em 2013 e 2014. Um currículo que já poderia ser satisfatório antes mesmo da chegada ao Londrina, com direito a uma passagem pelo futebol dos Estados Unidos.

"Eu estava em Curitiba e tinha retornado dos Estados Unidos, onde já estava com trabalhos paralelos com futebol. O Sergio (Malucelli, gestor do Londrina) me procurou em Curitiba, me passou o projeto deles, coisa de homem para homem. [Londrina] É uma cidade próxima de Curitiba, também. Eu vi que algo me mexia ainda, algo ainda podia ser feito. Foi muito rápido para acertar", contou. No meio do caminho, houve muita especulação: Dagoberto poderia vestir a camisa do Coritiba?

Dagoberto Coxa - Arquivo pessoal Arlem da Nóbrega - Arquivo pessoal Arlem da Nóbrega
Dagoberto foi cogitado no Coxa no começo do ano
Imagem: Arquivo pessoal Arlem da Nóbrega

"Houve boato só. Houve interesse, assim como de outros clubes, mas não saiu disso. Como a galera sabia que eu estava morando ali, podem ter conversado. Mas nada além", comentou, dizendo que o fato de ter história ligada ao Atlético-PR não teria impedido um acordo. "Cara, eu sou profissional, não teria problema algum, não". O Furacão, aliás, não é um dos assuntos prediletos do atacante.

"Foi onde eu comecei, seis anos da minha vida. Vai ficar na minha história", disse, lacônico. Diante da insistência em saber se voltaria de alguma forma ao clube, ele respondeu: "Eu estou vivendo cada jogo, estou curtindo e aproveitando esse momento bom. Procuro não pensar nessas coisas, não".

Carinho dos são-paulinos no norte do Paraná

Dagoberto SPFC - Idário Café/VIPCOMM - Idário Café/VIPCOMM
Pelo São Paulo: dois títulos e carinho dos torcedores no interior do Paraná
Imagem: Idário Café/VIPCOMM

Historicamente, Londrina e região são rincões de torcedores paulistas. Os clubes de Curitiba vão perdendo influência na medida em que se avança em direção ao interior do Paraná. Não à toa, Dagoberto é muito celebrado pelos são-paulinos que por ali vivem. "Bastante, cara. Isso é gratificante, isso é uma coisa muito forte aqui. Ficou marcado, né? Cinco anos fantásticos em um clube grandioso como o São Paulo. É um carinho muito grande, os fãs gostam muito", contou.

Dagoberto vive uma rotina planejada. As lesões na carreira fazem dele um atleta que precisa redobrar os cuidados para se manter ativo. Semanalmente, ele roda por quase 100 quilômetros para fazer tratamento em Maringá, outra grande cidade da região. Por isso, o jogador nem sempre atua em todas as partidas.

O reencontro com Rogério Ceni, hoje técnico do Fortaleza, foi adiado. O Londrina perdeu por 2 a 1 para o time de Ceni, líder da Série B. "Ele está fazendo um belo trabalho", comentou. Ele deixa claro que acredita no potencial do ídolo tricolor como técnico: "Eu não tenho dúvida disso, a competitividade dele é grande. É um cara inteligente que trabalhou muito para se formar técnico e hoje está mostrando a capacidade que tem".

Nos EUA em busca de experiência internacional

Quando surgiu no Atlético-PR, Dagoberto logo foi apontado como um jogador com caminho a trilhar na Europa. As lesões atrapalharam os planos, e ele, apesar dos títulos nacionais, só foi deixar o Brasil em 2017 para uma rápida passagem pelo San Francisco Deltas, dos Estados Unidos.

"Na verdade, quando eu fui para lá, foi por sempre ter trabalhado aqui no Brasil. Eu tinha curiosidade de trabalhar fora do país, buscar algo mais leve, mais de boa, sem concentração. Uma coisa sossegada, porque lá tinha muito isso. Curtir mais o futebol um pouco. Era mais por essa ideia, né? Hoje a MLS está muito forte, mas a segunda liga era uma coisa bem mais amadora e gostosa. Era mais por curiosidade, uma coisa que eu não tinha vivenciado ainda com a família, os filhos gostaram muito, a esposa... Foi uma experiência muito boa", avaliou.

Melhor ataque do Brasil, com uma década de defasagem

Por pouco tempo, o Londrina reuniu no elenco aquele que seria o melhor ataque do Brasil há aproximadamente uma década. Voando no São Paulo a partir de 2007, Dagoberto teve a companhia de Keirrison, artilheiro do Brasileirão 2008, e Thiago Ribeiro, que defendeu o Tricolor até 2006 e foi artilheiro da Libertadores 2010 pelo Cruzeiro.

Keirrison já deixou o clube, mas a dupla Dagoberto e Thiago Ribeiro, que não chegou a se concretizar com a camisa do São Paulo por questão de meses, se materializou em Londrina.

"O Thiagão é um cara fantástico. Um cara de um talento grandioso, uma pessoa fantástica. Somos amigos, aqui é uma cidade muito boa, um clube muito organizado, CT fantástico. Estamos curtindo esse momento aqui", contou Dagoberto.

Juntos, ele e Thiago fizeram sete partidas pelo Tubarão, com destaque para a vitória sobre o Paysandu, 2 a 1, com um gol de cada. Dagoberto marcou em cinco destes jogos. Ainda assim, a campanha do Londrina está abaixo do que se viu nas temporadas anteriores, que quase colocaram o clube na Série A.

"Várias vezes aconteceram com o tempo, onde ficou complicada essa nossa realidade de subir. Quando você não consegue ser equilibrado, muitas vezes a gente não entendia o que era a Série B. Uma competição que tem muito contato, muita força física. Quando a gente conseguiu entender mais isso, conseguiu o resultado. Mas nada é impossível, a gente está trabalhando. Temos um jogo dificílimo contra o Coxa e o objetivo de conquistar os três pontos", disse.

Ele procura não supervalorizar o duelo paranaense como se fosse um clássico: "Um jogo difícil, nós pegamos Ponte, Atlético-GO e conseguimos fazer bons jogos... Todo jogo para a gente está sendo um clássico. Passamos momentos delicados, lutando lá embaixo. Tomara que possamos conquistar os pontos e subir".

Memórias dos títulos e futuro na chapa da hamburgueria

Dagoberto Atlético - Jonas Oliveira/Folhapress - Jonas Oliveira/Folhapress
Pelo Furacão, em 2004: "Timaço" com Jadson e Fernandinho
Imagem: Jonas Oliveira/Folhapress

Se a boa fase no Londrina despertar o interesse de algum clube de ponta da Série A e Dagoberto conquistar um novo título do Brasileirão, a hipotética sexta conquista nacional colocaria o jogador ao lado de Pelé como um dos maiores campeões nacionais - somando a integração dos títulos da Taça Brasil e Robertão promovida pela CBF. Ele se diverte ao imaginar isso tudo.

"Ah, mas aí não tem comparação, meu amigo! Não dá para comparar com o Pelé, não. Eu sou muito grato a deus pela carreira que fiz, estou muito feliz e tranquilo. Já apareceram coisas da Série A, vieram atrás. Estou muito feliz aqui e quero cumprir meu contrato até novembro. Cinco títulos, grandes clubes, e é isso que vai ficar para os meus filhos verem", contou.

O sexto título só não está no currículo por detalhes. Em 2004, o Atlético-PR de Jadson, Fernandinho e Dagoberto esteve próximo de conquistar o Brasileirão, mas acabou superado pelo Santos nas duas últimas rodadas. Uma lesão o tirou de metade do campeonato.

"Timaço. Eu sempre falo para mim: o cara mais talentoso, completo e que eu mais me entendia em campo era o Jadson. Nós começamos juntos no PSTC, então a gente se entendia só no olhar. Eu sempre falo para ele que foi um prazer muito grande jogar com um amigo que eu tenho no mundo da bola. O Fernandinho era outro que fazia com que nós fossemos imbatíveis na Arena da Baixada", relembrou.

Posteriormente, viveu no São Paulo uma era de conquistas após se recuperar da lesão e da disputa judicial com o Atlético. "Hernanes é um cara que eu levo até hoje, Borginho, Hugo... Hugo estava jogando um futebol fantástico. Era um time que dava gosto de ver, um time competitivo. E quando você conquista os títulos, fica marcado. Eu sou grato a Deus por ter passado por uma instituição tão forte", celebrou.

Dagoberto Cruzeiro - Washington Alves / Light Press - Washington Alves / Light Press
Vestindo a camisa do Cruzeiro: bicampeão do Brasil
Imagem: Washington Alves / Light Press

Um título nacional pelo Atlético-PR, dois pelo São Paulo e mais um bicampeonato pelo Cruzeiro em sua fase mais experiente. "O Cruzeiro foi uma família que a gente construiu ali, chegamos em 2013 com vários jogadores. Deu uma liga muito grande, construímos uma família. É um dos melhores grupos que eu trabalhei até hoje no futebol. Foi fantástico, ter jogado no Cruzeiro marcou muito a minha vida. Um clube que não conquistava o nacional havia dez anos, e nós fomos felizes a voltar a dar alegria ao torcedor cruzeirense. Anos muito bons".

Tantas memórias não irão segurar Dagoberto no futebol por muito mais tempo. Ele é enfático ao dizer que não tem intenção de virar técnico ou trabalhar em clubes. "No dia em que eu encerrar as chuteiras, você não vai me ver com bola, não. Não é muito a minha praia, não. Quero curtir a família, meus filhos", projeta. Assim, o futuro será tomando conta da sua hamburgueria.

A promessa foi feita: se o Londrina vencer o Coritiba nesta sexta-feira, Dagoberto já sabe que terá de bancar o lanche do elenco em uma de suas lojas. "Eu intimei a galera, vamos ver se vão cumprir o papo", concluiu, aos risos.