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Entidade dos EUA acusa Vivo de usar ingressos da Copa para "abrir portas"

Seleção da Alemanha foi campeã mundial em 2014; 93 autoridades brasileiras tiveram ingressos grátis - Adrian Dennis/AFP
Seleção da Alemanha foi campeã mundial em 2014; 93 autoridades brasileiras tiveram ingressos grátis Imagem: Adrian Dennis/AFP

Jamil Chade

Colaboração para o UOL, em Genebra

16/05/2019 12h33

Autoridades americanas aplicaram uma multa de US$ 4,1 milhões (cerca de R$ 16 milhões, na cotação atual) sobre a Telefônica Brasil por ter usado ingressos da Copa do Mundo, em 2014, para agradar e influenciar deputados, fiscais e autoridades brasileiras que pudessem "abrir portas" no país para a operadora. Dona da Vivo, a companhia terá de pagar o valor à Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos, conhecida por sua sigla em inglês SEC (U.S. Securities and Exchange Comission).

A decisão das autoridades americanas foi anunciada no dia 13 de maio. A Telefônica Brasil confirma o pagamento da multa "para encerrar o assunto", conforme posicionamento abaixo.

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Nos documentos do processo, consta que a empresa distribuiu gratuitamente ingressos para 93 deputados e membros do governo para o Mundial de 2014. Um ano antes, na Copa das Confederações, outros 34 representantes oficiais receberam ingressos. "A maioria dos ingressos foi dada a membros do governo para dar a indivíduos que eram significativos aos interesses da empresa, incluindo deputados, senadores, prefeitos e outros membros do governo", disse.

E-mails internos da empresa ainda apontam que a escolha dos convidados era baseada em pessoas que poderiam ajudar a empresa. Numa mensagem de 27 de maio de 2014, um dos gerentes indica que a lista deveria ser feita com critérios como "a importância das ações de cada um dos convidados em nosso favor". No e-mail, o funcionário sugeria claramente que se convidasse membros do governo.

No dia 4 de junho daquele mesmo ano, outro e-mail mencionava a necessidade de dar ingressos ao chefe de gabinete de um dos deputados. Motivo: ele "abriu muitas portas para nós". O funcionário da empresa que controla a Vivo ainda justificava que havia, naquele momento, muitas atividades legislativas na Câmara de Deputados naquele momento. "Eu vou precisar da ajuda dele", disse.

Ingresso da Copa de 2014 - Reprodução - Reprodução
Ao todo, 194 ingressos foram usados para "agradar" autoridades brasileiras, segundo a SEC
Imagem: Reprodução

Ingressos também foram dados, segundo um e-mail de junho de 2014, a funcionários da Receita Federal. Os beneficiados pelas entradas eram pessoas que "ajudavam" a liberar cargas nas aduanas.

Um outro e-mail, segundo a SEC, seria ainda mais explícito sobre o papel dos ingressos. "Um e-mail de julho de 2014 entre funcionários sugeria convidar dois prefeitos brasileiros. Mas apenas se, durante as conversas telefônicas para os convidar, o Departamento de Tecnologia pudesse tratar com eles certas emendas legislativas de importância para a companhia", apontou a decisão das autoridades americanas.

Ao concluir sua avaliação, a SEC estimou que a Telefônica Brasil "ofereceu ingressos e hospitalidade a membros do governo que estavam diretamente envolvidos ou em posição de influência, ações legislativas e aprovações regulatórias e outros esforços empresariais para beneficiar a Telefônica Brasil".

Para as autoridades americanas, a empresa não reportou tais doações em sua contabilidade. No total, a Telefônica Brasil comprou 1.860 ingressos para a Copa, num valor de US$ 5,1 milhões. Para cada membro do governo, os gastos foram em média de US$ 3,2 mil.

Assim, as 93 autoridades brasileiras escolhidas receberam um total de 194 entradas para os jogos, inclusive para familiares. A SEC estima, portanto, que a empresa gastou US$ 621 mil para agradar deputados, senadores e outros. Para a Copa das Confederações, ela gastou mais US$ 450 mil com ingressos.

As investigações ainda mostraram que, nos documentos para justificar a compra de entradas, a direção da empresa indicou que se tratava de "atividades com um audiência estratégica". Mas não havia qualquer referência explícita a membros do governo.

A SEC confirma que Telefônica Brasil tinha um código de ética que proibia "oferecer e aceitar presentes, hospitalidade e outros tipos de incentivos que possam influenciar uma decisão de negócios". Doações tampouco poderiam estar ligadas a atividades políticas.

De acordo com os documentos americanos, a Telefônica emprega 34 mil pessoas no Brasil e teve uma receita de US$ 14 bilhões ao final de 2017.

Outro lado: posicionamento da Telefônica

"Conforme publicado em nossos relatórios financeiros, a Telefonica Brasil concluiu uma investigação interna anteriormente relatada.

A empresa esteve em negociações com a U.S. Securities and Exchange Commission (SEC) e concordou em fazer um acordo para encerrar o assunto relacionado ao registro contábil da compra e uso de ingressos e itens de hospitalidade associados à Copa das Confederações de 2013 e Copa do Mundo de 2014 realizadas no Brasil.

Segundo os termos do acordo, a empresa não admite ou nega a conclusão da SEC de que a empresa não cumpriu as disposições contábeis da U.S. Foreign Corrupt Practices Act. A SEC emitiu uma ordem de cessação e a Telefónica pagará uma multa de US$ 4.125.000 à SEC encerrando o assunto. A Telefonica Brasil tem um forte código de ética e a companhia continua fortalecendo o seu programa de conformidade para garantir o cumprimento de todas as leis e regulamentos a ela aplicáveis
."