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O que Klopp tem a ver com bandeira do Liverpool inspirada no comunismo

Klopp recebeu homenagem da torcida do Liverpool - Reprodução
Klopp recebeu homenagem da torcida do Liverpool Imagem: Reprodução

Lucas Faraldo

Do UOL, em São Paulo

11/08/2019 04h00

Atual campeão europeu, o Liverpool começou a temporada 2019/20 com o pé direito. Ou seria melhor falar em "pé esquerdo" no caso do clube liderado pelo técnico social-democrata Jürgen Klopp?

Antes de a bola rolar para a primeira partida (e goleada) do Liverpool na nova edição da Premier League, uma já tradicional bandeira com os rostos daqueles considerados os maiores técnicos da história do clube foi erguida por torcedores dos Reds no setor conhecido como The Kop do Estádio Anfield. Nessa sexta-feira, porém, havia uma novidade estampada no clássico pano: o rosto de Klopp.

Pouco mais de dois meses após quebrar jejum de 14 anos do clube e conquistar o título da Liga dos Campeões, o técnico alemão viu sua imagem se juntar à de outros cinco ídolos da torcida numa homenagem que faz também alusão a pôsteres de propaganda comunista do século passado, nos quais apareciam enfileirados líderes dos ideais de esquerda como Karl Marx e Friedrich Engels.

E isso tem tudo a ver com Liverpool e Jürgen Klopp.

Antes de Klopp, já constavam na bandeira da torcida os seguintes ex-treinadores do clube: Bill Shankly (à frente do Liverpool de 1959 a 1974), Bob Paisley (de 1974 a 1983), Joe Fagan (de 1983 a 1985), Kenny Dalglish (de 1985 a 1991 e 2011 a 2012) e Rafael Benítez (de 2004 a 2010).

"É uma bandeira bem legal porque tem treinadores que ou foram campeões europeus e/ou mudaram o clube de patamar, se identificaram com a cidade, deixaram algum legado maior do que títulos. Como por exemplo o Bill Shankly, que é o maior treinador da nossa história", conta Luiz Felipe Gomes Santos, dono da fanpage de torcedores brasileiros do Liverpool Make Us Dream Brasil.

E não à toa Shankly é considerado o maior técnico da história do Liverpool. Em 15 anos ininterruptos como treinador da equipe, levou o clube da segunda divisão nacional ao tricampeonato da elite, além de também conquistar o primeiro título continental dos Reds. Seus auxiliares Bob Paisley e Joe Fagan ainda dariam sequência ao trabalho (e aos títulos) nos 11 anos seguintes.

Mas talvez mais importante que os resultados de Shankly dentro de campo tenham sido seus posicionamentos fora das quatro linhas numa época em que o mundo vivia em Guerra Fria e à beira de uma Terceira Guerra Mundial. Ainda antes de Liverpool (seja clube ou cidade) entrar em conflito com a conservadora primeira-ministra Margaret Thatcher nos anos 80, o então treinador da equipe adotava discurso socialista que bateria de frente com a política a ser implantada pela Dama de Ferro.

Bob Paisley (à esquerda) e Bill Shankly - Divulgação/Liverpool - Divulgação/Liverpool
Bob Paisley (à esquerda) e Bill Shankly
Imagem: Divulgação/Liverpool

"O socialismo em que eu acredito não é realmente política, é uma maneira de viver. É humanismo. Acho que a única maneira de viver e ter realmente sucesso é pelo esforço coletivo, com todo mundo trabalhando junto, se ajudando e compartilhando a recompensa no final. Assim eu vejo o futebol e assim eu vejo a vida", disse Shankly em uma de suas mais célebres falas.

Shankly faleceu em 1981 e portanto não viu muito do governo Thatcher, que perdurou na Inglaterra de 1979 a 1990, nem da troca de farpas que se estendeu por mais de uma década entre a Dama de Ferro e moradores e políticos de Liverpool, reduto trabalhista e sindicalista desde os primórdios da revolução industrial, originada justamente na Inglaterra. Tais valores eram abraçados pelo clube da cidade, mas não combinavam em nada com as prioridades da primeira-ministra do país, sabidamente voltadas à capital Londres.

Por outro lado, os princípios chamados "esquerdistas" em muito combinam com as crenças de Jürgen Klopp - que Shankly também, e aí infelizmente, não teria oportunidade de ver ascender nos Reds.

"É uma combinação que realmente é favorável. Os valores que Jürgen Klopp carrega em sua vida influenciam nas formas como o clube o enxerga e também a comunidade de Liverpool o enxerga", diz Mauricio Simões, responsável pelo podcast Melwood Pub, especializado no Liverpool. "Nada melhor para um clube importante ter um comandante que entende a comunidade e o que ela significa para cada um", completa.

"O Klopp se identificou muito com a cidade desde que chegou. Até por isso tinham discussões entre os torcedores, antes mesmo do título da Liga dos Campeões, de ele ser adicionado à bandeira mesmo no caso de não conquistar títulos", acrescenta Luiz Felipe, da Make Us Dream Brasil.

Klopp conquistou a Liga dos Campeões pelo Liverpool há pouco mais de dois meses - BEN STANSALL/AFP - BEN STANSALL/AFP
Klopp conquistou a Liga dos Campeões pelo Liverpool há pouco mais de dois meses
Imagem: BEN STANSALL/AFP

Não é exagero enaltecer a relação de quase quatro anos entre Klopp e Liverpool. Em sua biografia escrita pelo jornalista alemão Raphael Honigstein, o técnico diz: "nunca pagarei um plano privado de saúde. Nunca votarei em um partido porque promete baixar os impostos. Se há algo que jamais farei em toda minha vida é votar na direita". Ele se intitula admirador da social-democracia, com ideias de centro-esquerda tidas como alternativas a governos excessivamente autoritários e/ou nacionalistas.

Hoje Liverpool tem como prefeito o social-democrata Joe Anderson, do Partido Trabalhista.

Numa entrevista ao jornal The Guardian, Klopp destrinchou seu posicionamento sobre o processo de saída da União Europeia que se arrasta há três anos no Reino Unido. "A União Europeia não é, não foi e nem será perfeita. Mas é a melhor ideia que tivemos até hoje. Devemos repensar o Brexit, levá-lo à votação novamente, mas desta vez com as pessoas devidamente informadas", opinou o técnico.

Chama atenção em meio a tudo isso o fato de ser cada vez mais incomum hoje um clube ou um técnico de futebol se posicionar em questões além das quatro linhas. Liverpool e Klopp são exceções: dão seta à esquerda nesse congestionamento de tanta gente quase parada e até na contramão.

"O que fica cada vez mais claro, a cada dia que passa, é que Klopp é o cara perfeito para comandar o Liverpool", opina Mauricio Simões. "Mesmo quando erra, é um personagem que entende onde está e faz tudo o que está ao alcance para devolver aos scousers a expectativa que nele depositaram."

Uma homenagem como essa inaugurada sexta no estádio do Liverpool, assim, mostra-se um golaço de torcedores que, como o atual técnico de sua equipe, valorizam a história do clube de coração. Melhor para os seis figurões que, de tão queridos entre os Reds, agora assistem a tudo no Anfield "de cadeiras cativas". Ali na bandeira. De Shankly a Klopp, da esquerda para a direita. Ou melhor, juntos.