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Corintiana luta contra câncer pelo sonho de ir a jogo pela 1ª vez

Aline Giampedro, torcedora do Corinthians, luta contra leucemia e aguarda liberação do médico para ir a um jogo do time pela primeira vez - Carine Wallauer/UOL
Aline Giampedro, torcedora do Corinthians, luta contra leucemia e aguarda liberação do médico para ir a um jogo do time pela primeira vez Imagem: Carine Wallauer/UOL

Luiza Oliveira

Do UOL, em São Paulo

06/02/2019 13h37

Aline Giampedro fecha os olhos e uma cena vem à cabeça. Ela está no meio da arquibancada com camisa branca-e-preta, uma bandeira em punho e vê o Corinthians entrar em campo, em Itaquera. O silêncio da torcida é substituído pela explosão de um grito uníssono: "vamos, vamos Corinthians. Essa noite teremos que ganhar". Aqueles minutos que antecedem o jogo, corriqueiros para qualquer torcedor, fazem seus olhos se encherem d'água.

Aline perdeu a conta de quantas vezes imaginou essa cena.

Ela nunca viu um jogo do seu time do coração ao vivo, no estádio. Nas duas únicas vezes em que pisou em uma arquibancada, o estádio era o Brinco de Ouro, em um jogo do Guarani, time do coração do seu pai. Também por isso, nunca teve companhia para ir a jogos. Ao longo de 35 anos, alimentou o sonho de ver o Corinthians e achava que nem seria possível realizá-lo sozinha porque se viu podada por uma sociedade pouco convidativa à presença de mulheres no futebol.

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Recentemente, esteve bem perto de concretizar o sonho. Em novembro do ano passado, conheceu um grupo de mulheres que fez um projeto para incentivar outras torcedoras a frequentar estádios. Aline se juntou a elas e comprou ingresso para uma partida do Brasileiro. Mas levou um golpe da vida poucos dias antes do jogo. Ela havia sido diagnosticada com leucemia em setembro e, por isso, o médico a proibiu de passar por emoções intensas.

"Falou: 'Nem pensar, mocinha. Você vai com um monte de gente que não conhece, vai sozinha. Pode acontecer alguma coisa, pode ser pior'", relembrou. "Naquele momento, eu estava passando por uma fase de ataque da doença. O médico explicou que, como eu tenho a hemoglobina muito baixa e a anemia muito alta, qualquer tipo de estresse pode ser gatilho para um desmaio ou alguma coisa mais séria".

Da normalidade ao caos

Era só mais uma privação diante do caos que se tornou sua vida em poucos meses. Até então, ela levava uma rotina normal para uma moça de trinta e poucos anos. Sua única preocupação era com as crises incômodas de pedras nos rins que de vez em quando teimavam em surgir. Em uma nova crise, algo mais grave apareceu. Aline fez e refez exames e o diagnóstico estava decretado: ela tinha câncer.

"É uma sensação que parece que você está caindo num buraco, tenta segurar e não consegue. É muito esquisito. Nada faz sentido, realmente eu perdi o chão. Eu chorei. Foi mais um choro de tristeza do que de desespero. Tudo o que eu queria era minha mãe do lado e ela estava longe, porque mora em Salvador. No momento em que o médico me deu o diagnóstico, queria que ela estivesse do lado para não me deixar cair no buraco que eu caí naquela hora".

Aline nem teve tempo para assimilar. Foi internada imediatamente e iniciou a quimioterapia. Foram 23 dias no hospital em um processo doloroso. "Na primeira vez, você quer morrer. Eu vomitava o dia inteiro. As primeiras 24 horas depois da químio são absurdas de horríveis. Hoje, já convivo com elas normalmente, mas a primeira foi muito difícil. Quando fui fazer a segunda, não queria com medo da recuperação."

Hoje, ela está bem melhor e faz um tipo de tratamento via oral para quimioterapia a que seu corpo vem respondendo. Apesar de ainda não poder dirigir e trabalhar por conta de dores no corpo, aos poucos vai voltando à sua vida normal.

A queda de cabelo foi um momento difícil, sobre o qual pouco se fala. "As pessoas olhavam no metrô, ônibus, em lugares públicos. Tem dois tipos de olhares. Aquele olhar de dó e piedade. E tem aquele olhar de repulsa. Os dois me incomodavam muito. Como se eu fosse uma aberração, portasse uma doença contagiosa. No começo eu ficava muito revoltada. Na verdade, eu sou uma sobrevivente. Eu deveria sentir muito orgulho. Minhas falhas na cabeça são sinais de que está dando certo, sinais de que estou sobrevivendo. Mas eu sinto vergonha".

Aline Giampedro, torcedora do Corinthians e seu gato, Marcelinho Carioca - Carine Wallauer/UOL - Carine Wallauer/UOL
Imagem: Carine Wallauer/UOL

Nessas horas mais difíceis, Aline se apegou às suas maiores paixões: Corinthians e Marcelinho Carioca. Não o ex-jogador, o gato. O animalzinho preto e branco leva o nome do ídolo e é um fiel escudeiro. Apesar de sua independência felina, sempre percebe quando ela não está bem e fica por perto oferecendo carinho. Os dois têm sido fundamentais para Aline superar todo esse processo. 

Ela continuou torcendo e acompanhando o time pela televisão. No início deste ano, seguiu até o time sub-20 e viu todos os jogos da Copinha. E, para matar um pouco a vontade, foi a um ensaio de Carnaval na quadra da Gaviões da Fiel. O enredo deste ano é especial para a escolha: presta homenagem ao samba vice-campeão de 1994. Foi nesta década que Aline viu seu fanatismo corintiano tomar forma, pela tela da TV, quando Tupãzinho marcou e garantiu o título brasileiro de 1990.

"Eu fui para ficar pertinho do Corinthians. Foi tão gostoso, aquele ambiente, foi maravilhoso. Não precisei passar por situação de estresse, por nervoso. Já tinha ido a um desfile há muitos anos, mas na escola é diferente. Eu adoro instrumento de percussão, então ver a bateria de perto foi emocionante".

A esperada visita à Arena

Agora, a ida ao estádio ganhou contornos ainda mais especiais. Aline começou a acompanhar futebol por causa do pai e conhecer a Arena Corinthians vai ser também uma homenagem a ele, que morreu há dois anos vítima de uma leucemia, a mesma doença que ela tem. "Não sei o que vou sentir. Acho que vou entrar naquela arena e começar a chorar", disse.

Hoje, ela já ganhou a confiança de ir ao estádio sozinha, graças à sororidade daquele grupo de mulheres. Mas ainda aguarda o aval do médico para, enfim, vestir a camisa e ver seu time ao vivo, do campo. 

"Nessa semana estive no meu médico e perguntei para ele se já estava legal. Até pelo menos o Carnaval eu vou ter que esperar. Eu não vejo a hora de ir, estou ansiosa. Da última vez já foi frustrante porque estava com tudo pronto e até tive que dar o ingresso para outra pessoa. Mas nem imagino como vai ser. Vou chorar muito. Eu fico imaginando aquele momento que os jogadores entram em campo, que dá um segundo de silêncio e a torcida explode. Eu posso me imaginar estando naquele lugar".

Aline Giampedro, torcedora do Corinthians, luta contra leucemia e aguarda liberação do médico para ir a um jogo do time pela primeira vez - Carine Wallauer/UOL - Carine Wallauer/UOL
Imagem: Carine Wallauer/UOL