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Brasileiro Cacau vira cartola na Alemanha e polemiza ao minimizar racismo

Cacau defendeu a Alemanha em 23 partidas e hoje atua como diretor da federação local - Frank Augstein / AP
Cacau defendeu a Alemanha em 23 partidas e hoje atua como diretor da federação local Imagem: Frank Augstein / AP

Marcus Alves

Colaboração para o UOL, de São Paulo

28/03/2019 04h00

Mais do que o processo de renovação de sua seleção, a Alemanha enfrenta outra discussão que vem roubando as manchetes: o aumento no número de casos de racismo em seus estádios. Na última semana, foi a vez de Leroy Sané e Ilkay Gündoğan sofrerem com ofensas durante amistoso contra a Sérvia, em Wolfsburg. Pouco tempo atrás, Mesut Özil se aposentou da equipe devido a este ambiente insustentável, em suas palavras. Para completar, ainda houve um incidente com homenagem a um neonazista na quarta divisão.

Essa sucessão de episódios deixou o brasileiro naturalizado Cacau, que defendeu a Alemanha em 23 jogos, no centro de toda a confusão. Ex-atacante, ele ocupa desde o fim de 2016 o cargo de diretor de integração na federação local e faz parte de sua estrutura.

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Em suma, o seu papel é cuidar da política para que jogadores estrangeiros sejam inseridos na cultura alemã, como ele mesmo conseguiu, com sucesso, após desembarcar no país com apenas 18 anos. A controvérsia toda ficou ainda maior, no entanto, após as suas manifestações, fazendo com que o que deveria ser um esforço para apaziguar os ânimos criasse efeito reverso.

As declarações de Cacau após os casos mais recentes revoltaram os alemães após ele minimizar publicamente as ofensas racistas.

Mesmo depois de nomes como Marco Reus saírem em defesa dos companheiros e admitir que a situação está "absolutamente fora de controle", Cacau adotou outro tom.

Em entrevista à revista Focus, o brasileiro classificou os incidentes com Sané e Gündoğan como "isolados" e pregou que era preciso enfrentá-los, mas "sem dar muita atenção a eles". "Não devemos fazer do racismo maior do que ele realmente é", afirmou Cacau, para a indignação dos torcedores locais.

No episódio com Özil, Cacau defendeu que uma crítica a um atleta com raízes estrangeiras não significa automaticamente racismo e gerou reações mistas internamente.

Desde então, a sua função dentro da federação alemã tem sido questionada abertamente até mesmo por órgãos de defesa dos direitos humanos, como Human Rights Watch.

"O que ele falou causou espanto em todos"

Somente depois de um vídeo filmado pelo repórter Andre Voigt, que cobre basquete e se encontrava na arquibancada com a família, o caso protagonizado no amistoso com a Sérvia viralizou e gerou uma comoção nas redes sociais. Os três torcedores por trás das ofensas, inclusive, se apresentaram de forma espontânea às autoridades. O gerente geral da seleção, Oliver Bierhoff, também se pronunciou a respeito posteriormente.

"O trabalho de Cacau costuma ficar fora das manchetes, mas, quando ele foi necessário, a sua atuação tanto no episódio envolvendo Özil no verão como nos cantos racistas contra Sané e Gündoğan causou espanto no público em geral", contou Felix Samut, repórter da agência Deutsche Welle especializado no assunto, ao UOL Esporte.

"O papel dele como diretor de integração na federação basicamente significa que ele precisa se apresentar quando incidentes assim vêm a público, mas ele escolheu defender a federação e minimizar o racismo na sociedade alemã. Em geral, ele enfatiza que, em sua passagem nos gramados, nunca enfrentou qualquer problema de racismo, e isso é bom, claro, mas dizer isso no contexto em que outros estão sofrendo hoje não soa nada bem", acrescentou o jornalista.

Mesmo discordando, Samut defende o direito de Cacau ter a sua visão particular, alertando somente para um risco específico.

"Eu não diria que as suas impressões - e talvez mais importante, suas experiências pessoais - são preocupantes porque, assim como qualquer outra pessoa, ele pode tê-las. O que é possivelmente preocupante é a possibilidade de a federação estar agindo de acordo com esses pensamentos", argumentou.

"Foi a sensação que houve no caso do Özil, por exemplo, mas, sendo justo, a federação teve uma postura muito mais incisiva no caso de Sané e Gündoğan, incluindo entrevistas construtivas concedidas por figuras como Bierhoff. Mas se Cacau for continuar relativizando os incidentes envolvendo racismo somente porque 'ele não enfrentou nada assim no passado', um questionamento sério será feito em relação ao papel que ele ocupa como diretor de integração", finaliza.

Não pegou bem uso de expressão comum a políticos

Para Manfred Münchrath, editor da revista da Kicker, uma das principais do futebol alemão, a função desempenhada por Cacau não deixa a desejar, porém, nas últimas semanas, entrou na alça de mira de todo o país por causa de um deslize ao se manifestar sobre os episódios recentes.

"Até o momento, Cacau vinha fazendo um trabalho decente em seu papel. As suas declarações eram, em sua maioria, quase sempre equilibradas. Dessa vez, ele teve um pouco de azar na escolha das palavras, especificamente com o uso do termo 'Einzelfall', que é mais comumente utilizado por políticos para minimizar problemas estruturais e, consequentemente, não pegou bem", detalhou Manfred ao UOL Esporte.

"Ele queria apenas dizer que, no meio de muitos outros torcedores, havia um ou outro imbecil - o que, é claro, não quer dizer que os seus comportamentos não tenham sido horríveis. Mas, em virtude do uso dessa expressão, ele foi acusado de relativizar toda a questão", prosseguiu.

"Desde então, ele pediu desculpas pela escolha equivocada de palavras e esclareceu o que ele queria dizer", concluiu.

A reportagem tentou entrar em contato com Cacau através de ligações e mensagens, mas não obteve qualquer retorno até o fechamento da matéria.