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Antielitista, Paysandu dá entrada a torcedor pobre e lança camisa na feira

Adalberto Gomes, torcedor do Paysandu, participa de iniciativa para torcedores pobres - Jorge Luiz/Paysandu
Adalberto Gomes, torcedor do Paysandu, participa de iniciativa para torcedores pobres Imagem: Jorge Luiz/Paysandu

Adriano Wilkson

Do UOL, em São Paulo

11/12/2018 04h00

Cerca de 500 torcedores com renda familiar de até um salário mínimo terão acesso gratuito a jogos do Paysandu, que em 2019 disputará a Série C do Campeonato Brasileiro, o Campeonato Paraense, a Copa Verde e a Copa do Brasil. A diretoria já cadastrou mais da metade deles, em uma iniciativa que tenta reposicionar a imagem do clube como "o time do povo".

Os torcedores selecionados fazem parte do Cadastro Único do governo federal, que garante a cidadãos de baixa renda acesso a programas sociais como o Bolsa Família. No ano que vem, serão sorteados em um sistema de rodízio para ter acesso a alguns dos cerca de 40 jogos que o time fizer em Belém na próxima temporada.

"No Paysandu, temos torcida em todas as faixas sociais, do gari ao dono de empresa. Mas queremos nos reaproximar do torcedor da base da pirâmide, o torcedor raiz", afirmou o presidente Ricardo Gluck Paul, eleito no fim de novembro. "Achamos que nos últimos anos o Paysandu se posicionou de forma elitista, o que na nossa visão foi um erro. Queremos devolver o clube ao povo."

Torcedor Paysandu - Jorge Luiz/Paysandu - Jorge Luiz/Paysandu
Família de Gilson Gomes, desempregado, pretende entrar de graça em jogos em 2019
Imagem: Jorge Luiz/Paysandu

A diretoria já fez duas rodadas de cadastro com o apoio de assistentes sociais de uma universidade. O projeto, considerado piloto, pretende reunir até o início do ano que vem cerca de mil torcedores "hipossuficientes" (que não conseguem se sustentar com recursos próprios). A ideia é aumentar esse número nos meses seguintes. A cada jogo o Paysandu vai reservar entre 200 e 500 lugares em seu estádio, com capacidade para 16,2 mil pessoas, a serem sorteados entres os bicolores mais pobres.

"A pessoa não vai ter acesso a todos os jogos", explicou o presidente. "Mas vamos fazer uma fila, que vai rodando de acordo com o jogo. Se um dia tivermos 2 mil cadastrados, e para um jogo tivermos 500 acessos, na fila do próximo jogo estarão aptos a serem escolhidos os próximos 1500 e assim por diante. Como são uns 40 jogos em casa, essa roda vai girar bastante."

Um dos beneficiados com o projeto deve ser o ajudante de limpeza Gilson Gomes, de 41 anos, que levou a mulher e a filha de três anos para se cadastrar. Gilson disse aos funcionários do clube que está desempregado há cerca de um ano.

Ivan Paysandu - Divulgação/Paysandu - Divulgação/Paysandu
Ivan, massagista do Paysandu, foi modelo do novo uniforme da equipe
Imagem: Divulgação/Paysandu

 "A nossa renda familiar gira em torno de R$ 400, já que eu e ela [sua mulher Talia] estamos desempregados neste momento. A gente frequenta o estádio sempre que pode, porque as condições financeiras não estão muito boas. Quando dá vai só ela, ou então vai só eu, aí vamos alternando", disse o torcedor. "Às vezes a gente faz uma 'vaquinha' pra ir nós dois, mas é muito raro conseguir ir junto."

O trabalhador autônomo Adalberto Gomes, de 53 anos, também conversou com o clube no dia em que foi se cadastrar. Ele disse que já foi sócio-torcedor, mas a variação de sua renda mensal não lhe permitiu continuar pagando a mensalidade:

"Já fui sócio, porém não consegui dar continuidade pois trabalho como autônomo, não tenho renda fixa e financeiramente pesa no orçamento, mas pretendo um dia voltar a ser. A minha renda mensal normalmente gira em torno de um salário mínimo."

O clube acredita que as novas gratuidades não vão ter impacto em sua saúde financeira, já afetada pelo recente rebaixamento à terceira divisão. Para acomodar os torcedores hipossuficientes e equilibrar as contas, a diretoria pretende eliminar gratuidades já dadas a órgãos públicos.

Feirantes Paysandu - Ag. Macaco Velho/Paysandu - Ag. Macaco Velho/Paysandu
Trabalhador do Ver-o-Peso foi estrela em evento dos novos uniformes do clube
Imagem: Ag. Macaco Velho/Paysandu

"Temos uma carga de gratuidade absurda todos os jogos, para a Polícia Militar, para o Ministério Público, secretarias estaduais, municipais... vamos reduzir isso. Pode soar demagogia, mas o que estamos fazendo é tirar de quem não precisa para dar para quem precisa", disse Gluck Paul.

Clube convida feirantes para lançar nova linha de uniforme

Na segunda-feira (10), os novos uniformes da temporada 2019 foram lançados em um evento diferente. Se em 2017, o Paysandu lançou seu fardamento em um show com a presença da banda Paralamas do Sucesso e da dupla sertaneja Marcos e Belutti, dessa vez preferiu escolher como modelos trabalhadores da feira do Ver-o-Peso, no centro de Belém.

dona colo - Ag. Macaco Velho/Paysandu - Ag. Macaco Velho/Paysandu
Dona Coló, famosa vendedora de ervas do Ver-o-Peso, puxa a fila do desfile
Imagem: Ag. Macaco Velho/Paysandu

Em um evento programado para ser simples, desfilaram com os uniformes da temporada 2019 feirantes que trabalham nas barracas vendendo peixe, frutos, artesanato e outros produtos da economia popular da cidade. Dona Coló, famosa vendedora de ervas do mercado, foi uma das homenageadas. Um artista de futebol freestyle participou da gravação de um vídeo usando o uniforme dos garis de Belém. Nas imagens de divulgação, o clube mostrou torcedores comuns e até seu massagista vestindo as novas camisas.

Mas uma parte da torcida também criticou o preço do uniforme, vendido a R$ 199,90, valor que dificilmente um torcedor pobre teria condição de pagar. O presidente Gluck Paul afirmou que as novas camisas, produzidas pela marca própria Lobo, estão entre as mais baratas do país. Mas também disse que pretende lançar em breve uma linha "popular", com preços mais "competitivos".

Torcedora nova camisa Paysandu - Divulgação/Paysandu - Divulgação/Paysandu
Imagem: Divulgação/Paysandu

"Também queremos abrir uma loja no Ver-o-Peso", afirmou o cartola de 41 anos, que está em seu primeiro mandato à frente do clube, mas já foi diretor de marketing. "Um time popular como o nosso precisa estar mais perto do povo."