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Deficientes visual e auditivo superam bullying para brilhar na Copinha

Jhonata Robert balançou as redes na Copinha, deu assistências e chegou às quartas de final com o Grêmio - Rodrigo Fatturi/Grêmio
Jhonata Robert balançou as redes na Copinha, deu assistências e chegou às quartas de final com o Grêmio Imagem: Rodrigo Fatturi/Grêmio

Luiza Oliveira

Do UOL, em São Paulo

21/01/2019 12h00

Jhonata Robert balançou as redes na Copinha, deu assistências e chegou às quartas de final com o Grêmio. Guida participou da maior parte dos gols do Goiás, apesar de a equipe sido eliminada cedo. Como tantos outros meninos que disputam a competição, eles sonham em chegar ao profissional e brilhar nos gramados. Mas os dois atacantes tiveram que driblar dificuldades ainda maiores que seus colegas. Jhonata Robert tem deficiência auditiva nos dois ouvidos, enquanto Guida não enxerga de um olho.

Jhonata já nasceu com a deficiência que ele herdou do pai e ao avô. Sua capacidade auditiva é reduzida a 70% em cada ouvido. Já Guida sofreu um acidente aos 5 anos e perdeu a visão em um dos olhos. Os dois lutaram muito para estar em campo. Mais que as dificuldades naturais que as deficiências apresentaram para jogar futebol, eles tiveram que encarar o bullying na infância e as próprias inseguranças. Mas também adquiriram habilidades para superar isso e conseguiram se destacar.

Jhonata conta que já teve dificuldades por não ouvir o que um companheiro diz ou a instrução de um técnico. Mas ele desenvolveu características melhores. "Eu procuro estar sempre mais atento, mais ligado nas coisas para eu não acabar perdendo e não escutando nada. Na hora da palestra, eu procuro sentar na frente. Como procuro estar muito ligado, eu tenho muita visão de jogo, uma percepção das coisas. Sei o que pode acontecer, o que vai acontecer. Adquiri, sim, uma qualidade", disse.

"Às vezes não precisa falar muito comigo, eu tenho uma boa leitura labial de longe. Consigo interpretar o que eles estão falando. E muitas vezes o treinador passa a informação para alguém e essa pessoa fala para mim. Ele não precisa gritar para eu escutar".

Guida, jogador do Goiás na Copa São Paulo - Reprodução - Reprodução
Guida sofreu um acidente e perdeu a visão em um dos olhos
Imagem: Reprodução

Jhonata, que começou a carreira em uma escolinha de futebol de Pernambuco, se destacou na base do Barra Futebol Clube, de Santa Catarina. Subiu para o profissional, fez gol na estreia, cresceu e foi emprestado ao Grêmio. Agora, na Copinha ele marcou dois gols e também deu assistências. Ele participou da boa campanha do time que perdeu nas quartas de final para o Corinthians no fim de semana. Apesar de se cobrar muito e acreditar que precisa melhorar no embate cara a cara com os adversários, ele saiu satisfeito com seu desempenho.

O garoto tem contrato até o próximo mês e espera continuar no clube. E demonstra confiança de seguir no profissional. Mas nem sempre foi assim. Jhonata sofreu bullying no início da carreira e chegou a ter muitas dúvidas se conseguiria jogar futebol.

"As pessoas brincavam falando da minha audição e me chamavam de 'surdo'. Eu tinha a consciência muito fraca e isso acabava me chateando, ficando triste. Muita gente falava. E meu pai me ajudou: 'Filho, isso não muda nada. Você tem que jogar, você vai aprender a lidar com isso. Fiquei escutando meu pai, minha família, isso foi me ajudando", disse.

O atacante Guida, do Goiás, passou por situações bem semelhantes quando era criança. Aos 5 anos, ele sofreu um acidente quando seu irmão usou uma pedra para se defender de um cachorro. A pedra caiu da mão dele e acertou bem o olho do menino. Ele ficou cego de um olho.  Guida, que já amava jogar futebol, não desistiu mesmo com as dificuldades e com a falta de incentivo até de amigos próximos.

"No começo foi difícil, muita gente falava que eu não ia conseguir. Tinha um rapaz que sempre que me via, ficava falando que eu era cego. Eu era tímido, tinha vergonha, às vezes não olhava para a pessoa, eu abaixava a cabeça com vergonha. Algumas pessoas falavam: 'Como pode um cara de uma vista jogar dessa forma?'. Eu escutava, ficava comentando.".

Guida não desistiu. Até hoje, ele tem algumas dificuldades em campo, especialmente nas jogadas que ocorrem pelo seu lado direito. "Quando estou de frente para o jogo e tenho que fazer a parede, tenho um pouco de dificuldade. Quando olho, a bola está chegando e vejo o adversário em cima", conta.

Mas, assim como Jhonata, Guida aprendeu a desenvolver outras habilidades para compensar a sua deficiência. E já foi elogiado pelo técnico.  "Ativou um duplo sentido em mim. Eu como não tenho a vista direita, uso a intuição, percepção, é como se eu tivesse uma reação e um raciocínio mais rápidos. Quando a bola está no alto, eu subo para cabecear sem olhar, tem menino que tem as duas vistas e tem que parar e olhar."

As pessoas que um dia debocharam de Guida viraram combustível para ele seguir em frente. Guida teve ainda mais garra ao passar pela base do Cruzeiro, Tigre-RJ até chegar ao Inter de Bebedouro-SP e se destacar em uma competição de base ao se tornar artilheiro. Foi ali que despertou interesse do Goiás.

Sempre que Guida retorna à sua terra natal, Armação dos Búzios-RJ, ele encontra pessoas que não acreditaram em seu futebol e hoje ficam surpresas com seu desempenho. Mas ele prefere não dar muita atenção.

Na Copinha, Guida gostaria de ter saído mais feliz. O Goiás foi eliminado para o Volta Redonda nos acréscimos. Ele lamenta a bobeada do time, mas quer seguir em frente O jogador ainda tem mais um ano de contrato e espera se firmar para chegar ao elenco profissional. "Me sinto feliz, por mais que tenha acontecido isso na minha vida, eu consegui chegar. Tem muitas pessoas que têm boa visão e capacidade de enxergar e não conseguiram. Me sinto feliz e abençoado".