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Como o Barça, sucesso do Porto na Liga dos Campeões carrega apelo político

Xinhua/Zhang Liyun
Imagem: Xinhua/Zhang Liyun

Marcus Alves

Colaboração para o UOL, de Lisboa (POR)

17/04/2019 04h00

Em entrevista coletiva recente, entre uma resposta e outra, quase de forma despercebida e carregando um sorriso sutil, o técnico do Porto, Sérgio Conceição, repetiu uma das frases feitas que mais se escuta ao se definir Portugal como um todo. "No Porto, trabalhamos, enquanto que, em Lisboa e no restante do país, se divertem e gastam o dinheiro", disparou o ex-meio-campista com passagens de sucesso por Lazio, Inter de Milão e outros.

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Chamado de 'novo Mourinho', Conceição não se restringe a esse papel. Ao contrário do "Special One", carrega uma verdadeira empatia por parte do torcedor e age como o seu representante no banco de reservas.

Quando o Porto subir ao gramado do Estádio do Dragão logo mais nesta quarta-feira, às 16h (de Brasília), para enfrentar o Liverpool por uma vaga nas semifinais da Liga dos Campeões, não haverá qualquer dúvida em sua mente de que, em campo, estará em jogo muito mais do que a passagem de fase. Conceição tem consciência de que será a causa do Porto não só como clube, mas também como cidade e região sendo defendida.

A exemplo do que acontece no Barcelona, quando o Porto atua, nunca é apenas futebol. É também político, flertando com mais autonomia para a sua área e, em casos ainda isolados, com o separatismo.

É essa a diferença da bandeira que Barça e Porto sustentam em seus desafios. Ao contrário do que acontece na Catalunha, o discurso por sua independência ainda não ressoa de forma uníssona pelo Porto. Ele hoje prega, na verdade, o regionalismo, com a divisão da parte continental de Portugal e mais poder para que cada uma delas defina o seu destino.

Existe na maior parte dos portuenses uma insatisfação com o centralismo da capital Lisboa.

"O centralismo é um problema enorme em Portugal e, de alguma forma, o Porto apresenta uma resistência a isso", afirma Sérgio Pires, repórter do Mais Futebol e um dos mais conceituados setoristas do Porto, ao UOL Esporte.

"Existe esse lado político do Porto, que, de alguma forma, é o mesmo sentimento que há do Barcelona em relação a Madri, mas com uma grande diferença: em Barcelona, existe, mesmo, um sentimento independentista, estamos falando de um patamar um pouco mais à frente. No caso do Porto, é uma coisa mais regionalista, uma forma de afirmação, o futebol serve para isso", prossegue.

"É um bocado oposição àquilo que o Benfica ocupa como clube congregador em termos nacionais enquanto o Porto é uma equipe de afirmação mais regional. Há essa antítese entre os dois times", completa.

Mais identificação com a Galícia

Esse é o peso da responsabilidade que os brasileiros Éder Militão, Felipe, Pepe, Alex Telles, Otávio, Tiquinho Soares e Fernando Andrade levam nas costas a cada corrida para fazer frente a um adversário ou balançar as redes.

É uma postura, inclusive, institucional por parte do Porto, que, através de sua emissora oficial, a Porto Canal, dedicou no início do mês uma semana de programação para debater a necessidade do regionalismo no país, entrevistando diversas personalidades, entre elas, o próprio presidente Jorge Nuno Pinto da Costa, que ocupa um cargo em seu alto escalão desde o fim dos anos 70.

Em uma pesquisa nacional encomendada pela própria televisão sobre o assunto, o resultado foi de que 43,4% das pessoas votariam a favor da regionalização (veja abaixo).

É praticamente consenso que, num hipotético confronto entre a seleção portuguesa e o Porto, os portuenses ficariam ao lado das cores azul e branco. Esse é um detalhe que somente reforça como os Dragões e sua imagem se confundem com a própria cidade como poucos clubes ao redor do mundo.

"De alguma forma, não é propriamente um separatismo que existe no Porto até porque Portugal nasceu no norte do país, em Guimarães, e, portanto, não faria sequer sentido Portugal se separar de sua própria origem, né? Seria até mesmo confuso. É mais acertado dizer que o que há não é propriamente uma questão de separatismo, mas de aproximação em relação à Galícia (norte da Espanha), porque existe uma proximidade muito maior talvez do povo do Norte de Portugal com o galego não só em termos históricos, mas geográficos, forma de falar e muito mais", analisa Sérgio Pires.

"Se você estiver numa rua do Porto e numa de Vigo, encontra muito mais semelhanças do que numa rua do Porto e de Lisboa. Existe um bocadinho essa identificação", acrescenta.

"Para além disso, aquilo que eu acho que o Porto tem de dimensão política é, sobretudo, uma representação, de fato, da sua região. O Porto no futebol representa a sua região. E, sendo assim, tem esse papel político, um pouco como o Barcelona na Catalunha, embora aqui é preciso ter muito cuidado porque o Barça está num patamar muito mais avançado e diferente. Enquanto lá se fala em nacionalismo, aqui se discute o regionalismo, mais autonomia, não existe propriamente uma vontade de separar o Porto do resto de Portugal. Mas, sim, uma vontade das pessoas do Porto terem alguma autonomia e mandarem no seu próprio destino. Nesse aspecto, fazem oposição ao centralismo gritante que existe em relação a Lisboa", completa.

Pode soar exagerado, mas, considerando todo esse contexto, a impressão que se tem quando o Porto entra em campo é a de que são eles contra o resto do mundo. Não dá para dizer que essa mística não tem funcionado.

Entre 1934 e 1977, foram apenas cinco títulos portugueses em 43 temporadas. Não surpreendentemente, ganhou o apelo pejorativo de "Andebol Clube do Porto", em virtude de suas taças quase exclusivas no handebol no período. Depois disso, entre 1978 e 2018, esse número saltou para 23 conquistas locais em 40 temporadas. Mais do que isso, viu o seu sucesso alcançar uma dimensão continental. O Liverpool é apenas mais um a desafiá-lo.