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Maior polêmica: Eurico peitou Globo e xingou Garotinho em final trágica

Romário, principal estrela do time campeão nacional em 2000, saúda a torcida com o logotipo do SBT às costas - Antônio Gaudério/Folhapress
Romário, principal estrela do time campeão nacional em 2000, saúda a torcida com o logotipo do SBT às costas Imagem: Antônio Gaudério/Folhapress

Do UOL, em São Paulo

12/03/2019 14h40

Um dos momentos mais icônicos da trajetória como dirigente de Eurico Miranda, que morreu hoje aos 74 anos, foi na final da Copa Havelange de 2000. Na ocasião, Vasco e São Caetano se enfrentavam em uma decisão que foi marcada pela queda do alambrado que feriu mais de 100 pessoas no segundo jogo e pela provocação à TV Globo. Na remarcação da partida, em 18 de janeiro de 2001, o time carioca entrou em campo com o logotipo do SBT estampado na camisa para atingir o canal que transmitia a final.

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O episódio que acabou por consagrar o Vasco como o campeão brasileiro de 2000, já que a Copa João Havelange correspondia ao torneio, foi um dos mais marcantes da polêmica carreira esportiva de Eurico Miranda. Até hoje é bastante lembrado especialmente pela guerra travada com a TV Globo ao usar o símbolo da emissora concorrente ao vivo.

A grande polêmica começou no jogo de volta, após um empate em 1 a 1 em São Caetano no Palestra Itália, em São Paulo. Na metade do primeiro tempo, quando a partida estava empatada em 0 a 0, membros da principal torcida organizada do Vasco, Força Jovem, brigaram por causa da substituição de Romário. O atacante deixou o campo aos 21 minutos por causa de uma contusão da coxa esquerda.

Eurico Miranda - Jorge Araújo/Folhapress - Jorge Araújo/Folhapress
Eurico Miranda tentou conter confusão após queda de alambrado em São Januário, em 2001
Imagem: Jorge Araújo/Folhapress

No tumulto, algumas pessoas foram empurradas contra as grades do alambrado que cedeu. Mais de 120 pessoas ficaram feridas. O árbitro Oscar Roberto Godoi paralisou a partida por cerca de 70 minutos. Já nos primeiros minutos, quatro ambulâncias entraram no gramado e dez helicópteros pousaram no campo para socorrer os feridos.

Durante a paralisação, o governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, deu uma ordem para que a partida não fosse continuada. Eurico Miranda, no entanto, queria o prosseguimento do jogo e se revoltou com a decisão. Enquanto torcedores ainda eram atendidos, o cartola foi para o gramado apressar o atendimento às vítimas e pedir que a final fosse retomada. Ele alegava que a situação "estava tranquila".

Irritado com a postura de Garotinho, o dirigente disparou contra o governador e queria que seu time fosse decretado campeão, já que precisava do resultado 0 x 0 para levantar a taça. "O governador do Rio é incompetente e frouxo. Perguntem a ele se existe uma maneira de devolver o dinheiro aos torcedores", afirmou, em entrevista à "Folha de S. Paulo" na ocasião. "O São Caetano não tem que recorrer. Eles deveriam estar orgulhosos por terem pisado no gramado de São Januário", disse. O jogo acabou cancelado e adiado para 18 de janeiro do ano seguinte.

O episódio serviu para eclodir uma guerra com a TV Globo que já estava anunciada durante a temporada. Eurico interpretou que a Globo teria manipulado informações sobre a queda de parte do alambrado de São Januário. Por isso, decidiu fazer a provocação. Sem que nem Silvio Santos, dono do SBT, soubesse, ele estampou a marca nas costas e na frente da camisa. O logotipo da emissora apareceu durante toda a transmissão da partida, realizada ao vivo pela TV Globo.

Júnior Baiano em 2001 - Antônio Gaudério/Folhapress - Antônio Gaudério/Folhapress
Júnior Baiano foi um dos campeões da Copa João Havelange de 2000, pelo Vasco
Imagem: Antônio Gaudério/Folhapress

"Essa vitória foi a oportunidade que eu tive de prestar uma homenagem ao SBT. Acho que o SBT não esperava, não sabia. Eu vou botar o SBT na camisa do Vasco, o SBT não me paga nada. Eu vou botar o SBT permanentemente na camisa do Vasco", disse, após o título ainda no vestiário, o então recém-empossado presidente do clube.

Segundo ele, a TV Globo editou as imagens dando a entender que Eurico e o Vasco não se preocuparam com as vítimas. "Na fita que eu tenho gravada, o seu Galvão Bueno dizia que a posição que todos tinham que assumir era a posição do Eurico Miranda que só se interessava em cuidar dos feridos. E eles depois fizeram uma montagem. (...) Vamos botar aqui: o minuto 0 foi quando o alambrado cedeu, fomos até o minuto 70. Durante todos esses minutos, até o minuto 40, eu não cuidei de outra coisa senão dos feridos. O que que a fez a Rede Globo manipulando as imagens. Buscou o minuto 64 e jogou no minuto 2. Editou e jogou para o mundo inteiro, jogou para a mídia. Quando provei que editaram, muitos não tinham mais como mudar a opinião porque embarcaram naquela edição de imagens que a Rede Globo fez", disse ele, em participação no programa do Ratinho em 2001.

O discurso anti-Globo de Eurico Miranda ecoou ao longo de toda aquela temporada. O dirigente, antes vice-presidente de futebol, questionava a marcação de horários das partidas pela emissora detentora dos direitos de transmissão, além de denunciar um suposto "monopólio" do canal no país.

O que permitiu ao Vasco provocar a Globo foi que o contrato de patrocínio com uma marca de sabão em pó acabou em 2000 e não foi renovado no ano seguinte, quando a Copa João Havelange foi de fato decidida. Foi a oportunidade que Eurico Miranda teve para provocar a Globo. "Na camisa do Vasco coloco o que quero", disse. Nas arquibancadas houve ofensas à Globo e cantos elogiosos ao SBT, como "ão, ão, ão, é o jogo do milhão" e até "ritmo de festa", bordão do apresentador Silvio Santos. A transmissão global, comandada por Galvão Bueno, se esforçou para conter o áudio das ofensas e "disfarçar" o logotipo do SBT. O jogo deu média de 31 e picos de 39 pontos de audiência - segundo dados da época, 60 milhões de televisores ligados.

Eurico Miranda - Paulo Fernandes/Divulgação - Paulo Fernandes/Divulgação
Eurico Miranda foi vice-presidente de futebol do Vasco até 2000 e assumiu a presidência em 2001
Imagem: Paulo Fernandes/Divulgação

Como clubes não podem ser patrocinados por empresas de comunicação, houve expectativa de reversão do título do Vasco, mas o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) considerou o ato como homenagem, e não patrocínio, já que não houve ganho financeiro na operação. "Homenagem a gente presta a quem quer", disse o dirigente. Apesar de ter a marca usada indevidamente, o SBT não acionou judicialmente o Vasco na ocasião.

Na época, Eurico alegava que o ' patrocínio' foi uma homenagem a Silvio Santos. "É muito difícil de enfrentar (o poder). E você vê uma pessoa que veio lá de baixo e enfrentando tudo e todos, ele consegue incomodar. Era uma homenagem que estava fazendo e quis mostrar que a gente também pode incomodar. Eu quis homenagear o Silvio Santos que é uma grande figura desse país e foi uma homenagem a ele", disse, também a Ratinho.

Anos mais tarde, em 2017, durante entrevista à ESPN Brasil, Eurico Miranda disse que não repetiria o gesto: "Por acaso, foi uma coisa que deu. Eu não botei ESPN porque a ESPN não era concorrente da Globo. Eu estava magoado com uma série de situações, de não ter recebido, de ter disputado dois campeonatos - e acabei ganhando os dois, a Mercosul e o Campeonato Brasileiro. Não posso dizer que me arrependo das coisas, porque não seria justo. O que posso dizer é que, se fosse hoje, eu não faria. Mas não me arrependo."

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