Topo

Brasileiro quis jogar bola na Europa, matou família e agora encara Justiça

Reprodução
Imagem: Reprodução

Do UOL, em São Paulo

24/10/2018 04h00

Patrick Nogueira Gouveia, que confessou ter matado a facadas seus tios e dois primos de 1 e 4 anos em Pioz, na Espanha, será julgado pela Justiça espanhola nesta quarta-feira (24). Antes de cometer o crime em 2016, ele sonhava desde pequeno em ser jogador profissional de futebol, como muitas crianças do Brasil, e foi longe em busca deste objetivo.

O réu jogava bola em João Pessoa, na Paraíba, mas decidiu por impulso que queria tentar a sorte na Europa. Foi em um rompante, sem avisar os pais, que ele comprou as passagens aéreas para Londres e, enfim, comunicou a mãe sobre a viagem. Desesperada, ela pediu ajuda a alguém que o filho poderia escutar.

Walfran Campos, tio de Patrick e irmão de uma das vítimas, disse que o assassino escolheu a Inglaterra por acreditar que teria mais chances de jogar em um país com tantos clubes. "O sonho dele era Londres. Jogar no Chelsea, no Manchester City, no Manchester United, mesmo esses dois não sendo de Londres", disse à Globo.

Incapaz de fazer o sobrinho mudar de ideia sobre a viagem, Walfran fez o que pôde para ajudá-lo na empreitada. Ex-jogador de futebol, começou ligando para antigos colegas de profissão que sabia que estavam em Londres. Patrick chegou a fazer testes na Inglaterra, mas não foi aprovado - na época, justificou ter sido prejudicado pelo clima londrino e por uma lesão no joelho.

O plano B foi a terra de Cristiano Ronaldo em Portugal, a turística Ilha da Madeira, mas o joelho ruim voltou a atrapalhá-lo. Aos 18 anos, antes de ser descrito pelos investigadores como "solitário, egocêntrico, narcisista e propenso ao consumo de bebidas alcoólicas", viu-se frustrado pelas limitações do próprio corpo.

Preocupado também com o psicológico da mãe de Patrick, Walfran recorreu ao irmão, Marcos, que já vivia na Espanha. Este outro tio acolheu Patrick em sua casa e conseguiu um emprego para ele no restaurante em que trabalhava. A ideia, segundo as declarações de Walfran à Globo, era de que ocupasse a mente e não passasse "o dia todo com a mente vazia em casa".

Muita coisa mudou (ou ficou explícita) no comportamento do sobrinho a partir deste ponto. "Dentro dos quatro meses em que viveram juntos, ele [Patrick] criou coisas na cabeça dele que só Deus sabe. Criou raiva do meu irmão e sua família ao ponto de matá-los. Nada justifica, o meu irmão o recebeu em casa", lamentou Walfran.

Marcos, então, enviou um áudio revelador à família no Brasil: "Patrick me decepcionou muito. O Patrick que a gente conheceu aí no Brasil não tem nada a ver". Enquanto isso, o assassino treinava futebol no clube Juventud de Torrejón, da cidade de Torrejón de Ardoz, situada na província de Madri.

"Não pudemos inscrevê-lo porque não apresentou a documentação pertinente", disse o treinador Jesús Romero ao jornal El Español. "Era um jogador normal como qualquer outro. Uma pessoa normal, nada agressiva. Não se mostrava agressivo no futebol", completou o homem que estava acostumado a dar ordens a Patrick.

Quando o tio e a mulher, Janaína, decidiram se mudar da província de Madri para a cidade de Pioz, o sobrinho optou por não acompanhá-los. Marcos chegou a dizer à família que havia combinado de buscá-lo dias depois da mudança, mas não conseguiu contato por telefone. A proprietária da casa anterior disse que Patrick tinha ido para um hotel.

Em 17 de agosto de 2016, Patrick descobriu o novo endereço em Pioz e apareceu de surpresa na casa nova dos tios, às 17h, com duas pizzas. Janaina abriu a porta sozinha com as crianças e, na frente delas, levou a primeira facada de Patrick. Ele também matou a prima Maria Carolina, de 4 anos, e o primo Davi, de 1 ano.

Segundo a investigação, Patrick Nogueira Gouveia teve tempo de esquartejar os corpos, guardá-los em sacos de lixo e aguardar a chegada do tio ao chalé para finalizar a chacina. Neste meio tempo, enquanto cometia o crime, ele conversou por WhatsApp com um amigo que estava no Brasil, Marvin Henriques Correia.

Um documento judicial revela que, nas mensagens com o cúmplice, ele "pedia conselhos, relatava o que estava fazendo e enviava fotografias dos cadáveres, recebendo por parte de seu interlocutor mensagens de incentivo". Em um trecho da conversa, ele deu a entender que as crianças ficaram paralisadas de choque enquanto Janaína era esfaqueada.

Um mês depois, a cena do crime foi descoberta por um funcionário da manutenção que alertou para o odor procedente de uma casa em Pioz. No dia 20 de setembro de 2016, Patrick fugiu para o Rio de Janeiro; permaneceu no Brasil até 19 de outubro do mesmo ano, quando voltou à Espanha para confessar autoria dos homicídios.

Ele passou um mês preso em Meco, onde podia jogar futebol com outros detentos. No entanto, em fevereiro de 2017, a revista Interviú, de Madri, publicou que o réu confesso estaria se queixando por não poder praticar o esporte no presídio de Estremera, para onde foi transferido posteriormente.

Possibilidade de prisão perpétua na Espanha

marcos nogueira e janaina santos - Reprodução - Reprodução
Marcos Campos Nogueira e Janaína Santos Américo foram vítimas de Patrick Nogueira
Imagem: Reprodução

O brasileiro é acusado de quatro crimes de assassinato com aleivosia (traição, deslealdade, falsa demonstração de confiança e amizade), com o agravante de que duas vítimas foram seus primos vulneráveis. Por estes últimos dois crimes, a Promotoria pede pena de prisão permanente com possibilidade de revisão, além de 20 anos de prisão por cada assassinato dos tios.

A prisão permanente com possibilidade de revisão é a condenação máxima do Código Penal espanhol, prevista apenas para os criminosos mais perigosos. É uma prisão perpétua que pode ser revista após 25 anos de detenção e, até hoje, foi determinada poucas vezes desde que entrou em vigor em 2015.

O julgamento acontecerá na Audiência Provincial de Guadalajara, onde devem prestar depoimentos mais de 30 testemunhas (algumas delas por videoconferência do Brasil) e 20 agentes policiais e peritos. Os nove membros do júri serão escolhidos na quarta-feira, no início do processo.

A defesa alega "um transtorno mental transitório" de Nogueira e, de fato, solicitou um exame neurológico para determinar se existe uma patologia neuropsiquiátrica. Um laudo divulgado nesta terça-feira (23) apontou deformações no cérebro que, em tese, podem afetar a tomada de decisões e contribuir para acessos de ira.

A acusação afirma que o Patrick atuou com premeditação, pois chegou à residência com uma faca muito afiada, sacos de lixo e fita de vedação, de acordo com documentos judiciais. "Sua conduta criminal foi claramente uma escolha, trabalhou com plena vontade e desejo manifesto de realizar os homicídios", disse Vicente Garrido, doutor em psicologia, especialista em psicopatas e autor da última perícia solicitada pela acusação.