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Deyverson, Sassá, F.Melo: futebol evolui, mas jogadores indomáveis resistem

Reprodução de TV/ Fox Sports
Imagem: Reprodução de TV/ Fox Sports

Karla Torralba

Do UOL, em São Paulo

22/10/2018 04h00

As brigas em campo protagonizadas por Serginho Chulapa. As provocações de Edílson Capetinha. A voadora de Luis Fabiano. As confusões que Fábio Costa. Pode procurar no Google e, em algum momento, alguém tachou esses jogadores como indomáveis. Atletas que demonstram personalidade mais forte no gramado estão quase em falta nos dias atuais.

Quase porque ainda existem sobreviventes desse tipo de jogador. Lembre de Deyverson, expulso no último domingo na vitória do Palmeiras sobre o Ceará por 2 a 1 ainda no primeiro tempo por um pontapé inexplicável em Richardson. Ele não está sozinho. Felipe Melo, seu companheiro no Palmeiras, e Sassá, do Cruzeiro, são exemplos de quem não deixa esse jeito "raiz" morrer - mesmo com os clubes tentando controla-los.

Sassá recentemente foi punido pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) por dar um soco em Mayke, do Palmeiras, na semifinal da Copa do Brasil. Não deixou de comemorar o título com provocação mesmo sem ter jogado nas duas partidas da decisão: em sua conta no Instagram, ele aparece dando um soco no troféu. Enquanto isso, Felipe Melo teve que viajar ao Paraguai na última semana para se defender de expulsão em partida da Libertadores.

Quem entende de jogador indomável sabe bem como lidar com eles. Joel Santana foi "domador" de muitos. "A minha maneira de tratar o jogador é como tratar os filhos. Não tem essa de querer passar a mão na cabeça. Os melhores jogadores com que eu tive condições de trabalhar eram aqueles que as pessoas achavam que eram problemas. Mas eles nunca foram problemas para mim. Conversávamos como pessoas inteligentes. Jogador às vezes precisa mais de carinho que bronca. Com alguns eu não tive êxito, mas hoje jogadores famosos chegam e agradecem", disse Joel ao UOL.

João Ricardo Cozac, psicólogo do esporte há 30 anos, explicou que, além da personalidade, a vivência do jogador influencia em seu comportamento em campo, e ressalta a necessidade de não coibir o comportamento mais explosivo para que o rendimento do jogador não caia. "O trabalho psicológico com o atleta não deve tentar acabar com esse comportamento. É preciso adaptar a esse contexto para minimizar os danos individuais e coletivos. Não se pode tentar acabar com o comportamento, porque, ao fazer isso, vai acabar com a energia de ativação, que é o que capacita a ter bom rendimento", explicou.

Quem melhor que Serginho Chulapa para domar um "indomável"?

Serginho chulapa - Rivaldo Gomes/Folhapress - Rivaldo Gomes/Folhapress
Imagem: Rivaldo Gomes/Folhapress
O ex-jogador Serginho Chulapa, hoje auxiliar técnico do Santos, disse que tentava se controlar. "Eu fazia coisas inconsequentes, eu era suspenso, refletia e tentava fazer a cena não se repetir. Eu mesmo comecei a me policiar. Arrumaram um psicólogo para mim lá no São Paulo e eu não me adaptei", contou Serginho. As multas que recebia, segundo ele, dariam para comprar um apartamento.

Carlos Castilho, que foi treinador do Santos, era um dos que mais chamava Serginho para conversar. "Eu fazia besteira em campo e, no outro dia, ele me chamava para conversar. Queria o bem da gente. Eu já entrei de cartola em campo e era uma maneira de atrair o público, mas passava dos limites nas brigas", disse.

Hoje, Serginho aconselha os jogadores mais "difíceis" no Santos. Ele cita a relação com Gabigol. "O Gabriel é um que eu converso sempre, eu brigo. A molecada que sobe da base me ouve. A gente procura passar para eles o que é certo. Eles escutam e a gente ajuda nesse sentido. Principalmente o Gabriel, que é um fio desencapado", brincou.

Os indomáveis de hoje

Deyverson - Marcello Zambrana/AGIF - Marcello Zambrana/AGIF
Imagem: Marcello Zambrana/AGIF
Marco Aurélio Cunha, com experiência como dirigente em grandes clubes, já precisou conversar com muitos jogadores de personalidade mais forte. Adriano, Luis Fabiano e Serginho Chulapa são apenas alguns dos exemplos. Ele falou do jeito de Deyverson, mais explosivo e pilhado, e da importância da figura de Felipão.

"O Felipão transformou um vestiário turbulento em um bom. Primeiro, é resgatar valores. Eu acho que o Deyverson precisa tomar cuidado, porque ele é muito inexperiente em expor suas emoções de forma exagerada. Exageros devem ser contidos. Eu fiz isso a vida inteira com jogador mais explosivo: eu pedia que se acalmasse, porque a palavra é uma bala. Para algumas coisas, deve educar. É diferente proibir ou coibir como se faz em casa".

Ele lamenta que os jogadores tenham menos liberdade em campo hoje em dia. "O jogador perdeu a privacidade de ser espontâneo em campo. É um esporte de alta emoção e as pessoas são inibidas de fazer o que sentem por serem julgadas por uma imagem".

Serginho Chulapa disse que hoje em dia os indomáveis são raridade: "Hoje, está mais para Felipe Mello, mas ele está sossegado. O último dos moicanos, um cara com personalidade. Esses caras são bons de lidar, não tem falsidade. Acabaram esses indomáveis. O futebol está chato".

Fábio Costa se arrepende de não ter ouvido mais

Fábio Costa - Marcelo Justo/Folha Imagem - Marcelo Justo/Folha Imagem
Imagem: Marcelo Justo/Folha Imagem
Com um estilo mais agressivo em campo, Fábio Costa contou que se arrepende de não ter ouvido alguns conselhos, por falta de maturidade, quando ainda era jovem. "As pessoas tentam orientar a gente, mas às vezes pela imaturidade, pela pouca idade... Com a impetuosidade da juventude, você acaba achando que tudo se resolve do seu jeito. Muitas pessoas tentaram orientar, mas algumas vezes ouvi e outras não. Eu me arrependo, de verdade, de não ter dado atenção aos conselhos que recebi".

Fábio Costa lembrou que Vanderlei Luxemburgo era a figura "paizão" para o ex-goleiro. "Sempre me ajudou e tentou orientar foi o cara que tenho respeito e admiração".