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Antes de propor fim de organizadas, Major fez campanha com líder da Mancha

Major Olímpio, senador eleito por São Paulo, fez campanha com líderes de torcida - Reprodução
Major Olímpio, senador eleito por São Paulo, fez campanha com líderes de torcida Imagem: Reprodução

Adriano Wilkson

Do UOL, em São Paulo

10/12/2018 04h00

Senador eleito por São Paulo, o deputado federal Major Olimpio (PSL) pretende retomar um projeto de lei de 2015 que propõe o fim de todas as torcidas organizadas do futebol. O PL, que tramita na Câmara dos Deputados, foi trazido à tona pelas principais torcidas durante a campanha eleitoral para orientar o voto contra o candidato. "Até quando permitiremos a existência de torcidas organizadas, o que mais falta acontecer? Mais mortes de crianças, jovens e adultos? Algum jogador morto?", escreveu Olimpio na justificativa do projeto. 

Na Mancha Alviverde, principal organizada do Palmeiras, torcedores lembraram que o senador eleito já saiu da campanha ao lado de um ex-presidente da agremiação. Filiado ao PDT em 2014, o então candidato fez uma "dobradinha" com Janio Carvalho, ex-presidente da Mancha que concorria ao cargo de deputado estadual pelo mesmo partido. 

Em uma foto publicada nas redes sociais, o senador eleito que hoje é presidente estadual do PSL, aparece ao lado de Janio e do advogado Marcos Antonio Notari, que já saiu candidato a diversos cargos com o nome "Dr. Marcão da Mancha".

Major Olímpio - Reprodução/Twitter Major Olimpio - Reprodução/Twitter Major Olimpio
Major Olímpio foi o principal cabo eleitoral de Jair Bolsonaro em São Paulo
Imagem: Reprodução/Twitter Major Olimpio

Como líder de torcida organizada, Janio se envolveu em diversas confusões e episódios de violência. Em 2004, foi acusado pela Polícia Civil de participar do assassinato de um corintiano de 16 anos antes de um clássico no Morumbi. Janio chegou a ser preso temporariamente, mas depois conseguiu provar que não estava no local do crime. Em 2008, foi condenado em primeira instância a dois anos de reclusão por lesão corporal após um confronto com a polícia nos arredores do antigo Palestra Itália. O torcedor disse que reverteu a condenação em segunda instância.

"Brigar eu briguei mesmo, muito mais do que eu deveria", afirmou o ex-cabo eleitoral de Olimpio, de quem se disse amigo. Professor de educação física e lutador de MMA, ele não conseguiu se eleger deputado em 2014. "Sempre dizia aos juízes: se quiser me condenar pode condenar, até me considero culpado. Prende aí e a gente vê o que dá pra ser feito. Não é que eu queria brigar, mas se eu vou pro estádio e os caras querem me bater, eu tenho que me defender."

Janio calcula que, ao longo de sua vida de torcedor organizado, tenha sido alvo de "uns 30 processos, todos negócio de briga, confusão de torcida." "Os caras colocavam formação de quadrilha, tentativa de homicídio, tentavam empurrar um monte de BO. Mas eu nunca planejava nada. De repente por uma falta de segurança, falta de um policiamento, aconteciam as brigas. Os processos não tinham muito nexo", afirma.

Aliança com major é vista como "vergonha" na Mancha

O ex-presidente, que hoje tem 39 anos, foi expulso da Mancha no ano passado após o assassinato do fundador Moacir Bianchi. Dentro da torcida, a campanha conjunta do ex-diretor com Major Olimpio agora é vista como motivo de vergonha pela atual diretoria da entidade.

"O excluído o trouxe para dentro da entidade, para que os nossos associados apoiassem a sua candidatura", escreveu a atual diretoria da Mancha, se referindo à campanha do major. "Uma vergonha para a nossa história a entidade ter apoiado uma pessoa dessa."

Janio afirma que sua aproximação com o então candidato se deveu ao fato de os dois serem do mesmo partido. "Essa dobrada é uma coisa que acontece em todos os partidos", afirma o ex-presidente. Janio era uma das vozes mais respeitadas na torcida na época e usou sua influência para chamar votos para Olimpio.

Major Olimpio e Janio participaram de eventos de campanha e de ações em projetos sociais de Sorocaba, no interior de São Paulo, onde um núcleo da torcida se envolvia diretamente na política partidária.

Torcida Palmeiras - Paulo Whitaker/Reuters - Paulo Whitaker/Reuters
Imagem: Paulo Whitaker/Reuters

"O que eu gosto do major é que ele sempre foi bem claro", afirma Janio. "Ele nunca gostou de torcida organizada e até pela formação dele como militar, não teria como gostar. É impossível. Quando a gente conversou, uma das coisas que foi colocado é que ele não iria em eventos de torcida porque torcida e polícia não dá muito certo, tem muito atrito por causa do [Batalhão de] Choque."

Depois de sair da organizada palmeirense, o ex-líder passou a apoiar a extinção das torcidas: "As torcidas perderam sua essência. Hoje não temos ideal nenhum dentro de organizada. O cara só usa torcida pra ganhar dinheiro, e quem quer ganhar dinheiro tem que trabalhar."

Senador eleito diz que organizadas "mancham" esporte

Se o PL 1587/15 de Olimpio for aprovado, estaria "proibida a criação de Torcida Organizada, ficando assim, extintas as torcidas organizadas existentes, pessoa jurídica de direito privado ou existente de fato, que se organizem para o fim de torcer e apoiar entidade de prática esportiva de qualquer natureza ou modalidade."

Em dezembro de 2016, a Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara aprovou um texto "substitutivo" à proposta de Olimpio, considerada inconstitucional pelo relator Carlos Henrique Gaguim (PTN-TO). "Não faz sentido penalizar todos pelas condutas de alguns. É o que está ocorrendo quando torcidas ficam proibidas de se manifestar ou os jogos têm torcidas únicas", disse Gaguim na época. Em vez de banir as torcidas, o texto de Gaguim propunha que o torcedor violento ficasse impedido de frequentar estádios por até um ano.

O PL está sendo analisado na comissão de Educação da Câmara e ainda deve passar por outras comissões, como a de Constituição e Justiça e do Esporte. Uma audiência marcada para quarta-feira (12) em Brasília discutirá o tema junto com representantes das organizadas. Segundo Major Olímpio, o substitutivo apresentado pelo deputado Gaguim "não inibe as práticas criminosas, pois mantém a possibilidade de oficialização dessas estruturas que mancham a imagem do esporte ao serem instrumento para todo tipo de violência e outros crimes".

Procurado para comentar sua relação com o ex-líder da Mancha, o presidente do PSL paulista não quis conceder entrevista, mas afirmou, via assessoria de imprensa, que o encontrou apenas uma vez durante a gravação de um programa de rádio em Sorocaba. A equipe de Olimpio afirmou que não foi produzido nenhum material conjunto com a campanha de Janio.

Mancha afirma que lutará contra PL "inconstitucional"

Atual presidente da Mancha Alviverde, André Guerra disse que a agremiação lutará contra o projeto do Olimpio por considerá-lo inconstitucional. "Como você vai proibir as pessoas de se reunirem? A torcida é oficial, tem um CNPJ, uma ata. Eles dizem que temos ligação com o crime, mas não temos. Eu não ganho um centavo com a torcida", afirma ele.

Sobre a campanha conjunta de Major Olimpio com um diretor da Mancha em 2014, André Guerra afirmou sentir "vergonha" de ter visto Janio como presidente. "Ele entregou material de campanha do major dentro da torcida. Como ele traz pra dentro alguém que ele sabia que não gostava da gente?"

Leia nota do senador eleito Major Olimpio

"O projeto foi designado para apreciação das comissões de segurança pública e combate ao crime organizado, esporte e constituição e justiça e cidadania, só tendo sido apreciado pela primeira, com um parecer que entende que há a necessidade de enrijecimentos mas sem proibições da existência das torcidas organizadas e sim repristinação de dispositivo que trazia possibilidade de punição de suspensão a qualquer torcedor por práticas irregulares. O que, de fato, acaba por não gerar efeitos práticos, pois não inibe as práticas criminosas, pois mantém a possibilidade de oficialização dessas estruturas que mancham a imagem do esporte ao serem instrumento para todo tipo de violência e outros crimes, em eventos esportivos e fora deles.

O projeto está atualmente na comissão de educação sob relatório do deputado capitão Fábio Abreu, sem apresentação de relatório ainda."