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Ex-SP se diz frustrado por não ter defendido o Corinthians: "politicagem"

Wladimir, ex-Corinthians, e o filho Gabriel - Arquivo pessoal/Gabriel
Wladimir, ex-Corinthians, e o filho Gabriel Imagem: Arquivo pessoal/Gabriel

Marcello De Vico e Vanderlei Lima

Do UOL, em Santos e São Paulo

23/03/2019 04h00

Hoje aposentado após uma carreira que reuniu São Paulo, Fluminense, Grêmio e Internacional como alguns de seus clubes, o ex-lateral direito Gabriel foi um daqueles jogadores que já iniciaram a carreira carregando um peso adicional. No caso, o de ser filho de alguém que já havia feito fama no futebol.

Gabriel é filho de Wladimir, ídolo corintiano e jogador que mais vezes vestiu a camisa alvinegra na história. E é justamente essa ligação familiar que, segundo o antigo lateral, impediu-o de realizar o grande sonho de sua carreira: jogar com a camisa do Corinthians.

Aos 37 anos, Gabriel hoje vive nos Estados Unidos, onde estuda para trabalhar com gestão de futebol. E mesmo com as chuteiras já penduradas, ele ainda remói a maior frustração da carreira. Em entrevista por telefone ao UOL Esporte, o ex-lateral dá a sua versão dos fatos e tenta explicar o porquê de jamais ter defendido o clube onde o pai brilhou.

E uma palavra basicamente resume o pensamento do ex-lateral que iniciou a carreira no São Paulo: politicagem.

"No Corinthians, com certeza, a questão política não me deixou jogar lá. O único dirigente que esteve no Corinthians e quis me levar foi o Kia Joorabchian, depois do campeonato de 2005, que o Corinthians foi campeão brasileiro. Eu fui o melhor lateral direito do Campeonato Brasileiro, e na festa da entrega dos prêmios ele chegou para mim e falou: 'Gabriel, o ano que vem vou te trazer para o Corinthians', e eu falei: 'eu vou, Kia, não tem problema, vou com o maior prazer, é um sonho que tenho'. Aí acabei indo para a Espanha e o Kia saiu do Corinthians, mas sem dúvida foi por política. A politicagem é muito forte no mundo do futebol. E eu, filho do Wladimir, cresci com isso. Sem dúvida nenhuma atrapalhou, mas consegui ter uma carreira vitoriosa mesmo sendo prejudicado algumas vezes pela política", relatou.

Pai e filho, Wladimir e Gabriel acompanham jogo na Arena Corinthians - Arquivo pessoal/Gabriel - Arquivo pessoal/Gabriel
Imagem: Arquivo pessoal/Gabriel
Curiosamente, o ex-jogador cita o próprio pai como um dos responsáveis por ele não ter defendido o clube de Parque São Jorge. Na visão de Gabriel, o jeito de Wladimir e o fato de ele não ter tido chances para trabalhar no clube após a vitoriosa carreira fizeram com que os dirigentes da época dificultassem um possível acerto dele com o Corinthians.

"Apaixonado pelo Corinthians como ele é, era o grande sonho dele me ver vestindo a camisa do Corinthians. Mas ele está ciente de que foi uma coisa política. Na verdade, eu nunca consegui mudar isso nele, e nem vou, mas acho que ele podia ter segurado a onda um pouco mais, porque como os caras nunca deram oportunidade para ele, ele não está nem aí. A imprensa pergunta e ele mete a boca mesmo, 'está tudo errado', 'não ganha por causa disso', e aí acho que isso me prejudicou também. Se ele não bate de frente com os caras, os caras não teriam o porquê de não me levar. Mas não tem como mudar a personalidade de uma pessoa", afirmou.

São Paulo veio depois de 'não' do Corinthians

Primeiro time da carreira, o São Paulo apareceu na vida de Gabriel, basicamente, por dois motivos: a distância mínima do CT tricolor e o 'não' que recebeu do Corinthians. No total, foram sete anos no clube do Morumbi, sendo dois na base e cinco no profissional.

Ex-jogador Gabriel acompanhado da esposa e dos filhos - Arquivo pessoal/Gabriel - Arquivo pessoal/Gabriel
Imagem: Arquivo pessoal/Gabriel
"Meu começo de carreira foi no próprio São Paulo justamente por uma questão geográfica, porque o CT era mais perto da minha casa. Eu sempre morei na Granja Viana, e o centro de treinamento do São Paulo era em Cotia, aí eu optei pelo São Paulo porque sempre teve uma estrutura nas categorias de base exemplar e, como estava perto de casa, fui para lá. Eu até fiz testes no Corinthians, mas não fiquei no Corinthians por uma situação política", diz.

"O meu pai sempre foi oposição a quem estava na direção, porque eles não valorizam alguns atletas, não dão oportunidade para os ex-atletas trabalharem lá. Pô, meu pai que tem um super nome no clube. E aí eles não me aprovaram justamente por causa disso, porque eu fui, sem dúvida nenhuma, um dos melhores do teste que fiz lá. Eu jogava de meia direita e fiz um monte de gols, e não me aprovaram. Aí eu saí de lá e fui direto para o São Paulo", recordou.

Declaração antiga do pai impediu Gabriel de jogar no Palmeiras

De acordo com Gabriel, a politicagem no futebol também o impediu de atuar em outras equipes de São Paulo, como o Palmeiras. Neste caso, o que pesou foi uma antiga declaração dada por Wladimir, jogador com mais jogos pelo Corinthians na história: 805 partidas.

"Quando eu estava no São Paulo, teve uma negociação com o Palmeiras que eu não fui por causa do meu pai, e isso um cartola me disse. Ele me encontrou e falou: 'Pô, você quase acertou com o Palmeiras, né? E você só não foi porque o seu pai um dia disse que jamais jogaria no Palmeiras'. Isso é uma coisa que não tem nada a ver com a outra, o meu pai é meu pai e eu sou eu. E eles acabam confundindo, são cartolas, né?", lamentou.

Lateral Gabriel brinca com a bola no retorno aos treinamentos depois de lesão no tornozelo (26/11/2013) - Vinícius Costa/ Agência Preview - Vinícius Costa/ Agência Preview
Imagem: Vinícius Costa/ Agência Preview
"Também estive muito próximo de jogar no Santos. Ainda joguei no Grêmio e no Internacional, no Fluminense, e tive negociação para ir para o Vasco e Flamengo. Em BH, joguei no Cruzeiro e quase joguei no Atlético Mineiro. Então qual é a explicação de eu nunca ter jogado no Corinthians? Sendo que qualidade para jogar lá eu tinha. Não tem outra explicação", disse.

Gabriel não esconde a frustração de não ter atuado pelo Corinthians, mas torce para que seu filho, ainda com quatro anos, possa realizar o seu sonho caso se torne um jogador de futebol.

"Ah, ficou [a frustração], sem dúvida nenhuma, e eu vou deixar isso para o meu filho. Eu tive a felicidade de vestir a camisa da seleção brasileira e não vesti a do Corinthians, que sempre foi meu sonho", concluiu.

VEJA MAIS TRECHOS DA ENTREVISTA

Da meia para a lateral direita

Comecei como meia direita, sempre gostei de jogar no meio-campo. Aí, subindo do juvenil para o júnior, o lateral direito, que era o Andrey, da seleção brasileira da categoria de base, tinha se machucado, e o Pita, ex-Santos e São Paulo, que era o treinador na época e inclusive está até hoje na base do São Paulo, falou: 'Gabriel, não tem lateral direito no Brasil, eu vou colocar você como ala. Não vai ser nem como lateral porque você tem habilidade, você ataca bem, vou colocar um volante para ajudar na marcação e você vai se dar bem', e eu aceitei ajudar e para mim foi ótimo. Consegui, na lateral, chegar à seleção brasileira.

Nível do futebol brasileiro está muito baixo

Eu acompanho o máximo que posso, mas o nível do futebol brasileiro está muito baixo, então é triste você assistir um jogo inteiro do Campeonato brasileiro, não é animador, não, mas por ter amigos jogando ainda eu acabo assistindo. Eu amo futebol, então quando está passando fico zapeando e boto num jogo, boto no outro, boto na Europa, que o nível é melhor.

Atual fase do São Paulo: "é triste"

É triste porque o São Paulo é um clube grandíssimo, sempre que entra numa competição entra para ganhar, mas realmente não tem conseguido manter uma regularidade, não está conseguindo se acertar. Chega jogador de nome e, se vai bem por um período, acaba não conseguindo dar sequência. E, sem dúvida nenhuma, a parte política acaba interferindo porque tem toda pressão, e acaba passando a pressão para dentro de campo. Ou seja, você não joga sem preocupação.

Saída do São Paulo: "faltou carinho"

Eu tinha contrato grande com o São Paulo e a diretoria teve algumas desavenças comigo depois que eu já tinha assinado. Foram falhas, porque eu era um jogador com potencial enorme dentro do São Paulo. Na época que eu era titular absoluto, por exemplo, em 2001, e o Belletti que era o lateral da seleção, era o meu reserva, ou seja, penso que faltou um pouquinho de carinho do São Paulo na época, de pensar em me vender, por exemplo, de não ter me dado sequência, então eu saí do São Paulo em 2005 estando bem, disputando mano a mano a posição com o Cicinho, sendo que ele foi trazido pelo Cuca. E quando ele chegou, eu era titular absoluto em 2004, e achei que, por ter terminado o ano muito bem, ia disputar posição com ele, e acabei perdendo a posição, no primeiro jogo já fui para reserva.

Enquanto o Cuca era o treinador do time, acabei ganhando a posição no meio de campo, então joguei várias partidas como 10, como 8, ele não tirava o Cicinho, e eu estava tão bem quanto ele na época. Aí joguei de meia por algum tempo, trocou o treinador, veio o Leão e ele começou a tirar o Cicinho do time e a me colocar na lateral, aí acabou criando uma confusão e a diretoria interviu: 'Porque não, o Cicinho tem que jogar', e num determinado dia o Leão me chamou e falou: 'Gabriel, eu quero muito que você permaneça, eu gosto do seu estilo de jogo, só que você sabe, tem gente aqui que gosta de você e gente que não gosta, como em todo lugar, então, para você ficar, vai ter que baixar muito o seu salário, mas pode deixar que eu vou ligar para o treinador do Palmeiras, do Santos, você cabe em qualquer equipe'. E aí meu contrato estava acabando e saí por causa disso.

Renato Gaúcho: "facinho trabalhar com ele"

Trabalhar com Renato Gaúcho é fácil porque ele entende o jogador, entende o vestiário, entende o que o jogador está pensando, então é 'facinho' trabalhar com ele, é só você fazer bem o seu papel dentro de campo porque a gente sabe que fora ele segura qualquer porrada, qualquer bronca. Não tem jornalista, não tem empresário, ele não tem rabo preso com ninguém, é boca dura mesmo. Trabalhar com ele é mole, ele é um p. cara sensato, gente boa, agregador.

Desavença com o 'pai' Renato Gaúcho no Flu

Gabriel, lateral-direito do Grêmio - Daniel Cassol/UOL Esporte - Daniel Cassol/UOL Esporte
Imagem: Daniel Cassol/UOL Esporte
Na primeira [passagem] eu tive um pequeno desentendimento com ele. Quando cheguei no Fluminense ele super me cobrava e as coisas não aconteciam; a bola batia na canela... E um dia encontrei com ele na praia, no Porcão [restaurante], tomando um chope, e aí falei: 'Pô, Renato, tem fase que é f..., que a bola bate e sai', e ele falou: 'Pior que tem isso mesmo, mas você vai melhorar'. E depois disso minha relação com ele ficou como de pai e filho mesmo. Tenho ele hoje como um pai, um amigão, e a nossa relação ficou ótima, o meu futebol cresceu para caramba, tanto é que depois ele foi para o Grêmio, me ligou e disse: 'Quer vir para cá'? Eu falei: 'Estou indo', e fui de novo, o melhor lateral direito com ele. Fiz gol pra caramba e foi sensacional trabalhar com ele, e espero trabalhar com ele de novo ainda, agora já na área de gestor.

Vanderlei Luxemburgo: "me atrasou a carreira"

O Luxemburgo é um cara que entende de futebol, sem dúvida nenhuma, tanto é que o histórico fala por ele, está dentro do futebol há muitos anos, mas acho que o único problema que ele tem e que teve comigo é o tratamento com o ser humano. Ninguém pede para ser abraçado, para ser beijado, mas é o tratamento com respeito, isso que eu acho o único problema que ele tem. Foi uma maneira que ele sempre trabalhou, e tem jogador que aceita e tem jogador que não aceita.

No meu caso, enquanto estava o tratamento normal, com respeito, foi ótimo, a opção de me colocar para jogar ou me tirar é dele, sem dúvida nenhuma. Agora, quando o tratamento começa a ficar estranho, ficar estreito, aí realmente acho que ele peca. Foi onde não teve mais clima para gente trabalhar juntos. Ele me tirou, não deu satisfação, quando me colocou eu já estava de titular e ele também não me deu satisfação, mas acho que, na altura que eu estava da carreira, ele não precisava ficar me levando para todos os jogos e me cortando, poderia ter chegado e falado: 'Olha, Gabriel, não vou mais usar você, procura um clube'. Eu tinha qualquer outro clube no Brasil para trabalhar, sairia do Grêmio sem problema nenhum, e foi o que aconteceu, saí do Grêmio e fui para o Internacional, mas isso poderia ter acontecido antes, ele me atrasou a carreira em seis meses, e na faixa etária que eu estava, já não podia ficar seis meses sem jogar.

Qual clube que vai contratar um jogador seis meses sem jogar? 'Ah, não está jogando por quê? Está machucado? É chinelinho, não sei o quê', então ninguém sabe disso. Depois disso eu já o reencontrei agora que acabou minha carreira como jogador. Achei que ia até ficar um pouquinho estranho, mas conversamos, isso é a maneira dele, também entendo, não tenho rancor.

Dunga: "cara sensacional"

Fera demais. O Dunga é outro cara sensacional, eu adorei. É um cara que não tem rabo preso com ninguém também, bate de frente, defende o jogador, e treinador para mim é isso. O cara entende de futebol, compra a briga com qualquer um para defender o grupo.

Ida para time de Ronaldo nos EUA

Acabou meu contrato e o Internacional estava querendo renovar o elenco, porque a maioria dos jogadores já eram acima de 32 anos. Acabou o ano, voltei para São Paulo, entrei em negociação com o Palmeiras e machuquei o joelho treinando sozinho nas férias. Aí fiz a recuperação no Corinthians, e foi quando achei que talvez pudesse encerrar ou jogar no Corinthians, e acabou não rolando. Aí o Ronaldo Fenômeno tinha um time aqui em Miami e falou: 'Então vai para lá'. A minha esposa já estava querendo vir para Miami mesmo, aí peguei e vim com a família para cá, fiquei dois anos no time, mas o time acabou e aí decidi ficar por aqui, estudar e fazer gestão de esportes.

Desafio a Neymar e Daniel Alves no futmesa: "sou rei"

Os caras inventaram uma modalidade nova aí chamada futmesa. Inclusive eu sou o rei do futmesa, você pode deixar isso bem claro aí, que não tem Neymar, não tem Ronaldinho Gaúcho, não tem ninguém. Faz mais de um ano que jogo isso aí e nunca fui batido no melhor de três. Enfrentei o Zé Roberto, o Lucas Crispim, um monte de caras do futevôlei que são feras, e pode botar aí: o Daniel Alves está com medo de me enfrentar, fica fugindo de mim: 'Ah, você é o meu professor, não vou jogar contra o professor'. O Neymar falou que ia melhorar da lesão e que eu ia apanhar.

Estou falando com um amigo para ver se a gente organiza um campeonato desse aí no Brasil, aí deve jogar Elano, Fabio Luciano, Zé Roberto, vou ver o Ronaldinho Gaúcho, enfim, toda essa galera da antiga. Mas o rei sou eu. Outro dia fiz um depoimento no meu Instagram e disse o seguinte: como jogador de futebol não cheguei no nível desses caras, Cristiano Ronaldo, mas hoje sei exatamente o que eles sentem ganhando cinco, seis bolas de ouro, porque eu realmente não consigo ser batido [risos]. Aí os caras ficam malucos: 'Seu ridículo, fica jogando com esses caras ruins, quero ver jogar comigo'. Quando eu for para o Brasil, o Lucas Lima vai apanhar também, pode anotar.