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Ex-companheiros sobre Casillas: "A vida é mais importante que futebol"

Casillas durante o jogo entre Liverpool e Porto - Paul Ellis/AFP
Casillas durante o jogo entre Liverpool e Porto Imagem: Paul Ellis/AFP

Luís Aguilar

Colaboração para o UOL, em Lisboa (POR)

01/06/2019 04h00

Iker Casillas sofreu um infarto no dia 1º de maio durante um treino do Porto. Hoje, um mês depois, ele ainda não anunciou oficialmente se voltará ao futebol. O UOL Esporte ouviu personalidades do esporte que tiveram sua vida, de um jeito ou de outro, impactada pelo goleiro espanhol. Ouviu que Casillas fará falta, mas que, agora, é melhor pensar no futuro.

"O futebol faz parte da vida, mas a vida em si é bem mais importante do que o futebol", disse Sérgio Conceição, seu último técnico. "É um daqueles jogadores que engrandecem a nossa competição. Mas se não der, quero é que ele tenha uma vida feliz", completou o lateral Fábio Coentrão, ex-companheiro no Real Madrid.

Vitor Baía: Casillas "era o pacote completo"
Quando Vítor Baía jogou no Barcelona, Iker Casillas ainda era júnior do Real Madrid. Os dois goleiros não se encontraram em campo nessa fase, mas houve uma história que marcou Baía. "Foi nos quartos de final da Copa do Rei [1996/97] contra o Atlético de Madrid. Tínhamos empatado a duas bolas fora de casa e a segunda mão acabou por ser épica. Estivemos a perder 3 a 0, mas demos a volta e acabámos por ganhar 5 a 4. O jogo não me correu muito bem".

Casillas, ainda bastante jovem, assistiu à partida pela televisão e, assim que terminou, escreveu uma carta ao seu ídolo. "Disse que me admirava muito, que eu era um dos melhores da Europa e que não seria por um jogo menos conseguido que iria deixar de ter valor. No fundo, estava a dar-me ânimo. É algo de extraordinário para um miúdo que, na altura, deveria ter uns 15 ou 16 anos e que era goleiro do clube rival. Isto demonstra bem a personalidade dele e o fair play que sempre teve".

Os dois acabaram se enfrentando na fase de grupos da Liga dos Campeões de 2004, vencida pelo Porto, então treinado por José Mourinho. Vítor Baía é um dos jogadores com mais títulos na história do futebol (33 troféus entre Porto e Barcelona), tendo conquistado grande parte deles no clube português. Por isso, ficou "muito feliz" em 2015, quando soube que os Dragões tinham acabado de contratar Casillas.

"Foi uma excelente notícia porque podíamos contar com um goleiro de topo que ainda estava com as suas capacidades intactas. Além disso, é uma marca muito forte que iria ajudar o Porto a expandir-se em diferentes mercados. Foi o pacote completo".

Conceição: humildade até no banco
Quando Casillas chegou ao Porto, o técnico da equipe era seu compatriota Julen Lopetegui, o mesmo que falhou recentemente no Real Madrid e deixou a seleção espanhola na véspera da Copa do Mundo de 2018. No clube português, também foi treinado por José Peseiro e Nuno Espírito Santo (atual técnico do Wolverhampton) até à chegada de Sérgio Conceição. Com ele, ganhou os seus dois títulos no futebol português (o nacional e a Supertaça) e perdeu o posto de titular. Foi Conceição quem o relegou para o banco de suplentes para colocar o jovem José Sá entre as metas.

O treinador deu a entender que não estava contente pela forma como Casillas treinava. Mesmo na reserva, o espanhol seguiu apoiando seu colega, à espera de uma oportunidade. A humildade sensibilizou o grupo. Casillas recuperou rapidamente o posto, logo após a pesada derrota contra o Liverpool (5 a 0) na Champions. Não saiu mais do time até o final do campeonato.

Segundo Baía, esses dois exemplos mostram "a pessoa extraordinária que é Iker Casillas". "Tem muita humildade, é um homem cativante, de boa índole e um bom amigo. Aquela questão da rivalidade na história do Porto, por causa da importância que eu tenho, nunca foi assunto entre nós. Todos temos o nosso espaço, a nossa importância e o nosso período, mas acima disso está o lado humano. Sinto-me um privilegiado por poder conviver com uma pessoa desta grandeza e só desejo que o Iker e a sua família sejam muito felizes."

Futre: "Rivais dizem que ele é Deus"
Paulo Futre foi o primeiro português a brilhar no futebol espanhol, quando representou o Atlético de Madrid no final dos anos 80 e início década de 90. Tornou-se símbolo do clube e ainda hoje divide sua vida entre Lisboa e Madrid. No início da tarde do último dia 1º de maio, diz que Espanha "quase ficou de luto quando recebeu a notícia de que Casillas tinha sofrido um enfarte".

"O Casillas não é apenas um símbolo do desporto, é um símbolo da nação", afirma. "Se Espanha foi campeã do Mundo em 2010, mais de 80 por cento deve-se a ele. Basta lembrar a defesa ao penálti de Cardozo contra o Paraguai, quando o jogo ainda estava empatado a zero, ou aquele paradón com o pé, na final, ao remate de Robben, levando o jogo para prolongamento. Esse lance até lhe valeu uma estátua feita por um artista espanhol. É por momentos como esse que lhe chamam San Iker. Um santo. O salvador de Espanha."

Futre lembra que, depois da Copa de África do Sul, "Casillas ficou acima de qualquer rivalidade entre clubes" e dá o exemplo dos seus dois filhos: "Ambos nasceram em Espanha e são fanáticos do Atlético. Como qualquer colchonero, não gostam do Real Madrid nem dos seus jogadores. E Casillas foi um dos rostos principais do 'inimigo' durante muitos anos. Pior ficou quando chegou a capitão. Os meus filhos, assim como muitos outros, diziam coisas horríveis dele".

Mesmo após a Eurocopa de 2008, em que a Espanha foi campeã com Casillas em grande fase, não houve margem para elogios. "Já não diziam mal, mas preferiam enaltecer os méritos de outros jogadores." Com a vitória na Copa do Mundo, dois anos depois, tudo mudou. "Os meus filhos pintaram a cara e foram para a rua festejar. Passados uns dias, perguntei-lhes: 'Então, e o Iker?' A resposta deles foi clara: 'Iker, pai? Iker é Deus'. Desde aí nunca mais os ouvi dizer mal de Casillas. Portanto, é disto que estamos a falar. Um dos poucos jogadores, senão mesmo o único na história do futebol espanhol, que se tornou um herói nacional para todos. Deixou de ser o goleiro do Real Madrid para se tornar o goleiro de toda a Espanha."

Coentrão: "O melhor com quem já joguei"
O lateral esquerdo Fábio Coentrão saiu do Benfica para o Real Madrid um ano após Casillas ter sido campeão do Mundo. "Todos o respeitavam por aquilo que tinha conseguido. Se antes já fazia parte da história do Real, depois era dos poucos amados em todo o país. E conseguiu isso com todo o mérito. Pelo excelente profissional que é, mas também por ser uma pessoa que sabe estar no desporto."

Coentrão ganhou tudo ao lado de Casillas no Real, incluindo a Champions de 2014, frente ao Atlético de Madrid: "Foi um privilégio poder jogar com alguém como ele e ganhar todos esses títulos. Era um enorme capitão. Um líder e uma inspiração para todos nós".