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Caso Regis: qual o papel dos clubes quando os jogadores têm problemas?

Lateral direito Régis, do CSA, carrega a bola durante jogo contra o Jaciobá - Morgana Oliveira/RCortez/CSA
Lateral direito Régis, do CSA, carrega a bola durante jogo contra o Jaciobá Imagem: Morgana Oliveira/RCortez/CSA

Marcello de Vico e Napoleão de Almeida

Especial para o UOL, em São Paulo

04/03/2019 04h00

Qual deve ser a postura de um clube de futebol quando um jogador vive um problema como o de Régis, ex-CSA, que rescindiu com o clube alagoano após uma confusão em um motel em Maceió e tem histórico de uso de cocaína? A discussão passa pelas necessidades dos clubes, mas também pela formação do jogador profissional no Brasil.

"Você tem que abdicar de experiências e fases importantes no desenvolvimento psicológico, emocional, social e intelectual. Boa parte desses meninos não tiveram pais ou foram criados pelos diretores de futebol dos clubes. Estiveram distantes da família, tiveram uma lacuna muito sentida por esses atletas, que tem origens pouco favorecidas, e quando chegam ao estrelato, passam a ser reconhecidos, acabam tendo questões ligadas à identidade. Por conta das fases que não foram vividas - o garoto abandona a todas as experiências da adolescência e ingresso na fase adulta - os atletas precisam se dedicar ao máximo, nem na escola vão, e essa não-vivência de períodos fundamentais para alguns atletas pode ser crucial no gerenciamento das suas dificuldades", aponta João Ricardo Cozac, doutor em psicologia do esporte pela USP e presidente da Associação Paulista da Psicologia do Esporte (APPE).

Régis ficou afastado no São Paulo, no Guarani e, no CSA, repetiu o drama. Os alagoanos afirmam terem destinado psicólogo, psiquiatra, e até pastores para auxilia-lo. "Mas não teve jeito.", afirmou Raimundo Tavares, presidente do Conselho Deliberativo do CSA, em entrevista ao UOL Esporte. Na última quarta, Régis foi confirmado no São Bento, onde teve sua última boa passagem. Durante a repercussão do caso, a diretoria do clube de Sorocaba negava a negociação. "Muito difícil", disse Wilson Vieira, diretor de futebol do Bentão.

Gestão de grupo coloca clube em dilema

Difícil também é ajudar o atleta em meio as necessidades dos clubes. Cada caso é um caso. No Guarani, o então gerente de futebol Rodrigo Pastana, hoje no Coritiba, contou com a compreensão do grupo de jogadores para não afastar Régis após um período frustrado de desintoxicação. Hoje, Pastana questiona-se se repetiria a atitude. "Quanto a pessoa, devemos dar assistência social e psicológica; porém no caso do Régis, ele se nega tratamento", relatou, em concordância com o que descreveu a diretoria do CSA, "Todos têm pena enquanto ele só faz mal a si mesmo, mas quando alcoolizado ou drogado, se atingir e prejudicar alguém, como por exemplo um atropelamento? Os caras têm agente, família e grana para saberem bem o que fazem", cobra.

O dinheiro é outro fator de desequilíbrio, aponta Cozac. A fama e o sucesso financeiro traz angústias sobre a identidade individual das pessoas que tiveram ascensão social repentina: "As ações, quem eles são naquele momento, se pertencem àquela família menos favorecida economicamente, ou se já tem uma identidade de uma pessoa com alto poder aquisitivo... essa transição do sucesso exige muita condição psicológica e muita estrutura emocional para você não sucumbir. Quando o atleta começa a ganhar dinheiro e começa a sentir que não tem mais limite para o que deseja fazer, ele se perde."

O restante é um roteiro conhecido para todo dependente químico. "A tentativa de manter aquela sensação de manter aquilo que ele está vivendo no momento. Algumas drogas promovem uma sensação falsa de empoderamento. E essa sensação é, de alguma forma, similar àquela sensação que o atleta tem, fantasiosa, de que ele é muito forte, indestrutível, que tem o poder para fazer tudo aquilo que ele entende que é melhor. Que é o resultante da fama em cima de atletas que não tem a estrutura para dar conta de todo esse assédio que a fama promove em cima da personalidade desses indivíduos. Quando não há vivências consistentes da infância, pré-adolescência e adolescência, ele pode entrar na fase adulta e sucumbir ao álcool e às drogas. E quase sempre essas reações trazem um quadro importante de depressão, que deve ser trabalhado, compreendido e com atuação simultânea de um psiquiatra e de um psicólogo", diz Cozac, que defende que os clubes tenham intervenção direta nesses casos.

"O papel dos clubes deveria ser de apoio sócio-institucional nos atletas que são contratados para representarem as equipes. No caso do Régis, dada a história relatada, o clube precisa entender a extensão desse vício e proporcionar um atendimento na área da psiquiatria e da terapia. Importante dizer que o psicólogo clinico não é o psicólogo do esporte. É alguém que possa atender o jogador. Ao psicólogo do esporte não caberia cuidar clinicamente de um atleta. Ele está muito mais ligado às coisas do clube."